Escrito a Chumbo 21

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22 e 25 de maio de 1974

 

 

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É com um editorial em grande destaque com a linguagem da época, na primeira página da edição de 25 de maio de 1974, que é dada a notícia de uma das primeiras alterações na grande mudança que se viveu na Gazeta das Caldas. A tal mudança de que temos vindo a falar e que permitiu ao jornal viver em Liberdade nos últimos 50 anos.

“Como oportunamente foi noticiado, é outra a Direcção e outro o Corpo Redactorial da Gazeta“, lê-se. “Tem sido sobejamente repetido que a queda do regime fascista não implica o aniquilamento da mentalidade por ele construída. Muitos de nós fomos criados vendo, ouvindo e lendo apenas uma versão da realidade – a que convinha ao regime, que nem sempre (ou quase nunca!…) servia os interesses do Povo Português”, acrescentam. “Propomo-nos mostrar a realidade em todas as suas dimensões em ordem a formar pessoas que saibam fazer, honesta e conscientemente as opções, a vários níveis, que lhes permitam viver livres”, explicam, esclarecendo que “a este jornal interessam os problemas urgentes das populações de todo o Concelho e não apenas da cidade. É urgente que nos debrucemos sobre os problemas das nossas aldeias que, até agora, têm sido praticamente esquecidos! Recebemos a colaboração efetiva ou simples opiniões de pessoas de todas as ideologias desde que interessadas no esclarecimento honesto da população”.

 

SUBSTITUIÇÃO DO DIRETOR

Na edição anterior de 22 de maio havia sido noticiada a “substituição do Director”, informando que “o actual director deste jornal pediu a exoneração do seu cargo à Empresa Gazeta das Caldas, Lda proprietária do periódico”. Recorde-se que a Cooperativa Editorial Caldense, que hoje detém o jornal, obviamente, ainda não existia. É uma filha da Liberdade.

“A empresa convidou Adérito da Silva Vieira Amora para dirigir o jornal, tendo sido aceite o convite. A transmissão de funções efectuou-se ontem. Assim, a partir de agora Gazeta das Caldas tem novo director, de cuja responsabilidade é já a próxima edição”.

 

CAMINHO PARA A PAZ

“Caminho para a Paz” lê-se na Gazeta do dia 25 de maio, já com a nova direção, que anuncia que “iniciam-se hoje, em Londres, as negociações entre Portugal e o P.A.I.G.C. com vista ao cessar fogo na Guiné”.

“25 de Maio de 1974 é para portugueses e guinéus um dia de esperança: esperança de que o diálogo franco e sereno fará calar de uma vez para sempre, o fogo das armas na martirizada Guiné. A guerra que os fascistas portugueses provocaram é não só injusta como insensata. Injusta porque combate o direito do povo guinéu à autodeterminação e independência – que aliás lhe é reconhecida internacionalmente e por largas correntes políticas portuguesas. É uma guerra insensata porque após 13 anos de luta acesa só um obcecado não percebe que nenhuma solução militar existe para o conflito. Os fascistas provocaram a guerra ao recusarem o diálogo desde o início oferecido pelo P. A.I.G. C.- (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) Portugal libertado terminá-la-á com o franco e honesto diálogo com os dignos representantes do povo da Guiné. Como pano de fundo destas negociações temos: a declaração unilateral da independência dos nacionalistas africanos, em Setembro de 1973, reconhecida já «de direito» por mais de 80 países. A decisão de Portugal de conseguir realmente a paz, reconhecendo o direito de autodeterminação e independência a todos os povos; maciças manifestações na Guiné e em Cabo Verde, de apoio ao P. A. I. G. C.; declaração publicada na quarta-feira num vespertino emanada de soldados portugueses na Guiné exigindo o fim imediato da guerra”, lê-se no artigo que termina com a seguinte questão: 25 de Maio de 1974: um dia de esperança; 25 de Maio de 1975: um dia de festa?”

 

OS OBJETIVOS DO MDP

Na edição do dia 25 encontramos também um comunicado em que o Movimento Democrático Português define os seus objetivos.

“1. O Movimento Democrático Português que assenta fundamentalmente na unidade da acção de democratas de várias tendências tem como uma das preocupações principais reforçar a sua capacidade de mobilizar e de se projectar sobre as mais largas camadas da nossa população.

2. O Movimento Democrático Português, como aliás o demonstrou largamente durante a vigência do regime fascista, tem importante papel a desempenhar em vários planos: a) – Como factor de aglutinação dos antifascistas de várias tendências ou sem tendência definida, unido: no objectivo comum de construir uma sociedade verdadeiramente democrática; b) Como instrumento de politização e organização de portugueses, a quem o fascismo impediu o exercício dos direitos de cidadania e de participação na vida política; c) como meio de preparação e intervenção dos cidadãos nos diversos sectores da vida pública nacional por forma a assegurar a uma efectiva participação na constituição no aparelho de estado democrático; d) embora não constituindo um partido nem uma plataforma ou frente acordada entre as diversas tendências ou partidos, cabe ao Movimento Democrático Português um papel fundamental no reforço da unidade anti-fascista, condição básica para o triunfo definitivo e irreversível sobre o fascismo e para a instauração duma sociedade democrática.

3. O Movimento Democrático Português tem como objectivos imediatos de acção: a) – O desmantelamento do aparelho de estado fascista; b) – A defesa e consolidação das liberdades democráticas; c) – A luta pelo fim da guerra colonial e pela abertura de negociações com os movimentos de libertação na base do reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e independência; d) A luta pela efectiva elevação do nível e das condições de vida do povo português, em especial das camadas trabalhadoras, combatendo o domínio dos monopólios, a submissão ao imperialismo e pela independência nacional.

4. A luta em torno desses objectivos deverá ser conduzida por forma a assegurar a dinamização do processo democrático e a participação activa dos portugueses na construção de uma sociedade, através de uma intervenção cada vez mais ampla, mais consciente e mais organizada dos cidadãos na vida do país. 5. A destruição do aparelho fascista e a construção de uma sociedade democrática devem ser asseguradas através de uma cooperação efectiva sobre diversas formas entre as forças democráticas e o Movimento das Forças Armadas. Essa cooperação, que é garantia da completa destruição do aparelho fascista e dos focos contrarevolucionários deve revestir diversas formas, nomeadamente na consolidação das liberdades e no reforço da vigilância democrática e popular.

O MDP informa que no próximo domingo, efectua-se uma reunião na freguesia do Landal pelas 15.30 horas à qual pede a comparência de todos os habitantes da referida freguesia. Idêntica reunião se realiza no mesmo dia pelas 21.30 no Salão Paroquial de Salir de Matos. O Movimento Democrático Português, informa a população de Caldas da Rainha, que a sua sede funciona na Travessa da Cruz Nova, 10-2º onde se poderão reunir todos os democratas desta cidade”.

 

O ENSINO
Na área da educação, destaque para a Reforma diretiva nas Escolas Técnica e do Ciclo que envolveram, segundo o jornal da época, quase 2000 pessoas. Conta a Gazeta que “vindos propositadamente a esta cidade, os capitães Varela, delegado especial do Ministério da Educação e Cultura, e Garcia e o Dr. Custódio Espirito Santo presidiram, na Escola Industrial e Comercial conjuntamente com dois alunos, representando os cursos diurno e nocturno, a uma reunião de estudantes, professores e funcionários dos mais frequentados dos estabelecimentos de Ensino caldenses. Lembramos que, nas mesmas instalações, funciona também a Escola do Ciclo Preparatório ascendendo a quase duas mil as pessoas que formam os corpos docente e discente e o quadro de funcionalismo de ambas as instituições. Na reunião havida, que começou às 14.30 horas de sábado e terminou pelas 20.15 do mesmo dia, foi constituída uma comissão directiva das Escolas, formada por seis professores (3 do Ciclo e 3 do Ensino Técnico), quatro alunos (na mesma representatividade) e dois funcionários. Os seis professores são Dona Alice Carvalho Freitas, com funções de director, Dona Margarida Ribeiro Rodrigues e Dr. Mário Tavares, Drs. Saraiva e Coutinho e Adelino Mamede de Oliveira. A escolha do director resultou da votação, pois foi Dona Alice Carvalho Freitas, quem obteve maior número de votos. Adiada no final a eleição dos representantes dos quatro alunos e dos dois funcionários para fazerem parte da comissão directiva. Para o efeito de ter lugar tal eleição haverá reuniões a convocar para a semana decorrente”, lê-se no jornal. Conta quem tem memória desta época que foi um evento marcante para a cidade e que o capitão Varela de helicóptero para presidir à reunião.

 

PLENÁRIO NA PRAÇA DE TOUROS
Na edição do dia 25 somos informados de que, no dia seguinte, domingo, se vai realizar um “novo plenário do Movimento Democrático Português – CDE de Caldas da Rainha”, que “o local é a Praça de Touros e a sessão inicia-se às 18 horas”.

 

A VIDA SINDICAL
Por esta altura, no primeiro mês pós-Revolução dos Cravos, encontramos intensa atividade sindical, espelhada nas páginas da Gazeta.

“A força dos trabalhadores” é o título de uma peça que refere que “uma das armas mais fortes do regime fascista foi o «corporativismo». Esquema «copiado» do fascismo italiano pretendeu-se com ele aniquilar a força dos trabalhadores, manietados em corporações dominadas pelos patrões e pelo governo. Havia sindicatos, sim senhor. Mas não eram livres. Havia sindicatos; mas sempre que as justas reivindicações dos trabalhadores não agradavam aos patrões… lá vinha o Ministério das Corporações decidir a favor destes. E se o «Ministério» não chegava… vinha a Polícia ou a Pide. Foi dura para os trabalhadores a repressão fascista. Indefesos perante o patronato, a sua exploração atingia formas e graus verdadeiramente notáveis. Mas as coisas mudaram. A Liberdade que anima o país manifesta-se também nos sindicatos: agora são livres, são dos trabalhadores. A vida sindical ganha, portanto, nova amplitude. Os trabalhadores poderão finalmente manifestar a sua força e defender os seus interesses. Reflexo deste facto são as numerosas reuniões sindicais por todo o país acompanhadas de numerosas reivindicações por parte dos trabalhadores. Caldas da Rainha não faz excepção: 14/5 – Reunião da Cooperativa Agrícola do Leite; 14/5 – do Pessoal do Thomaz dos Santos; 16/5 – do Pessoal Metalúrgico; 18/5 – dos Caixeiros; 21/5 – do Pessoal da Unical; 22/5 – de Caixeiros dos Armazéns de Produtos Químicos do Distrito de Leiria. Na impossibilidade de informarmos de todas as reivindicações apresentadas por estes trabalhadores, seleccionamos as mais frequentes e significativas: Aumento de salários de modo a conseguir um salário mínimo nacional de acordo com as necessidades actuais. Obrigatoriedade do 13.º mês. Obrigatoriedade do subsídio de férias a 100%. Obrigatoriedade de 30 dias de férias para todos os trabalhadores. Contra a obrigatoriedade de fazer horas extraordinárias. Caixas de Previdência administradas por trabalhadores. Abolição das Leis de Trabalho que possibilitam despedimentos sem justa causa. Direito à greve. O Pessoal da Cooperativa Agrícola do Leite aprovou ainda: que a demissão ou despedimento de qualquer trabalhador seja discutido entre a Direcção e os representantes sindicais; que os trabalhadores que agora reivindicam melhores condições de trabalho e salário aceitem como válido que a um salário justo corresponde um trabalho eficiente. No passado dia 18 do corrente, depois de uma reunião no sindicato, os Caixeiros do comércio de retalho deste concelho manifestaram-se, mostrando o seu descontentamento pelo Tacto dos estabelecimentos deste ramo não estarem encerrados, obrigando deste modo os profissionais a trabalharem ao sábado depois das 13 horas, contra o que é estabelecido no Contrato Colectivo de Trabalho ainda em vigor. Hoje, 25 de Maio, haverá nova manifestação na qual podem integrar-se todos os trabalhadores que queiram defender e reivindicar o Fim de Semana”.

Lemos também que “na reunião de 22 do corrente, os Caixeiros dos Armazéns de Produtos Químicos e Farmacêuticos do Distrito de Leiria decidiram por unanimidade: «Adesão incondicional à movimentação efectuada pelos Caixeiros de Lisboa. Foi decidido que no sábado, dia 25 de Maio, começariam a praticar a «semana americana de 40 horas, independentemente das decisões anteriormente tomadas pelo Sindicato dos Caixeiros de Lisboa e Grémio dos Armazenistas dos Produtos Químicos e Farmacêuticos do Sul, que defendiam à semana americana de 42,5 h, a começar em 1 de Junho” e que “os Cabeleireiros do concelho de Caldas da Rainha, reunidos em Assembleia no Grémio do Comércio, decidiram encerrar aos sábados a partir das 13 horas. Esta decisão entra em vigor já no dia 25 de Maio”.

A Gazeta conta-nos ainda que “reuniram-se no passado dia 22 no salão do Hotel Lisbonense, os representantes das oficinas dos concelhos de Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral, Peniche e Alcobaça. Estudaram e debateram o grave problema dos custos alarmando-se desde já, com o reflexo do reajustamento de ordenados previsto pelos sindicatos, na elevação dos preços das reparações. Ainda dentro de um espírito de procura de soluções, foi aprovada uma moção a apresentar na reunião a nível nacional, propondo a criação imediata duma Associação de Reparadores de Veículos. Entre os pontos discutidos há a referir o da formação duma comissão organizadora, na qual deverá ser integrado um membro desta região. O elevado nível e interesse demonstrados, revelam estar-se perante um grupo de indivíduos conscientes do seu papel sócio-económico, esclarecidos e integrados no novo espírito que anima este país. Deste modo, os problemas não foram apreciados apenas nas suas consequências para este ramo da indústria, mas também nos seus reflexos sociais. E de esperar que outras indústrias sigam este exemplo a fim de se proceder a uma rápida acomodação das estruturas económicas à nova actualidade para que, em breve, se atinjam as metas previstas”.

Ainda neste tema, o jornal anuncia uma “Conversa sobre Sindicalismo”, orientada pelo bancário Daniel Cabrita, a realizar às 21h30 do dia 27 de maio, no Teatro Pinheiro Chagas.

 

NÃO COMA A EMBALAGEM
“Não coma a embalagem” é o título de um interessante artigo bem da época publicado no dia 25. “Minha Senhora, estamos num grande e “bom” supermercado. Será indiscrição fazermos-lhe uma pergunta?
-Que pensa deste ou daquele produto com que nos martirizam de manhã à noite com dezenas de reclames?
A Senhora dirá: É muito cremoso, barra-se muito bem e tem uma embalagem muito prática.
Quem não conheça este novo e maravilhoso produto poderá até pensar tratar-se duma nova massa lubrificante.
Mas não, para esses, nós esclarecemos: Trata-se de um produto para as pessoas comerem.
É realmente de admirar que haja quem o confunda com coisas que não são para as pessoas comerem.
Ou não serão as embalagens e a cremosidade as propriedades mais importantes dos alimentos? (Há até quem coma a embalagem).
Ou não serão os reclames os primeiros a indicarem-nos aquilo que devemos comer, beber, fumar, etc?
E no novo dicionário especialmente criado por essas empresas encontramos: Devemos quer dizer que: devemos mesmo, somos obrigados a senão muito simplesmente, eles mudam de reclame, que é o mesmo que dizer: mudam de táctica para nos impingirem esses mesmos produtos.
E quem não conhece essas tácticas? Desde aqueles que nos dizem que os homens másculos e dinâmicos só fumam isto, bebem aquilo, usam este ou aquele creme de barbear ou têm um bruto carro de marca X, e aproveitam para tal figuras populares entre nós cujos interesses estão longe, tão longe dos nossos.
Até àqueles que exploram a sensibilidade da mulher como mãe dizendo-lhe, (mentindo-lhe) que este ou aquele produto é o melhor para a sua família apenas porque é o mais saboroso.
Ou ainda aqueles que nos convencem que os comprimidos é que curam as dores, habituando as pessoas apenas a aliviar as dores e a consumir cada vez mais comprimidos na mira de curarem os seus males.
E quem não conhece a táctica de nos deixarem na incógnita durante muito tempo para só nos dizerem de que artigo se trata depois de toda a gente andar a falar do assunto.
Conclusão lógica e evidente a tirar: O que lhes interessa é que consumamos cada vez mais e mais, criando a cada passo novos produtos que não faziam falta nenhuma antes de existirem, mas que depois entram na vida das pessoas, e passaram a ser de primeira necessidade.
Fazem mal? Não interessa.
Poluem os rios, os mares e a atmosfera? Não faz mal.
Dão lucro? À isso sim. Isso é verdadeiramente importante.
Primeiro eles, depois eles, e só depois eles. Sim, porque carga d’água é que a seguir viriam os interesses do público?”, questiona.

Para terminar, uma fotografia das comemorações do 1º de maio em Lisboa, publicada na primeira página.

 

 

Para a semana trazemos mais artigos Escritos a Chumbo, até lá!

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