Festival folclórico do Boi Bumbá no interior da floresta Amazónica é espectáculo inesquecível

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Anualmente decorre no interior da floresta amazónica, mais propriamente na cidade de Parintins, na Ilha de Tupinambarana, junto ao rio Amazonas, uma festival folclórico que pode desafiar em animação e tradição com o Carnaval do Rio de Janeiro, ultrapassando-o pela sua genuinidade.
Muitas das pessoas que trabalham na criação e montagem dos carros que desfilam em Parintins, são os mesmos que depois se deslocam para a “cidade maravilhosa” e para outras localidades do Brasil para realizarem o mesmo trabalho, em que se especializaram e têm uma qualidade incomparável.
O Festival de Parintins, que se realiza no último fim de semana do mês de Junho, associado às Festas Juninas (de Junho) e do solstício de verão, é dedicado a dois  símbolos da mitologia local – o Boi Garantido, de cor vermelha, e o Boi Caprichoso, de cor azul. Ambos confrontam-se, explorando cenicamente lendas, rituais indígenas e costumes através de alegorias e encenações, para conquistar o almejado troféu do mais perfeito, criativo e completo na apresentação folclórica.

OS AZUIS E OS VERMELHOS

Este espectáculo movimenta cerca de 10 mil pessoas em cada ano, repartidos pelos dois grupos rivais, que cultivam um antagonismo visceral (mas nunca envolvendo violência ou desacato, uma vez que isso beneficiaria o outro que fosse vítima), ao ponto de nunca ou quase nunca invocarem o seu nome ou utilizaram a sua cor (no caso reciprocamente tanto o vermelho como o azul).
Durante três dias as duas quadras disputam a nomeação para vencedor, com três desfiles no Bumbódromo de Parintins repleto de milhares de aficionados, que se batem denodadamente para apoiar a sua equipa e contribuir para atingir os melhores resultados.
Cada espectáculo dura mais de cinco horas por noite, dividido pelas duas formações, com cerca de 2 mil pessoas, que desfilam com inúmeros carros alegóricos às histórias que contam e cantam. Cada equipa envolve várias figuras formais da história (como o amo do boi, o porta estandarte, a sinhazinha da fazenda, o cunhã poranga, a rainha do folclore, o pajé, etc,) para além do próprio boi e das centenas de figurantes que representam o povo e músicos. Estes dão uma toada intensa e muito viva durante as várias horas da apresentação.
Papel importante no evento tem a galera ou torcida, que são os apoiantes de cada equipa e que se juntam nas imediações do Bumbódromo, desde a manhã de cada espectáculo, para conseguirem a sua presença em condições especiais de acesso (os bilhetes para o público em geral são muito caros e esgotam-se meses antes). Estas galeras têm a obrigação e cumprem-no com a maior alegria e vivacidade, de durante a apresentação de cada equipa, a acompanharem cantando, dançando e participando nas respectivas coreografias. Isto dá ao espectáculo uma força e ritmo incríveis que se estendem a todos os assistentes, que na maioria toma também a torcida pelos azuis ou vermelhos. Ninguém fica indiferente,
Estas galeras entram para o local do espectáculo cerca das 15 horas e acompanham disciplinadamente o ensaio, especialmente das canções e das coreografias até meia hora antes das 20 horas, quando o público começa a entrar.
Quem assista ao ensaio e ao próprio espectáculo, são quase 10 horas ininterruptas de uma batucada incessante num êxtase partilhado com milhares de pessoas que amam aquela representação cultural popular vivida de uma forma inacreditável.
A trama da história, que em cada ano cada grupo recria, sempre de forma inovadora e com uma cenografia diferente, é simples e é assim explicada pela organização: “Nessa festa, religiosidade e folclore misturam-se entre animais da floresta, figuras do imaginário popular e índios. Os quatro mil integrantes de cada Boi contam ano após ano a história de Pai Francisco e Mãe Catirina, a qual tem um desejo incontrolável de comer língua de boi durante a gravidez, e pede a seu marido para saciá-lo.
Só que para cumprir a tarefa, Pai Francisco mata o boi preferido do patrão, que o descobre. Em seguida um padre e um médico (pajé na língua dos índios) são chamados e salvam o boi, que ressuscita e perdoa ao Pai Francisco e à Mãe Catirina. Com isso a comemoração é completa.”
O BUMBÓDROMO

O local onde actualmente decorre o Festival é o bumbódromo, inaugurado em 1988, com as bancadas divididas, marcando o limite dos currais de Garantido e Caprichoso. Tem uma capacidade para 35 mil espectadores, sendo considerado a maior obra cultural e desportiva do Estado do Amazonas, anunciando-se o seu alargamento para breve a fim de dar satisfação à procura crescente. O próprio formato do recinto imita a cabeça de um boi.
Um dos lado da contenda é assumido pelo Boi Caprichoso, simbolizado pela estrela azul. Por seu lado o Garantido, é simbolizado pelo coração vermelho. Segundo os parintinenses, o festival “tem a dinâmica de uma Ópera: o espetáculo acontece dentro de uma arena circular, onde cada um dos bois realiza seu desfile com carros alegóricos que se mexem, e produzem vários efeitos especiais. Além disso, cada boi tem sua “galera”, a qual ensaia uma coreografia para o desfile.”
Outro pormenor e que nos envergonha a nós que assistimos a disputas violente no nosso país entre os encarnados, azuis e verdes (para só falar das contendas mais conhecidas), quando se está perante despiques entre dois contendores “enquanto um Boi desfila e sua galera faz coreografias, a galera do contrário deve permanecer em silêncio, para não ofuscar o espetáculo. Uma verdadeira lição de cavalheirismo!”
A lha de Tupinambarana, fica no interior do Estado do Amazonas, perto da fronteira com o Estado de Pará, a 420 quilómetros de Manaus, acessível de avião (cerca de 40 minutos de viagem) ou por barco, com um dia a dois dias de viagem, consoante a potência da embarcação. Por via terrestre não há ligações.
No período do Festival o ambiente na cidade de Parintins altera-se, recebendo mais de cem mil visitantes de todas as partes do Brasil e do estrangeiro, que ficam alojados em toda a espécie de alojamentos, desde hotéis, casas particulares às dezenas de navios que estacionam no porto fluvial e onde se pode dormir numa rede, num clima permanentemente agradável.
Toda a cidade está dividida entre as duas cores, permitindo aos visitantes saberem se os proprietários de cada residência são apoiantes do Boi Garantido ou do Boi Caprichoso. Só os estabelecimentos comerciais, lojas de artesanato e alguns táxis, para não afastarem a clientela, partilham as duas cores. Marcas internacionais que patrocinam o festival, como a Coca Cola e a Volvo, respectivamente com a cor dominante do vermelho e do azul, em Parintins, apresentam-se das duas formas para não segregar os seus clientes.
Outra curiosidade é que os jurados do festival (especialistas em história, folclore, música e dança vindos de outros Estados) somente utilizam canetas de cor verde, para não haver influência no resultados por causa das cores dos participantes.
Na avaliação dos bois para decidir o vencedor, os jurados analisam 22 quesitos em que os principais são:
·    Levantador de toada
·    Participação da galera e silêncio na apresentação do contrário
·    Fantasia de cunha-poranga – mulher mais bonita
·    Apresentador – é o narrador das entradas e apresentações de cada boi.
Na segunda-feira depois dos desfiles, à tarde, é transmitido em directo pela televisão estadual a atribuição das classificações pelos jurados durante mais de uma hora para todo o Estado, perante o nervosismo dos torcedores de ambas as parte. O festival “termina com o desfile dos vencedores, e a passeata dos perdedores. Em Parintins até protesto é sinônimo de festa”.
A possibilidade que me foi oferecida de assistir a este Festival possibilitou viver uma experiência ímpar, que só pode ser comparada a outros grandes espectáculos tradicionais que ainda ocorrem no mundo, como é o caso do Tatoo de Edimburgo (Escócia), do Palio de Siena em Itália, do Carnaval de Veneza e o do Rio de Janeiro, no Brasil.
Mas o Festival de Parintis é ainda mais inesquecível porque se realiza numa cidade no interior da floresta amazónica “longe de tudo”, onde o trânsito automóvel é muito reduzido, onde se podem desfrutar de sensações inesquecíveis e de um prazer imenso, não esquecendo da beleza das paisagens e das gentes locais, reconhecidas pela sua simpatia.

JLAS

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