Faleceu Reinhold Loy

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Morreu em Berlim na semana passada o antigo director da Rol (hoje Schaeffler) Reinhol Loy que durante várias décadas presidiu aos destinos daquela fábrica caldense, tendo conseguido mantê-la sempre na cidade (evitando a sua deslocalização) e impulsionado o seu desenvolvimento.
Não por acaso este alemão, que tinha 77 anos à data da sua morte, recebeu das Caldas da Rainha, no 15 de Maio de  2005, a Medalha de Ouro da cidade.
Gazeta das Caldas recorda aqui partes de uma entrevista realizada em 2007 quando Reinhold Loy já se encontrava reformado, apesar de continuar a viver nas Caldas da Rainha.

GAZETA DAS CALDAS – Em 1966 o senhor tinha 31 anos e chega às Caldas da Rainha para dirigir a Rol. O que sentiu?
REINHOLD LOY – Quando eu vi a fábrica pensei “daqui a um ano estou outra vez em casa”. A Rol estava em péssimas condições. Havia muita gente, pouco trabalho e a nossa sorte foi que em 1967 entrou outro grupo – a FAG – que, como era muito grande, resolveu esse problema com injecção de capital, know how e melhor comercialização do produto. Foi bastante difícil no início, mas a boa colaboração das pessoas que trabalhavam nessa altura na fábrica fez com que a coisa levasse um rumo muito positivo.

GC – E assim já não voltou para a Alemanha. Isso foi bom ou mau?
RL – Acho que foi bom. Se não gostasse, não ficava cá 40 anos. O trabalho foi muito interessante, tinha muitos contactos com o estrangeiro, fiz viagens em praticamente todo o mundo.

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GC – E ao nível do trabalho, como era gerir uma empresa numa época tão diferente da actual, sem globalização nem mercados livres?
RL – A ditadura e o país fechado dificultou os negócios. Houve  uma altura em que havia a hipótese de vender rolamentos à Polónia para uma fábrica de automóveis, mas como não havia relações diplomáticas com os países de Leste, tivemos que arranjar um caminho que foi vendê-los para Itália e daí para a Polónia. Era uma altura muito difícil em que cada rolamento vendido contava para a sobrevivência da fábrica.

GC – A Rol sempre foi, essencialmente, uma fábrica, uma unidade de produção. A comercialização e a gestão eram feitas à distância…
RL – Sim, para a gestão comercial foi sempre necessário o apoio da casa mãe. Sem isso a Rol nunca teria hipóteses. E isso é válido para hoje. A Rol é uma unidade demasiado pequena para ter capacidade de comercializar a nível mundial.

GC – Dos vários grupos que detiveram a Rol qual foi o melhor patrão?
RL – O meu patrão sempre foi a Rol. Quando vim para cá a GMN tinha 20%. Depois a FAG comprou mais 25% e até há pouco tempo ainda havia accionistas da sociedade anónima que eram portugueses.

GC – Deu-se bem com todos, pelos vistos.
RL – Sim. Na GMN e na FAG tinha contactos pessoais com os donos, o que facilitou o meu trabalho. E cá eu falava com o Dr. Carlos Espírito Santo de Mello, que era o administrador-delegado. Ele foi o primeiro a salvar a empresa com as encomendas para o Vietname que arranjou através dos americanos. Conseguiu mantê-la em funcionamento até 1966 quando a FAG entrou na fábrica.
A empresa foi constituída em 1960, mas só arrancou em produção em 1962. A GMN entrou em 1964 e foi também ele que arranjou a FAG.

GC – Vê o futuro da Rol com apreensão?
RL – A globalização é o maior desafio de sempre para a Rol e vai cair em cima de uma pessoa que é o Eng. Carlos Gouveia. Ele vai gerir uma fábrica muito pequena à escala mundial. A pressão para a melhoria da produção e a descida dos preços vai ser muito maior do que alguma vez foi. É muito fácil para a Schaeffler pegar em meia dúzia de máquinas e levá-las para qualquer canto do mundo. Aliás, ela está a construir uma fábrica idêntica a esta no Vietname.

GC – Ainda vai à Rol de vez em quando?
RL – De vez em quando ainda lá vou.

GC – Tem saudades?
RL – Algumas. É lógico. Depois de tanto tempo lá seria mentira se dissesse que não tinha saudades.

GC – Como ocupa agora o seu tempo?
RL – Passeio muito. Gosto muito do mar. E faço pequenas viagens, vou à Nazaré, a Peniche, ao Baleal e à Foz muitas vezes. E tenho a Internet, costumo ler muito a imprensa alemã.

GC – E senhor é casado. A sua mulher veio consigo logo em 1964?
RL – Sim. E a minha filha nasceu cá nas Caldas, em 1966.

GC – Como é que se sente depois destes anos todos: mais alemão ou mais português?
RL (ri-se) – Hum… Meio meio.

GC – Vai continuar por cá?
RL – Por enquanto fico, sim. Mas nunca se sabe. Tenho família na Alemanha.
GC – Vai lá quantas vezes por ano?
RL – Duas a três vezes. A Nuremberga e a Berlim, que é onde tenho família.

GC – Estudou engenharia. Porquê?
RL – Máquinas. Sempre gostei de máquinas.

GC – O senhor ainda viveu a guerra na Alemanha. Tinha 10 anos em 1945…
RL (com um ar subitamente pesado) – Foi péssimo, muito mau. Não quero falar.

GC – Isso moldou a sua personalidade?
RL – Sim, talvez um pouco. Nessa altura aquilo foi bastante pior do que a ditadura portuguesa. Mesmo os primeiros anos depois do fim da Guerra foram terríveis.
GC – Como acompanhou a evolução das Caldas da Rainha durante este tempo?
RL – Uma grande diferença. Em 1964 tinha 13 mil habitantes. Nem havia um supermercado… Teve um crescimento brutal. Eu tive sempre a impressão de que faltou planeamento a longo prazo. A cidade cresceu, cresceu, cresceu…

GC – Há alguém que queira referir que o tenha marcado na Rol?
RL – O Dr. Costa e Silva foi médico da fábrica durante 30 anos e foi uma pessoa extraordinária que ajudou muito e que era amigável. Foi ele que me ensinou o segredo da pesca no alto mar. Passei com ele dias inesquecíveis a pescar.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

O alemão mais caldense que conheci

A notícia, inesperada, chegou de Berlim no passado sábado, dia 8, no início de uma tarde cheia de sol.
Reinhold Loy, o antigo Diretor e Administrador da ROL, o alemão mais caldense que conheci, morreu aos 77 anos, não resistindo a uma operação delicada a que tinha sido submetido duas semanas antes.
Conheci o Sr. Loy há exatamente 34 anos quando me admitiu como funcionário da empresa e com ele trabalhei muito perto durante mais de 20 anos. Homem de poucas palavras, reservado, muito meticuloso, detestava ter que fazer apresentações e falar em público, extremamente rigoroso com os horários, os tempos de trabalho e os objetivos que eram para ser cumpridos, e duro… Mas essa dureza só era demonstrada aqui na fábrica, pois por baixo dessa máscara de dureza era uma pessoa com um coração de manteiga, amigo do seu amigo, conciliador nos conflitos, procurando ajudar aqueles que dele se abeiravam.
Durante o tempo que vivi na Alemanha, onde ele me visitava muitas vezes, descobri-lhe a enorme ternura que tinha por crianças, pela forma como brincava com as minhas filhas, nunca mais deixando de perguntar pelas “meninas”, como fez ao telefone ainda na passada semana.
O Sr. Loy tinha uma paixão pela cozinha portuguesa. Um dia contou-me que no início, quando por exemplo viu bacalhau, um cozido à portuguesa ou percebes, isso lhe fazia um pouco de confusão, mas foi só até provar a primeira vez. Mas nada se comparava a um bom peixe fresco grelhado, antes ou depois de um passeio reconfortante pela Foz do Arelho debaixo do bom sol português.
Os últimos anos foram vividos em Berlim, mantendo o contato com o que se passava nas Caldas através da Gazeta ou das frequentes visitas a Portugal pela Primavera ou Outono. Sempre que falávamos ao telefone referia o mau tempo, o frio, o ambiente escuro da Alemanha e a vontade de regressar às Caldas e à Foz do Arelho.
Foi também assim na passada semana quando falámos pela última vez ao telefone, dizendo-me que ia ter alta do hospital, e que na próxima Primavera queria voltar às Caldas, à Foz e claro visitar a fábrica, a sua ROL.
Morreu um homem bom que fez muito pela comunidade caldense e que procurou sempre manter uma fábrica de alta tecnologia nas Caldas, tendo-lhe justamente em 2005 a Câmara Municipal atribuído a Medalha de Mérito Grau Ouro.
À D. Eva e à Manuela um beijo de condolências em nome dos velhos e atuais colaboradores da ROL.
Obrigado Sr. Loy.

Carlos Gouveia

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