É nas primeiras edições de maio de 1974 que a Gazeta das Caldas nos traz as primeiras verdadeiras notícias livres sobre o 25 de abril, mas ainda escritas por pessoas envergonhadas com o novo regime, porque estiveram sempre distantes de opções democráticas. “Na nossa cidade realizou-se, na segunda-feira, manifestação de apoio à Junta de Salvação Nacional com a presença de enorme multidão”, conta a Gazeta, que, no entanto, remete mais explicações para o número seguinte.
O jornal traz, ainda assim, um artigo na primeira página intitulado de “Educação Política”, assinado por Rosa Bruno, figura controversa na cidade, que fora professor do ensino secundário, e que havia tomado posições pró e contra o sistema. Provavelmente a direção do jornal foi buscá-lo para dar um ar de renovação e de adesão.
Este conta que “aos vinte e cinco de Abril em curso uma Junta de Salvação Nacional a Bem da Pátria da Ínclita Nação Lusíada, num golpe de estado com pleno êxito, deteve o alastramento temeroso da Crise Nacional de múltiplos aspectos que ameaçava aniquilar o nosso equilíbrio social, moral e económico, e as soberanas raízes de todas as estruturas portuguesas. A Junta de Salvação Nacional, formada por distintos Oficiais das Forças Armadas, credora da adesão e confiança colectivas, está agindo como Governo Provisório, com superiores talento, velocidade e eficácia, inspirando tranquilidade e concórdia, varrendo desesperos e estimulando entendimentos, e dinamizando espíritos e consciências. Bem haja! Já todos estamos sabedores de que não se trata duma Acção Aventureira, de momento vitoriosa, mas sim da imposição, meditada e altamente lúcida, de ordens, conselhos e ensinamentos para que, irmanados, possamos sobreviver. A Gazeta das Caldas, ariete dos interesses regionais, sente o transe que se vive, e como toda a Imprensa Portuguesa, aceita e bendiz este Movimento de Salvação Nacional, e rende-lhe as suas páginas nunca manchadas por ambições materiais, nem diminuídas por artigos ideológicos de redactores ou colaboradores seus, lidadores de boa fé sempre em luta por proveitos comuns, e nunca por proveitos individuais. Que vai seguir-se?!… Prevê-se, porque se prepara, uma nova era política. Como pode criá-la o Povo Português?!… Entendemos que, fundamentalmente, é educando-se, instruindo-se, sobre política, pensando os direitos e deveres que terá em cada uma das suas modalidades, os quais explicitamente terão de figurar na Constituição da modalidade optada. A Lei forte, sensível, precisa, justa, tem que emanar da próxima Constituição! E isto o fundamental, o decisivo, do Povo Português! Se se limitar ao papel de batedor de palmas a uma Constituição que só alguns fabriquem, corre o risco de ser logrado, de recair em sofrimentos e lutas irreparáveis. Cuida portanto, Povo Português, da tua Educação Política, e medita palavra por palavra a tua próxima Constituição Política. Não voltemos, Portugueses, a cair como pássaros em redes bem armadas”.
No entanto repete um artigo de uma colaboração externa do Professor Plínio Corrêa de Oliveira, que coloca dúvidas sobre os processos revolucionários e que intitula o seu artigo “Para onde?”. Mas quem leu os seus artigos nas várias edições anteriores poucas dúvidas tem sobre o sentido que quer dar ao mesmo. Num momento como o que se vivia tem pouco nexo fazer um artigo que termina com histórias sobre o nudismo.
O 25 DE ABRIL NA GAZETA
Mas é então, na edição de 4 de maio que temos o 25 de abril, finalmente, noticiado no jornal das Caldas da Rainha. “Homenageados pelo povo os militares da arrancada de março” é o título do artigo que conta que “na passada segunda-feira a Praça da República encheu-se de caldenses desejosos de manifestar a sua alegria ante a transformação política em boa hora operada no País. Surgia a manifestação a propósito de haverem regressado à unidade militar caldense os 18 oficiais do R. I. 5 que participaram na arrancada de 16 de Março, percursora do glorioso derrube do governo cessante. Reunidos num almoço, em estabelecimento local, os oficiais, cujos nomes nestas colunas registamos adiante, confraternizaram, estando presente, como representante das forças democráticas das Caldas, o Dr. António Maldonado Freitas. Nessa altura foram entrevistados pela Emissora Nacional e revelaram pormenores da acção que desenvolveram. Ao saírem do restaurante a multidão esperava-os na Praça da República. Foram, então, alvo de apoteótica manifestação. Percorrendo as ruas da cidade em carro aberto, os capitães e tenentes do nosso Regimento, chegaram aos Paços do Concelho, subindo, acompanhados pelo Dr. António Freitas, à sala das sessões e assomaram às janelas, sendo prolongadamente aplaudidos pelo Povo. A este falou, então, o capitão Varela que agradeceu e frisou que a marcha sobre Lisboa, em 16 de Março, tinha sido ditada por um imperativo de consciência. Nos Paços do Concelho, com a bandeira nacional hasteada, os valorosos oficiais foram recebidos pelo vice-presidente da Câmara, José Luís Caetano, que substituía o presidente, ausente em Lisboa. A partir do edifício camarário, os 18 oficiais e o povo dirigiram-se a pé para o quartel do R.I. 5, numa marcha triunfal de comunhão entre a população civil e militar. Ali foram recebidos pelo comandante, coronel Luís dos Santos Rafael. Usaram da palavra, no aquartelamento, os Drs. Custódio e António Freitas que produziram afirmações de patriótico aplauso as Forças Armadas. Toda a manifestação se caracterizou por acendrado civismo”, conta a Gazeta das Caldas, que termina o artigo com a publicação dos “nomes dos oficiais do Exército homenageados pelo Povo: Capitães João Gil, Faria, Novo, Varela, Carvalho, Freitas, Garcia e Lucas, e os tenentes Montalvão, Pina Pereira, Pombal, Carvalhão, Rocha Neves, Matos Coelho, Moreira dos Santos, Mendes, Betencourt Coelho e Silva Carvalho”.
ADESÃO POPULAR AO MOVIMENTO
A Gazeta das Caldas do dia 4 de maio demonstra ainda a adesão popular ao movimento, num artigo intitulado de “Manifestações entusiásticas afirmaram a adesão total do Concelho das Caldas ao Movimento Militar”. Lê-se que “além de actos de júbilo pelo advento do novo regime praticados por diversos grupos de pessoas, três manifestações populares marcaram a identificação do Concelho que a Câmara Municipal secundou com o Movimento Militar do 25 de Abril. A primeira teve lugar no sábado. Nesse dia centenas de pessoas percorreram as ruas da cidade vitoriando a Junta de Salvação Pública e as instituições democráticas. A segunda manifestação foi de homenagem às Forças Armadas e principalmente aos oficiais do Regimento de Infantaria 5, autênticos percursores, com a arrancada a caminho de Lisboa em 16 de Março, do Movimento Militar. A terceira reuniu milhares de trabalhadores a festejar o 1º de Maio e a afirmar os direitos do trabalho. Todas foram ordeiras jornadas de esfusiante alegria e de entusiasmo que evidenciaram a consciência cívica do Povo, ávido de se governar por si mesmo sem peias nem limitações, e a adesão total aos princípios da Proclamação feita ao País pelo general António Spínola”.
O artigo termina por garantir aos leitores que “daremos notícia à parte, nesta e na subsequente edição, dos importantes acontecimentos locais”.
SPÍNOLA E AS CALDAS
Na mesma edição, na primeira página, temos um artigo que trata a relação de Spínola com as Caldas. “O general António Sebastião de Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional, está ligado a esta cidade por dois elos que registamos. Como oficial do Exército ligado ao Hipismo foi activo colaborador da organização dos concursos hípicos das Caldas, promovidos por uma comissão a que presidia o dr. Asdrúbal Pereira Calisto. E teve como principal cooperador um caldense quando foi governador da Guiné o tenente-coronel Pedro Cardoso”.
Nesta semana há ainda um editorial, assinado pelo diretor, Carlos Saudade e Silva, que causou estupefação e indignação na cidade e especialmente entre os democratas locais, pela tão rápida mudança de sentido da opinião e da atuação da direção deste jornal, como vimos pelo teor das edições anteriores e especialmente depois do 16 de março.
Esse editorial notava que “o Povo e as Forças Armadas restituíram o Pais à normalidade das instituições políticas. Puseram termo a um regime de excepção que usava da autoridade para restringir as liberdades naturais em vez de as garantir e tornar efectivas. Tudo aconteceu por tal forma, clara, entusiástica e unânime, que é evidente ter recebido Portugal o que há muito esperava com a maior das ansiedades. Aceitar e bendizer, de braços abertos, o Movimento Militar e a sua lidima representante – que é a Junta de Salvação Pública – é um Imperativo nacional em que nos integramos com fé nos destinos democráticos da Pátria e animados do propósito sincero de cooperar na redenção da comunidade lusa ao calor das liberdades cívicas. Só espíritos fechados às realidades não viam que excepção não podia eternizar-se como regra e que esta – o auto-governo dum povo – é a que se encontra na normalidade de instituições erigidas por si mesmas – não impostas. Para mais foi patente a incapacidade do governo deposto para resolver os grandes problemas nacionais. Avulta que a Nação se mostra desde há anos-provida de educação cívica e dotada de capacidade para gerir os seus próprios destinos. Uma vez mais está provando isso. Este é o nosso acto de fé. Ao praticá-lo, lembramos as circunstâncias de pressão em que anteriormente se vivia e à qual não podíamos furtar-nos. Ao afirmar a nossa completa adesão à Proclamação da data histórica que foi a de 25 de Abril de 1974 e aos princípios aí enunciados pela Junta de Salvação Pública da presidência do General Spínola, estamos animados do ideal de introduzir no periódico caldense a estrutura adequada a torná-lo num arauto do Povo. Pretendemos que Gazeta das Caldas nascida democraticamente em 1 de Outubro de 1925 – fique aberta a todos, a dentro duma Imprensa livre, sem peias de censura ou exame prévio. Pomos como penhor e aval da genuinidade do nosso querer, a boa-fé, o desinteresse e a honestidade com que sempre procedemos”, prossegue o texto, que termina com a seguinte nota: “servimos sem nos servirmos”.
Visto hoje, não se entende como é possível pessoas que sempre foram coerentes com o regime anterior, mudarem tão rapidamente e darem sentido totalmente inverso para aquilo que sempre professaram e praticaram. Não admira que se estava a caminhar para uma mudança estrutural do próprio jornal o que aconteceria alguns dias depois com a demissão do diretor.
FALTA DE PAPEL
A falta de papel continuava a sentir-se e a afetar a publicação do jornal. Nesta edição a Gazeta conta que, “por falta de outro, passou êste jornal a utilizar papel de côr na impressão primeiro apenas das páginas interiores e agora também nas exteriores. A falta desse também se faz sentir pelo que lutamos com as maiores dificuldades para cumprir a nossa missão”.
A GRELHA DA RTP
A Gazeta das Caldas na sua coluna da RTP mantinha a programação idêntica à de antes do 25 de Abril, não referindo as grandes transformações ocorridas que haviam anulado tudo o que se fazia e inseria antes. Como se fosse possível manter a mesma programação de adormecimento do antes da Revolução.
Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo. Até lá!

































