A primeira Feira da Cutelaria Artesanal de Caldas, que decorreu no passado fim-de-semana no foyer do CCC, atraiu mais de 1500 visitantes durante o sábado e domingo. Realizaram-se mais de 200 workshops para ensinar a montar a própria navalha e a PSP realizou uma sessão de esclarecimento acerca da lei das armas brancas. A organização, a diversidade de exemplares e materiais e o espaço expositivo foram elogiados tanto por expositores como por visitantes.
Das navalhas de bolso às espadas, passando pelas facas de chef, de mato, ou decorativas, havia centenas de exemplares em exposição na primeira feira da cutelaria artesanal de Caldas. Com formas, materiais e técnicas diferentes, a diversidade foi uma inspiração para quem gosta desta arte do ferro e do fogo.
Mas não só de facas se fazia a exposição. Também havia máquinas e materiais. Por exemplo, para construir cabos, a diversidade de materiais – na ordem dos 250 – podia ir desde valiosos dentes de mamute fossilizados (com cerca de dez mil anos), a ossos de girafa e de camelo, cornos de carneiro, madeira com resina que a torna fluorescente, ou ainda outra madeira que muda de cor com a temperatura.
Nos dois últimos dias contabilizaram-se cerca de 1600 pessoas. Num bonito momento de convívio, na noite de sábado, um expositor de Taramundi (Astúrias) encerrou a feira com uma cidra servida de forma tradicional ao som da gaita de foles do seu filho, à porta do CCC.
Para fazer este evento foi necessário, por questões de segurança, licenciamento da PSP, que se associou à feira com uma sessão de esclarecimento sobre a lei das armas brancas e que teve lugar no sábado, com 50 participantes.
À entrada para a feira os visitantes recebiam uma senha para participar num sorteio que ocorreu no domingo, onde foram distribuídos 22 prémios (facas).
A organização do evento foi da oficina Lombo do Ferreiro, das Relvas. Os responsáveis são Carlos e Filipa Norte, que afirmaram à Gazeta das Caldas que a feira “superou as nossas expectativas”, mostrando-se disponíveis para organizar o evento no próximo ano.
“Fizemos inquéritos aos expositores que disseram que voltariam para uma segunda edição e elogiaram a percepção do público, que já sabia muito sobre o assunto”, contou Filipa Norte, antes de explicar que na sexta-feira as entradas não foram contadas porque foram feitos convites a funcionários das fábricas da região.
Para o futuro planeiam um projecto de forja ao vivo no Parque D. Carlos I. “A ideia seria mostrar como fazer a faca desde a raiz”, esclareceu Carlos Norte.
Além disso, na Feira dos Frutos terão um espaço onde se realizarão mais workshops de montar navalhas e estão previstos para Outubro os workshops de forja que permitem fazer uma faca num dia.
“A faca é uma ferramenta”
Por trás da sua banca, Paulo Simões, natural de Ferrel, filho de ferreiro que emigrou para França há 25 anos para se tornar “no primeiro cuteleiro artesanal profissional português naquele país”, explicou que não gosta de materiais já preparados. “Quero sempre ser eu a produzir tudo o que possível”, contou.
Vindo da Bretanha, mostrou-se “muito feliz por estar cá e por ver esta organização exemplar”. No seu atelier tem uma forja a gás e outra a carvão. A maior dificuldade que encontra na produção de uma faca é “não esquecer a função pela estética, porque a faca é, sobretudo, uma ferramenta”.
A passear pela feira está Luís Silva, um caldense que, como gosta de facas e já realizou algumas experiências de forja, decidiu visitar o certame.
“É bom que exista este tipo de mostra, também para divulgar materiais e técnicas”, afirmou. “Esta é a primeira feira do género em Portugal e acho que abre muitos horizontes”, concluiu.
De Albacete veio Antonio Molino, que elogiou a iniciativa. “Está uma feira muito bonita, pequena mas muito interessante e para uma primeira edição está muito bem organizada”, referiu, elogiando também o CCC.
Tinta Ferreira, presidente da Câmara das Caldas, destacou a importância dos artesãos desta área. “Apesar de estarmos a falar de micro-empresas e de nalgumas delas as pessoas não estarem ocupadas em full-time nessa actividade, tem um valor acrescentado muito significativo”, fez notar, salientando que “algumas peças pelo seu valor são como se fossem de joalharia”.
O autarca destacou ainda a importância económica do sector na vertente industrial nos concelhos de Caldas e Alcobaça, onde emprega cerca de 1000 pessoas.
Notou que a feira pode contribuir para que seja finalmente criada a associação de cuteleiros da Benedita.
Fabricar a própria navalha
À porta a proposta é que o visitante construa o seu próprio canivete alentejano ou corneto. O kit inicial contém sete peças: duas de madeira que, com duas platinas de aço inox serão o cabo, uma vara em latão que será cortada em rabites, uma mola de aço temperado e, claro, a lâmina (no caso, de aço inox temperado).
Ora então, mãos à obra. Começamos por furar os dois pedaços de madeira, e por uni-los com as platinas de aço. Martelamos aqui, limamos acolá e o canivete começa a ganhar forma. Juntamos os dois lados que formarão o cabo com a mola no meio. Colocamos a lâmina ao lado da mola e damos umas marteladas nesta última, enquanto vamos apertando o cabo. A mola acaba por “entrar” (passar para baixo da lâmina), passando assim a desempenhar a sua função.
Agora só falta lixar o cabo, para lhe dar a forma de canivete e afiar a lâmina. Concluídas estas duas últimas etapas, resta colocar óleo e testar a navalha num pedaço de papel.
Uma arte tão nobre
Nestes workshops foram produzidas cerca de 200 navalhas, mas os participantes foram em maior número pois várias pessoas escolheram fazer a sua navalha em conjunto.
Muitas crianças, acompanhadas pelos pais, tiveram essa oportunidade ao longo do fim-de-semana. Só no workshop integrado no projecto Familiarte, no sábado de manhã, foram 26 participantes (13 duplas criança-adulto).
Jorge Gonçalves e o seu filho Gastão, participaram no workshop sob o olhar atento da mãe, Sónia Seco. A família veio de Almada de propósito para este evento. “A feira está excelente, está tudo muito bem organizado”, afirmou o pai, defendendo que “devia acontecer todos os anos”, até porque “é mais uma forma de transmitir uma arte tão nobre às gerações mais novas”.
E não tem dúvidas em afirmar que “um mau dia na cutelaria é sempre melhor que um bom dia no sofá a ver televisão ou no computador e até dá para conciliar os dois”.
Jorge Gonçalves confessou ainda que são “aficionados pela cutelaria” e explicou que já fez “algumas experiências em casa”.
Gastão, de 11 anos, costuma ajudar, porque gosta e porque “é o nosso companheiro de aventuras”, dizem os pais orgulhosos. No caso das facas, como o filho “pratica actividades de sobrevivência no mato, esta arte tem especial importância”.
Depois de fazer a sua navalha e bainha, Gastão disse à Gazeta das Caldas que “o mais difícil foi bater os pregos e coser a linha da bainha”.
Carlos Norte, da oficina Lombo do Ferreiro, explicou que esta é também uma forma de educar as crianças para o uso de uma ferramenta.
Bruno Prates, responsável pelo projecto Familiarte, destacou a importância de colocar as crianças em contacto com “uma arte antiga que está a ser recuperada pelo Lombo do Ferreiro”.
Disse que é uma forma de incentivar a que os mais jovens a valorizar um património que tem estado esquecido. “É muito importante que sejam os miúdos a recuperar isto, porque são eles que podem alavancar as coisas”, defendeu.
Esta iniciativa permitiu também “ter ideias de outros formatos semelhantes como o calçado”, para aplicar no Familiarte.
O projecto do cartoonista Bruno Prates, que colabora com a Gazeta das Caldas, procura “pôr em contacto as crianças com este ambiente de partilha e experimentação”, permitindo que pessoas da região possam dar a conhecer o seu trabalho, mas sempre numa vertente experimental.































