Quatro décadas depois da luta popular contra o nuclear em Ferrel, existe a vontade de usar essa história para alavancar o desenvolvimento sócio-económico da região. A ideia é potenciar o território e o património através do turismo, criando e recriando símbolos da luta (esculturas, azulejos e murais), criando roteiros e valorizando a História.
Esta foi uma intenção expressa na celebração dos 40 anos do I Festival Pela Vida e Contra o Nuclear, organizada pela Gazeta das Caldas, Associação Patrimonium e Movimento Ibérico Antinuclear.

Com investigadores que são especialistas no tema e que fizeram um trabalho de estudo e documentação, ao qual juntaram a sua dinâmica e criatividade, estão a ser desenvolvidas diversas iniciativas para colocar a história da luta de Ferrel no lugar que merece.
Os benefícios são previsíveis. Há aqueles mais óbvios e tangíveis, como o desenvolvimento sócio-económico da vila através do turismo. Mas também os que advêm do facto de passar a haver gerações mais informadas. É que este projecto assenta numa missão pedagógica de consciencializar os mais novos para a importância de lutar pelas causas em que acreditam.
A ideia de usar a luta antinuclear como factor de desenvolvimento foi uma intenção que ficou bem patente no passado domingo, no segundo dia das jornadas que celebraram os 40 anos do I Festival Pela Vida e Contra o Nuclear, organizado pela Gazeta das Caldas em 1978.
As Jornadas foram uma organização conjunta deste jornal com o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA) e a Associação Patrimonium. No primeiro dia realizou-se uma conferência nas Caldas e no segundo dia houve arruada por Ferrel, um pouco à imagem do que aconteceu há 40 anos.
Na manhã de domingo, o sino voltou a tocar a rebate, como em 1978 a D. Creolina (já falecida) o fez tocar, chamando a população para a manifestação.
Agora, em 2018, os Arrufeiros da Escola da Atouguia da Baleia, vestidos a rigor em frente à igreja, tocavam os seus bombos e lideravam o cortejo. Eram seguidos pelos dois grupos – crianças e adultos – do Rancho Os Camponeses da Beira-Mar de Ferrel e por dezenas de pessoas que se juntaram à celebração.
No edifício da Junta foi inaugurada uma reprodução da pintura de mural feita pelos alunos de Belas Artes do Porto na Rua da Paz no âmbito do festival de 1978.
O mural retrata umas cearas de trigo, onde está espetada uma placa a anunciar a localização da central por quem a morte está apaixonada. Por trás está a chaminé a deitar fumo.
Mal a placa evocativa foi descerrada ouve-se um grito: “Viva Ferrel!” e respondem várias pessoas: “Viva!”.
Inês Grandela Lourenço, investigadora da associação Patrimonium, explicou à Gazeta das Caldas que esta reprodução tem como objectivo “criar um histórico visível da luta e devolver imagens que a representem”. A investigadora esclareceu ainda que no lugar original da pintura, no centro da vila, estará um painel de azulejo.
O seu grande objectivo é “dar a conhecer aos jovens esta base identitária e mostrar o valor que o património tem”, salientando a sua função pedagógica que é a de os incentivar para que “se mobilizem por esta e por outras causas”.
A associação Patrimonium, que fez a Carta Arqueológica de Ferrel, vai agora desenvolver um roteiro pela freguesia.
Joaquim Jorge, que à época vivia em Ferrel, mas trabalhava num banco nas Caldas, era quem trazia notícias diariamente ao director da Gazeta. Na sessão falou na criação de um monumento com as duas manilhas dos primeiros trabalhos em Ferrel que permanecem intactas junto ao Moinho Velho.
Seguiu-se a apresentação do livro: “Almaraz e Outras Coisas Más”, coordenado por António Eloy e editado pela Gazeta das Caldas.
Uma delas poderá ser o amianto de vários edifícios que há na cidade e que terá que ser substituído. “O município vai dar o exemplo”, assegurou Henrique Bertino, que revelou que o novo executivo quer duplicar o número de árvores no concelho, começando já em Fevereiro com um programa de plantação.
Outras ideias passam por criar um plano de gestão sustentável do Pinhal de Ferrel, por privilegiar a compra de carros eléctricos e híbridos na renovação da frota municipal e criar comissões de avaliação das razões de poluição de locais como rios e o Fosso das Muralhas.
Em estudo está também a abolição do uso de químicos na remoção de ervas do espaço público. A solução pode passar por utilizar água salgada sobre as ervas a fim de as queimar.
Recordar Ferrel para fechar Almaraz
Paca Blanco, histórica activista espanhola, reconheceu que “é muito difícil fechar Almaraz pelo milhão de euros de receitas que gera por dia e porque não lhes interessa a segurança ou a vida das pessoas”.
A dirigente disse que o dinheiro recebido pelos municípios da região em torno da central não foi gasto no bem das populações e que não foram criadas alternativas à central. “Os presidentes das Câmaras são corruptos, são caciques”, acusou.
Paco Castejon, co-coordenador ibérico do MIA, sublinhou que actualmente nos encontramos numa encruzilhada energética e que as decisões que forem tomadas vão afectar as próximas décadas. “Não é possível uma convivência entre a energia nuclear e as renováveis, porque a primeira impede o desenvolvimento das segundas”, disse.
O nuclear tem impactos transfronteiriços e não é uma energia livre de emissões de carbono. Em Espanha funcionam sete centrais que produzem 20% da energia deste país e que “num mercado verdadeiramente livre não existiriam”, acusou Paco, alertando para as subvenções estatais ao nuclear.

“Actualmente, em Espanha, estamos a ver como se mudam e criam leis a favor do nuclear”, disse. “Fala-se do prolongamento da vida das centrais, mas a nossa proposta é que não se renovem as licenças, o que permitiria que em 2024 a Península Ibérica estivesse livre do nuclear”.
É que além de todos os riscos, o nuclear usa urânio, cujo processo de extracção é prejudicial para os territórios. Daí que outra das lutas do MIA seja contra um projecto de mineração em Retortillo (Espanha), a 50 quilómetros da fronteira com Portugal e por onde passa um rio que é afluente do Douro.
António Eloy recordou a luta de 1998 contra a exploração de urânio em Nisa, em que organizaram sessões e até visitas das populações locais às minas da Urgeiriça para tomarem contacto com a realidade que as esperava. “Também queremos dizer bye-bye ao urânio em Retortillo”, disse.
Yolanda Picazo, co-coordenadora do Fórum Social Mundial Antinuclear, que se vai realizar em 2019 em Madrid, relembrou os três grandes desafios que se mantém: a mineração, as próprias centrais (80% a nível global estão envelhecidas) e os resíduos (que se mantém radioactivos durante milhares de anos).
E sublinhou a sensibilidade que os portugueses têm para estas questões ambientais apesar de Portugal não ter nenhuma central nuclear.
Plano Energético Nacional foi feito para dar cobertura ao nuclear.
“A razão principal de fazer o Plano Energético Nacional nos anos 80 era dar cobertura ao nuclear”, defendeu Henri Baguenier na conferência que se realizou no sábado, 19 de Janeiro, no auditório d’Os Pimpões. O especialista em Economia de Energia fez notar que a estratégia do lobby nuclear era convencer as pessoas de que aquela era a única saída para a política energética do país. Havia até estudos que previam o crescimento da economia e consequente aumento do consumo de energia. Ainda assim, quiseram “dar a aparência de que era uma escolha democrática”.
Esta é uma estratégia comum até aos Governos dos dias de hoje, que criam ou maximizam uma necessidade e vendem a solução como sendo a única, defendeu Henri Baguenier, que esteve envolvido na elaboração do Plano Energético Nacional. Não tem dúvidas em afirmar que na elaboração desse documento os grupos de trabalho “não tiveram muita liberdade”. Não é que algo lhes tenha sido proibido, mas houve tentativas subtis de aumentar as previsões de necessidades de energia.
À época, a luta antinuclear beneficiou de vários factores, entre os quais destaca as diferenças dentro do governo do Bloco Central. “As fracturas não eram entre os partidos PS e PSD”, mas sim entre os que eram antinuclear e pró-nuclear. Entre estes últimos havia nova cisão entre os que eram pró-nuclear francês e os que preferiam o modelo alemão (sendo que aqui a fractura era pelos partidos pois o PS preferia o primeiro e o PPD o segundo).
Henri Baguenier realçou que nos dias que correm e para novos projectos energéticos, as soluções mais competitivas são a solar fotovoltaica e a eólica. “Nos últimos anos houve uma travagem nos investimentos ligados às renováveis”, referiu, responsabilizando para tal a “falta de vontade de política”.






























