Entre as vinhas e as estrelas – Uma noite nas quintas de vinho do Oeste

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Gazeta das Caldas partiu à descoberta do projeto Easy Camp, que permite pernoitar, em autocaravanas, nas vinhas das quintas produtoras deste precioso néctar. Esta é uma oferta que tem tido cada vez mais procura na região Oeste

Produtores permitem aos caravanistas que pernoitem nas quintas em troca da compra de um cabaz

Já imaginou dormir uma noite nas vinhas de quintas produtoras de vinho do Oeste? Foi esse o desafio para o último fim-de-semana. Instalados numa autocaravana, autossuficientes, passámos a noite entre as vinhas e as estrelas, na natureza, num ambiente bucólico, sempre com a Serra de Montejunto como pano de fundo.
O projeto chama-se Easy Camp e o conceito é simples: que as autocaravanas possam pernoitar nas quintas pelo país fora. Em troca, quem por lá pernoita apenas precisa de adquirir um cabaz dos produtos que ali são produzidos.
No Oeste existem quatro quintas inscritas na Easy Camp. Hoje damos a conhecer ao leitor a nossa experiência em duas delas, as duas mais próximas das Caldas.
Com reserva feita na aplicação, seguimos, portanto, para Sul, rumo à Quinta do Sanguinhal. Como é fim-de-semana vamos à Quinta das Cerejeiras, em pleno Bombarral, conhecer um pouco melhor o museu e a loja e receber as garrafas de vinho. Neste caso a estadia custou 38 euros e deu-nos direito a três garrafas de diferentes vinhos produzidos na quinta. Recebemos uma localização no telemóvel e lá vamos nós, para as vinhas da Quinta do Sanguinhal, num local que nos permite ver, de um lado, a vinha e do outro a Serra. Não havia mais nenhum caravanista neste dia.
A paz e a natureza são rainhas por aqui, tanto durante o dia como à noite.
Já depois de jantar numa mesa na rua, acompanhado de um vinho que é fruto das videiras que nos rodeiam, adormecemos a ver as estrelas e a ouvir o coaxar dos sapos ao fundo.
No dia seguinte, o raiar da luz do sol desperta-nos, mas a calma não é abalada. Ouve-se, de vez em quando, um carro, mas é literalmente um descanso.
Falamos com Ana Reis, da Companhia Agrícola do Sanguinhal, que mantém vivo o legado do fundador, Abel Pereira da Fonseca. É ela quem nos conta que, quando aderiram ao projeto, o único desafio foi encontrar o espaço ideal para as caravanas. “Encontrámos um sítio privilegiado, que permite ver uma paisagem muito bonita para a Serra de Montejunto e para as nossas vinhas, desfrutar do nascer e do pôr-do-sol e apreciar as diferentes épocas do ano”, realça.
Quem procura esta oferta tem um “perfil específico. Na maioria, são estrangeiros e há muitas famílias”, conta, sendo que alguns vêm nas suas autocaravanas, outros alugam-nas. “Querem usufruir de uma experiência na natureza e com privacidade”, afirma. Nos tempos livres podem aproveitar para visitar as quintas e as lojas, passear pelas vinhas, fazer provas de vinho, entre outras atividades. Com a pandemia a procura aumentou (pelo fecho dos estabelecimentos hoteleiros e porque as pessoas procuravam a natureza) e, daí para cá, “tornou-se um produto apelativo e de sucesso”, conta. “Os caravanistas que temos tido são pessoas extremamente educadas e interessadas” e “muito conscientes de que estão numa zona que é importantíssima para nós, que é a nossa vinha”, frisa Ana Reis.

As caravanas ficam junto às vinhas e às uvas

Seguindo viagem para o Cadaval
Durante a tarde seguimos em direção ao concelho vizinho: o Cadaval. Vamos para a Quinta do Olival da Murta, onde somos recebidos, num ambiente muito familiar. Primeiro recebem-nos os amigos de quatro patas, depois a família que há quatro gerações dinamiza este espaço. Neste caso a estadia custou 26 euros e deu-nos direito, além do local para pernoitar, a uma garrafa de vinho tinto e um frasco de sal, que escolhemos de vinho (mas havia outros, com ervas aromáticas), com a cor caraterística do tinto.
Também aqui demo-nos ao luxo de estacionar bem na natureza, debaixo dos carvalhos, com as vinhas e a serra à nossa frente. Neste caso, encontramos duas caravanas de casais holandeses que ali apreciam o repouso e a calma.
Nesta quinta, na família Vivas há quatro gerações, constata-se uma nova dinâmica. Joana e os três irmãos (Madalena, Mafalda e Francisco) e o primo Zé voltaram a fazer vinhos nesta propriedade em 2013.
Aqui produzem o Serra Oca (três tintos e dois brancos), um vinho que se distingue por ser totalmente biológico, com vindima feita à mão e sendo vinificado de forma simples, com leveduras naturalmente presentes. “É uma maneira de estar na vida”, refere, salientando que a pequena escala permite trabalhar com qualidade e não adulterar as qualidades do vinho, respeitando os seus tempos. O nome inspira-se no facto de, sendo calcária, a serra ter muitas grutas com uma vastidão de lendas a elas associadas. Antigamente pensava-se que a serra era oca, ou como disse Saramago, “rota por baixo e que o mar entra por ela dentro”. “A Serra de Montejunto tem muita relação connosco, porque tem muita influência no clima e tem esta alcunha de Serra Oca”, refere. Produzem 30 mil litros de vinho anualmente e privilegiam as castas portuguesas. A exportação, nos primeiros anos, absorvia cerca de 90% da produção, mas atualmente representa sensivelmente metade das vendas. O centro e norte da Europa, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e os mercados asiáticos (Japão e Coreia do Sul) são os principais mercados. Em Portugal a procura é maior nas cidades.
O Easy Camp, com a pandemia, também aqui teve uma grande procura. O ar livre e a natureza, longe das massas, foram atrativos. “Não é uma coisa de massas, temos lugares limitados, mas tem tido muita procura”, explica. Também aqui, a maior parte dos turistas são estrangeiros, “mas os portugueses têm vindo a aumentar”.

A Serra de Montejunto esteve sempre como pano de fundo nesta viagem
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A proximidade com Lisboa é um factor importante para estas quintas. Durante a estadia estes turistas procuram fazer provas de vinho. As idades são muito variadas e há uma grande procura das famílias e de quem quer trazer os cães, porque aqui são permitidos os animais de estimação. “Não é o interessado em vinhos, que habitualmente procura a quinta”, esclarece. “Este projeto permite chegar a outro tipo de públicos, por exemplo, que nunca fez uma prova de vinho”, complementa.
Depois de mais uma noite sob as estrelas, é hora de seguir viagem. Quanto ao leitor, fica o roteiro, agora é partir à descoberta! ■

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