Escrito a Chumbo 14

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3 e 6 de abril de 1974

“Consciência e decisão” é o título de um artigo na primeira página do dia 3 de abril. “Por qualquer parte por onde passe o Prof. Marcello Caetano vê-se rodeado imediatamente por entusiásticas populações que o victoriam. Esta é uma realidade que dá bem a panorâmica da obra séria, pertinaz e esclarecida que nos últimos anos vem sendo realizada em prol, especialmente, do trabalhador. Porque, por muito que se tente, não existem manifestações espontâneas, se nos sentimentos do povo não houver a verdade do momento, essa expressão de grato e sentido reconhecimento que o bom povo português nunca negou a quem alguma vez o elevou da sua situação de rotina e de inferioridade. Algumas das medidas legisladas e postas em execução, foram actos de justiça dirigidos à angústia das populações, às suas necessidades mais prementes, aos seus anseios de instrução e cultura, ao trabalho que se lhes garante, tornando-lhes a vida mais digna em torno duma assistência e previdência eficazes. E esse entusiasmo com que as populações espontaneamente acorrem a saudar o Presidente do Conselho, gente humilde das aldeias como gente classificada das cidades, é bem a expressiva gratidão pela obra que tão perseverantemente vem sendo realizada em seu benefício.

Estamos a pensar na última visita do Prof. Marcello Caetano a terras da Bairrada e do Vale do Mondego e, depois, à cidade do Porto. Aí, e uma vez mais, o Presidente do Conselho foi imediatamente saudado por todos e em toda a parte por onde passou com uma vibração de entusiasmo que não pode, com verdade, ser negado. Negam-lho aqueles que, por todos os meios e sob o maléfico peso de uma intenção, desejariam lançar o País na balbúrdia das paixões sem critério, para dela retirarem depois os efeitos ambiciosos da sua política de subversão. Como muito bem sublinhou no Porto, o Chefe do Governo, temos, neste momento, um povo sequioso de orientação, sobretudo agora, em que se está fazendo um esforço de difusão da instrução, mas, por isso mesmo, procurado por falsos profetas na intenção de o desorientar. São esses mesmos que não têm pejo de se aliar com os nossos inimigos de além-fronteiras, esquecendo a sua condição de portugueses para servirem uma causa que só poderia denegrir e prejudicar a Pátria. É esta verdade, esta realidade que deve merecer a nossa cautelosa reflexão. O surto de progresso que actualmente ocorre em Portugal, as medidas tomadas e os planos concedidos para gradualmente irem entrando em execução, é um esforço sério, real e evidente como de há largos anos se não assistia entre nós. Adulterar tal linha de proceder seria uma atitude negativa com a qual muito nos prejudicaríamos, nós e a Nação. Isso o que, pertinazmente, teremos de evitar”.
Uma vez mais vemos como o regime, apesar de tudo, sentia a instabilidade e como procurava influenciar a opinião pública através da censura, que controlava os jornais. A apologia do líder, a defesa do indefensável, a procura de justificações, a definição de inimigos para fortalecer o espírito patriótico estão espelhados nalguns destes artigos.

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PARA O SOCIALISMO E PARA BERNADETTE: NÃO!
Em termos políticos não resistimos ainda a partilhar uma curiosa análise intitulada de “para o Socialismo e para Bernadette: Não!”. É que “segundo parece, muitos leitores do jornal, lendo algum tanto superficialmente os resultados das eleições britânicas, chegaram à conclusão de que elas indicam uma marcha moderada da opinião pública no Reino Unido, rumo à esquerda. Tal impressão é de molde a reforçar o conhecido chavão de que o mundo caminha inexoravelmente para a esquerda. E por sua vez é próprio a esse chavão reforçar a tal marcha inexorável». Assim, é indiscutivelmente oportuno esclarecer que o pronunciamento do eleitorado britânico teve – e muito acentuadamente – o significado de um virar de costas para a esquerda trabalhista.
– Mas como! – dirá algum leitor. Se o novo gabinete é de coloração marcadamente trabalhista, e sucede a um governo pronunciadamente conservador, como se pode afirmar, sem disparate, que a opinião pública do Reino Unido não caminhou para a esquerda!
– É que, em certos casos, por peculiaridade da lei britânica, o número de cadeiras obtido pelos diversos partidos na Câmara dos Comuns pode não corresponder às percentagens eleitorais dos vários partidos. Nas eleições de 1970, os conservadores obtiveram 46,4% de votos, e nas de 1974 apenas 38,1%.
Sofreram, pois, a considerável perda de 8,3%. Contudo, também os trabalhistas sofreram perdas sensíveis. Em 1970 obtiveram 43% e em 1974 37,2%. o que equivale a 5,8% de retrocesso. Quem fala de avanço socialista nas últimas eleições engana-se, pois, redondamente. Esses dados bastam para provar que o Reino Unido não caminha rumo aos trabalhistas nem aos conservadores, mas começou a voltar as costas a uns e outros. Em que direcção? Rumo ao liberalismo. Ou melhor, ao neoliberalismo.
Ao contrário dos conservadores e trabalhistas, os liberais alcançaram um progresso acentuadíssimo. Em 1970 obtiveram eles 2.109.218 votos, ou seja 7,4% dos eleitores. Em 1974 alcançaram eles 6.056.713 eleitores, constituindo 19,3% do eleitorado. Assim, o eleitorado liberal quase triplicou. Se a lei inglesa atribuísse aos partidos um número de cadeiras exactamente proporcional à votação por eles obtida, os liberais teriam agora nada menos de 122 cadeiras.

Ora, o que são os liberais? No que diz respeita aos grandes temas de índole social e económica debatidos na campanha eleitoral, há menor distância entre o partido trabalhista e o conservador, do que entre o partido trabalhista e o liberal. Em outros termos, os liberais representavam “uma oposição muito mais reacionária e direitista” do que os conservadores. De onde se deduz que a grande novidade das eleições inglesas não foi uma marcha para a esquerda, mas uma marcha para a direita. Ademais, a diminuição dos votos conservadores em favor dos liberais se deu notoriamente em virtude de uma cisão entre os conservadores, ocasionada por um problema que nada tem a ver directamente com a problemática direita-esquerda. O poderoso líder conservador Enoch Powell, qualificado pela imprensa como o grande artífice da vitória conservadora nas eleições de 1970, actuou desta vez em favor dos trabalhistas, pois estava em desacordo com a política exterior do governo conservador no que diz respeito ao MCE. Lembro apenas muito de passagem, que as pequenas legendas eleitorais as quais, somadas, haviam alcançado só seis cadeiras no Parlamento anterior passaram a ter 22 no novo Parlamento. Esse dado não tem para nós maior interesse, porque não é fácil para leitores de outros países definir o sentido ideológico dessa mudança, já que ela diz respeito a pequenos agrupamentos políticos só conhecidos no Reino Unido. De qualquer forma, continua de pé que o partido que mais progrediu está no polo oposto ao trabalhismo. Não posso encerrar o artigo sem dar especialíssimo realce à derrota infligida pelo eleitorado da Irlanda do Norte a trefega e ardida parlamentar Bernadette Meliskey (ex-devlin), católica progressista que no exercício de seu mandato fez tudo quanto podia haver de chocante, para ser reeleita. Essa técnica tipicamente progressista malogrou. O povo lhe disse não».

CALDAS E AS TERMAS
“A Estância e o Turismo poderiam distinguir os assíduos frequentadores das Termas e da urbe”, é o título de outra peça que realçamos. “Conhecemos casos de famílias inteiras que há dezenas de anos escolhem as Caldas para veranear. São pessoas que se dão bem com a terapêutica termal e a ela se conservam fiéis há lustros. São pessoas que preferem as praias e que, sem interrupções, se radicam na Foz ou em Salir durante o verão. São pessoas que, simplesmente «gostam do viver na urbe caldense e aqui passam horas e dias de lazer sempre que podem. Tamanha dedicação às Caldas merece prémios e profundo reconhecimento dos caldenses. Uns e outro extensivos, aliás, aos que, por motivos profissionais, e não de digressão, também preferem as Caldas como, ponto de partida ou de origem dos seus trabalhos ambulatórios e como quartel-general dos seus negócios e transacções. Às Termas e à Comissão Municipal de Turismo estaria reservado o papel de intérpretes do reconhecimento caldense aos que distinguem, desses modos, a cidade. Daqui sugerimos, com o devido apreço, o que fica resumidamente exposto”.

REMO NA LAGOA
“Na Foz 25 anos depois volta a haver provas de remo na Lagoa”, lê-se. “Há um quarto de século a Comissão Municipal de Turismo, então presidida pelo Dr. Asdrúbal Pereira Calisto promoveu a efectivação na Lagoa dos campeonatos nacionais de remo. Como espectáculo turístico o empreendimento não resultou plenamente, na aparência. É que a distancia entre o “palco” e a “plateia” não permitiu aos espectadores seguirem minuciosamente o curso da competição. Para mais, as condições atmosféricas não deram ajuda. O pior de tudo foi o desanimo causado por uma opinião pública não esclarecida que, desafeita a tal tipo de espectáculo, não o compreendeu. Minoria mais habilitada e a própria Federação Portuguesa de Remo consideraram a iniciativa um êxito e a lagoa recinto apropriado para a prática da modalidade. De verdade, corrigido que fosse o senão acima apontado, reunidos os requisitos atmosféricos e escolhida a época adequada segundo o clima, o campeonato podia repetir-se, com vantagens turísticas para as Caldas e a Foz e para o brilho desportivo da prova. A repetição não se deu. Pois agora, 25 anos decorridos, iniciativa do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa parece vir dar razão aos empreendedores de 1949, dirigentes federativos e comissão de Turismo de então. Aquêle centro realiza desde anteontem, na lagoa, competições de remo”, conta-nos a Gazeta das Caldas.
Mas a verdade é que, praticamente mais 50 anos passaram sem que houvesse o desenvolvimento do remo na Lagoa de Óbidos. Atualmente, cinco décadas depois, deram-se os primeiros passos no sentido de voltar a explorar o espelho de água da Lagoa de Óbidos para a prática desta modalidade.

O LIXO
“A limpeza da cidade passa a ser feita mecânicamente?”, questionava o jornal. Foi há 50 anos que se deu esta importante mudança e a Gazeta informava então que “na segunda-feira, uma viatura de fabrico inglês exibiu nas ruas da cidade o seu «engenho» quanto a recolha de lixos. O veículo é uma vulgar caminheta; mas está provida de xupador de detritos, do estilo do vulgar aspirador doméstico embora sem semelhança no tamanho e na configuração, e dum depósito igual aos que servem para o transporte de carburantes. À experiência assistiram, na rua de Camões, o presidente da Câmara e os responsáveis pelos sectores técnico e da limpeza”.

ACHADOS
Esta semana encontramos novamente os achados. É que “na esquadra da PSP encontram-se depositados: uma pulseira de fantasia, um par de calças próprias para rapaz, uma carteira própria para senhora, contendo uma quantia em dinheiro, um casaco próprio para homem, um tampão de roda de veículo automóvel, um velocípede, uma corda em nylon, uma importância em dinheiro estrangeiro, um boné próprio para rapaz, dez pacotes de farinha e um relógio de pulso próprio para senhora, que foram achados na via pública e serão entregues a quem provar a propriedade deles”.

Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo, quando nos aproximamos cada vez mais da Revolução dos Cravos que trouxe a liberdade a Portugal. Até lá.

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