“Este projeto mostra que é tempo de elevarmos a nossa ambição”

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Miguel Silvestre é diretor executivo da Obitec desde 2013, mas vai deixar o cargo no final do atual mandato

Miguel Silvestre, diretor executivo do Parque Tecnológico de Óbidos, faz o balanço dos 10 anos dos Edifícios Centrais e aponta caminhos para o futuro que vê com maior integração a nível regional

Estamos a assinalar 10 anos da inauguração dos Edifícios Centrais. Que papel têm desempenhado na consolidação do PTO?
Um papel fundamental. Sete ou oito dos lotes que vendemos recentemente foram adquiridos por empresas que começaram nos Edifícios Centrais. Isso facilitou o compromisso dessas empresas com o projeto do Parque. Claro que também temos empresas novas, que vieram de fora, mas estes edifícios foram essenciais para mostrar na prática o que queríamos construir aqui: um verdadeiro cluster de desenvolvimento tecnológico. Com os edifícios centrais, conseguimos logo atrair empresas relevantes e, desde o início, tivemos uma taxa de ocupação de 60% a 65%, que rapidamente subiu para os 85% e que hoje ronda os 90% a 100%. Temos até lista de espera.

E que balanço se pode fazer desta década ao nível do desenvolvimento do Parque e das próprias empresas?
Diria que o primeiro balanço é simples: aquilo que muitos diziam ser impossível, foi feito. Criou-se um parque tecnológico onde não havia qualquer empresa de base tecnológica. Hoje, está provado que é possível atrair investimento, com uma estratégia bem definida. Conseguimos construir uma comunidade forte e isso impulsiona o desenvolvimento da própria região. Hoje já não ouvimos o argumento de que “não se passa nada à volta”. Mas ainda há muito por fazer. A região tem potencial, mas falta uma estratégia mais consistente e colaborativa entre entidades. O Parque entrou agora numa fase de maturidade. Para continuar a crescer, precisa de ser reconhecido como uma peça importante, mas não exclusiva, numa estratégia regional mais ambiciosa para atrair investimento, não só tecnológico, mas também ligado a outros setores que beneficiam de soluções tecnológicas.

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Disse recentemente que as empresas do Parque já têm capacidade de desenvolvimento tecnológico, mas falta ainda traduzi-la em volume de negócios.
Precisamos de fomentar uma mentalidade mais orientada para o crescimento. Temos empresas muito competentes no desenvolvimento tecnológico, mas algumas não sentem ainda a necessidade de escalar ou de se internacionalizar. Isso exige trabalho contínuo na formação e preparação das empresas para dar esse salto. Depois, há a questão da escala. Muitas empresas do Parque ainda são pequenas demais para ambições maiores. E é aqui que a região também precisa de criar condições concretas para atrair empresas maiores ou permitir que as que já cá estão cresçam. Uma dessas condições é, claramente, a habitação. Sem resposta para alojar talento, será difícil competir com outros territórios. Também enfrentamos, como o país e a Europa, uma carência de recursos humanos qualificados. E, agora, junta-se a isso o impacto da inteligência artificial, que está a mudar o perfil da procura de talento. Já se nota uma alteração na necessidade de programadores, por exemplo, e isso vai obrigar a uma adaptação das empresas, mesmo as tecnológicas.
No Parque temos vindo a discutir estes temas com as empresas. A nossa missão é antecipar tendências e ajudar a preparar a região para as transformações que aí vêm. Por vezes, fazemos coisas que ainda não têm resposta imediata, mas é esse também o papel de um parque tecnológico: estar à frente da curva.

Foi concluída este ano a venda de todos os lotes disponíveis no parque, que leitura é que se faz deste marco e o que significa em termos de maturidade do projeto?
É um marco muito importante, talvez dos mais relevantes para nós, até porque este é um projeto com cerca de 20 anos e cuja conceção urbanística já não era, à partida, profundamente inovadora. Hoje em dia, muitos modelos semelhantes orientam-se mais para os centros urbanos, o que torna mais difícil atrair empresas de serviços ou software para construir em ambientes como o nosso. Apesar de estarmos a trabalhar com um regulamento algo desatualizado, conseguimos adaptar-nos e atrair empresas que reconheceram valor em estar aqui. Acreditamos que, numa nova fase, haverá espaço para um conceito mais ajustado à realidade atual e mais focado na criação de comunidade e numa arquitetura virada para a cooperação entre empresas. O nosso objetivo é continuar a crescer, até noutras fases de expansão, ou noutros concelhos, algo que já chegou a ser equacionado e que poderá voltar a estar em cima da mesa no futuro.

Foi anunciado um grande investimento na área da biotecnologia. É um projeto que pode realmente alavancar o PTO?
É um exemplo claro de como certos projetos levam tempo a maturar e de como a persistência compensa. Este investimento nasce da relação com um promotor que já teve uma empresa com sede aqui, contou com o apoio da Portugal Ventures, vendeu a empresa com sucesso e manteve sempre ligação ao Parque. Agora, decidiu voltar com um projeto ainda mais ambicioso, e o mérito é todo dele. É importante que se saiba que todas as empresas pagam para estar aqui. Não há borlas. A Óbidos Parque vive das receitas que gera, e este investimento aconteceu em condições de mercado, com regras abertas e transparentes. Este promotor tem hoje um protagonismo claro no setor da biotecnologia em Portugal. Investimentos como este, foram cinco lotes adquiridos, colocam-nos a sonhar mais alto. Não tenho números exatos, mas arrisco dizer que, a par dos resorts, este é um dos maiores investimentos feitos no concelho de Óbidos. Por isso, defendo um modelo que permita às empresas crescer connosco. Não temos de seguir o exemplo dos Estados Unidos, onde uma empresa tem prazo de validade num espaço. Se estiver connosco 30 anos a inovar, a crescer, a fazer coisas, ótimo. Este novo investimento mostra que chegou o momento de elevarmos a nossa ambição.

Podemos levantar um bocadinho o véu aos outros projetos que estão para nascer aqui?
Há vários projetos em curso que mostram bem a diversidade e ambição do Parque Tecnológico. Um dos mais relevantes é um data center, que adquiriu dois lotes, cerca de 1.500 m2 de área de implantação, que demonstra que a região tem condições para se afirmar como ponto estratégico de conectividade em Portugal. É uma área com grande potencial. Temos também empresas oriundas do nosso ecossistema que estão a investir, incluindo projetos na área fintech, de software de faturação e contabilidade, e startups internacionais, como um Hub do Brasil que pretende construir espaço próprio. Estamos a desenvolver um projeto que funcionará como showroom de construção modular, com uma oferta de espaços mais informais, ideal para freelancers. Isto marca uma mudança na nossa abordagem, tradicionalmente mais focada em empresas, e será reforçada com uma parceria com uma entidade das Caldas da Rainha para a gestão dos espaços de trabalho partilhado. Outro projeto inovador passa pela criação de um centro de formação em cirurgia animal e próteses veterinárias, um conceito fora da caixa que terá espaço próprio no parque. Há ainda o novo edifício da Impact Wave, que terá laboratórios de robótica e inteligência artificial, e um projeto da área agrotecnológica, com a Agritec. Vamos também acolher um centro de formação e lazer ligado ao setor alimentar e turístico, bem como um projeto que cruza desporto e arte urbana. Todos estes projetos têm já candidaturas submetidas a nível de arquitetura na Câmara. Destaco ainda dois projetos centrais: a Codfish Academy, uma academia europeia de formação em Unreal, tecnologia da Epic Games, usada em videojogos, que vai acolher alunos de toda a Europa a partir de outubro. E outro projeto, ainda em fase de confidencialidade, ligado à gestão de risco, segurança e resiliência, uma área emergente e vital.
A nossa ambição é que comecem a surgir centros de competência e investigação associados ao parque. Temos já empresas com trabalho relevante nesta área, como a NTT Data, ou a Affinity.

Que imagem gostaria que o Parque projetasse nos próximos 10 anos?
Gostaria que o Parque Tecnológico fosse um espaço onde as empresas estejam tão integradas que quem chega de fora não se note quem é visitante, isso mostraria que atingimos a massa crítica e dimensão desejadas. Ainda somos uma comunidade pequena e falta termos todas as empresas instaladas e uma dinâmica mais intensa, como ver as pessoas conviverem na “praça” central, um conceito pensado para o parque funcionar como um condomínio empresarial. Vejo o futuro do parque não apenas como um espaço empresarial, mas como um verdadeiro “campus” que reúna trabalho, lazer e aprendizagem, com até soluções de residência temporária para atrair talentos que chegam e ainda procuram casa numa região onde o mercado de arrendamento é difícil. A recente melhoria no transporte público direto ao parque já resolve uma barreira importante para muitos trabalhadores. Acredito que temos tudo para entrar numa nova fase de crescimento, talvez até mais fácil do que no passado, porque já ultrapassámos bloqueios iniciais. No entanto, essa fase vai exigir mais integração política, apoio da região e cooperação entre empresas e instituições, para evitar que o parque fique estagnado. Vejo o parque como um parceiro importante para novos projetos regionais, partilhando a experiência acumulada. A região tem grande potencial para desenvolvimento industrial e atração de investimento, mas ainda falta resposta para muitos projetos que querem investir e não encontram enquadramento ou espaço.

Essa visão para os próximos 10 anos será com o Miguel Silvestre à frente?
Não, o Miguel Silvestre não vai estar cá daqui a 10 anos. Sinto que estou a chegar ao fim de um ciclo e cumpri o melhor que pude dentro dos meus objetivos nesta fase. Agora, vou certamente dedicar-me a outras coisas na vida, que podem ou não ter a ver com este projeto. O Parque Tecnológico será sempre especial para mim. ■

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