Especialistas debateram nas Caldas como combater a corrupção

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A diplomata Ana Gomes foi uma das participantes na conferência, que juntou diversos especialistas

Cidadãos atentos e com uma maior exigência junto dos poderes públicos, melhor funcionamento das instituições e a revisão da estratégia nacional, são algumas das formas de combater a corrupção

O debate promovido pela associação MVC, em conjunto as associações Transparência Internacional Portugal, Frente Cívica e Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira, a 9 de dezembro, no CCC, permitiu aos presentes algumas reflexões, como a protagonizada por João Paulo Batalha. O consultor de políticas anticorrupção revelou que o presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) foi eleito juiz no Tribunal Constitucional, entidade que tutela as contas, mas dado que “os juízes são eleitos pelo Parlamento, significa que o presidente do ECFP, responsável por fiscalizar o financiamento partidário pediu apoio aos partidos para ser eleito”, denunciou. Mas a perplexidade não fica por aqui: no dia seguinte a esta tomada de posse, os novos juízes eleitos nomearam para presidente da ECFP a juíza Fátima Mata Mouros, que tinha acabado o mandato no Tribunal Constitucional no dia anterior. “Houve aqui uma eleição claramente feita em conluio, que belisca inabalavelmente a imagem destas duas instituições’’, criticou o orador.

O responsável critica o que considera ser uma “cultura cortesã, de relacionamento pessoal e que despreza a respeitabilidade das instituições”, destacando que a corrupção política é completamente ausente na estratégia nacional de combate à corrupção. “Continuamos a fingir que a corrupção em Portugal é um problema de uns fiscais de obra e de uns funcionários municipais”, disse, realçando que não há vontade política para assumir que o tema merece outro tipo de combate.
Para João Paulo Batalha os cidadãos têm de ter uma atitude mais ativa, não se limitando a ir votar de quatro em quatro anos. “A omissão deste tipo de abusos torna-nos, de alguma maneira, cúmplices dos nossos carrascos”, declarou, defendendo que é preciso exigir mais das instituições.
Questionado por Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência e Integridade, sobre o funcionamento da entidade da transparência, criada por lei em 2019, João Paulo Batalha, ironizou que esta “é tão transparente que é invisível, ainda não existe”. De acordo com o responsável, a entidade que terá a responsabilidade de fiscalizar o património e o eventual enriquecimento injustificado dos responsáveis políticos, “foi criada de forma incapaz, alojada no Tribunal Constitucional, que claramente não a quer”.
Para a economista e professora universitária, Susana Peralta, a combinação de um país pequeno, com uma economia bastante estagnada, com elites muito fechadas e uma percentagem baixa da população com educação, fomenta uma “espécie de caldo cultural e institucional onde as portas giratórias são uma tentação muito difícil de resistir”, disse, referindo-se à passagem de políticos para o setor privado, que antes regularam. “Com a falta de cultura cívica estamos numa situação verdadeiramente explosiva, precisamos de regras mais claras”, defendeu a beneditense, para quem este problema das “portas giratórias” faz parte de outro maior, que é o do conflito de interesses.
O investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Luís de Sousa, partilhou dados de um inquérito, em que apenas 1% dos inquiridos reagiu positivamente à questão se denunciaria um caso de corrupção. Os restantes limitaram-se a responder sobre as razões para não denunciar, e que vão desde o receio de represálias à ideia que não vale a pena, explicou.

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Revisão da Estratégia
A conferência que assinalou o Dia Internacional contra a Corrupção contou ainda com a participação, entre outros especialistas, da ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, que defendeu a revisão da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, por ser pouco ambiciosa. Já a diplomata Ana Gomes falou sobre a dificuldade em conseguir dar uma resposta cabal a estes problemas, dando o exemplo da Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, que tem “atualmente metade dos meios que tinha em 2014”. A antiga eurodeputada denunciou ainda que o “esquema” está feito não para dissuadir, mas para incentivar as transferências para offshores. “Entre 2011 e 2014 foram transferidos 10 mil milhões de euros, e não parou”, denunciou. Recorrendo a dados mais recentes, referiu que em 2020, cerca de 6.500 empresas e 5.200 particulares fizeram transferências para paraísos fiscais, de perto de 7 mil milhões de euros.
A também ex-candidata à Presidência da República, Ana Gomes falou sobre os fundos da União Europeia que não são utilizados e a ineficácia do Portal da Transparência, dando como contraponto o bom exemplo de Espanha nesta matéria. Questões que têm de ser discutidas pelos cidadãos, para “não ficarem debaixo do tapete”. ■

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