
Barcos movidos a energia solar, que não poluem as águas como a atmosfera, nem fazem ruído, são ideais para navegar em rios, lagoas, albufeiras e zonas húmidas. E podem até mudar o conceito de turismo. A empresa Sun Concept, com sede em Olhão, esteve na Foz do Arelho para mostrar que as suas embarcações são verdadeiramente revolucionárias e inovadoras no respeito pelo meio ambiente, e convidou potenciais clientes, autarcas e jornalistas para uma voltinha na lagoa com um barco movido a energia solar.
De manhã foi a apresentação em sala, seguiu-se o almoço e agora é a vez de experimentar finalmente os barcos solares, ao vivo e a cores, nas águas da lagoa em frente ao cais da Foz do Arelho. A expectativa é grande porque a criaram: à frente dos convidados está uma embarcação de sete metros, de cor branca, com um formato um pouco estranho porque tem painéis fotovoltaicos no tejadilho e no deck.
Trata-se de um Sunsaler, um barco solar que não precisa de combustível, nem de mudar o óleo, nem de filtros nem de velas. Também não polui a água nem o ar, não cheira a gasóleo e é tão silencioso que é preciso apurar o ouvido para se ouvir o ligeiro zumbido que os seus dois motores eléctricos provocam.
Mesmo à velocidade máxima de 6,5 nós (a velocidade de cruzeiro é de 5 nós), esta embarcação não provoca outro ruído que o do marulhar da água no seu casco. Um casco muito especial: mede 40 centímetros e foi expressamente desenhado para não deixar esteira (rasto) porque um dos seus objectivos é não agitar as águas de lagoas e outras zonas húmidas onde o respeito pela natureza é fundamental.
O mercado alvo destes barcos são os operadores turísticos que navegam em zonas sensíveis do ponto de vista ambiental, mas Nuno Oliveira, da Sun Concept, diz que estas embarcações podem servir também de barcos de recreio para famílias, ou para pescadores, mariscadores e viveiristas.
A apresentação deste barco na Foz do Arelho deve-se a uma parceria entre a Sun Concept e a Fundação Inatel, que, tendo ficado sensibilizada para o impacto que este tipo de embarcações pode ter no turismo sustentável, convidou a empresa para fazer duas apresentações na Foz do Arelho e em Vila Nova de Cerveira.
José Alho, da administração do Inatel, referiu que o barco solar “é uma proposta alternativa que está alinhada com o mundo nas suas preocupações ambientais” e aproveitou para referir a tradição ambientalista da Foz do Arelho que já em 1984 foi palco do primeiro congresso de ecologistas portugueses e em 1986 da Conferência Internacional dos Amigos da Terra, que reuniu ecologistas de todo o mundo.
Se há sessões monótonas e aborrecidas, esta foi todo o seu contrário. Nas instalações do Inatel, os representantes da Sun Concept expuseram de forma dinâmica e com grande interacção com o público as características do seu produto. E contaram a história deste projecto que nasceu de “uma conversa de bar que se transformou numa conversa de barco”, como explicou Nuno Oliveira, um dos sócios da empresa. Um biólogo, um contabilista e um construtor naval tiveram a ideia de fazer um barco solar e conseguiram internamente juntar o capital de investimento sem apoio de terceiros.
A empresa Sun Concept nascia assim em Olhão em Maio de 2015. O primeiro protótipo foi lançado à água em Março de 2016. Desde então só foram vendidos três barcos, mas Nuno Oliveira diz que nos próximos três meses deverá assinar a venda de, pelo menos, mais cinco.
Tónica dominante no discurso é que esta é a primeira empresa portuguesa a produzir barcos solares e também uma das primeiras a nível mundial que passou já a fase do protótipo e tem em carteira modelos para venda.
Mas não está a vender muito, como lembrou um elemento da assistência. Porquê?
“Estamos neste momento num limbo, a fazer promoção, mas não temos dúvidas que vai haver uma explosão de encomendas”, diz Nuno Oliveira. Uma das principais dificuldades é fazer as pessoas acreditar que isto é tão simples como parece – o barco solar não gasta dinheiro além do investimento inicial. Ponto. A sua manutenção é mínima e pode navegar infinitamente enquanto houver sol, tendo ainda autonomia para seis a oito horas de navegação durante a noite. E mesmo com nevoeiro, os raios solares alimentam os painéis fotovoltaicos.
Os accionistas da Sun Concept já investiram na empresa meio milhão de euros. As receitas foram ainda escassas, mas a expectativa é que atinja o break even (ponto de equilíbrio onde o total das receitas é igual ao total dos gastos) dentro de três anos.
A empresa conta com 10 trabalhadores, mas espera ainda criar mais postos de trabalho. Ser autossustentável é uma das suas premissas e por isso tencionam construir um estaleiro ecológico na ria Formosa, nuns armazéns antigos que deverão ser recuperados e onde as pessoas que compram os seus barcos podem também deixá-los ali estacionados. E como estes, mesmo parados, continuam a produzir energia eléctrica, a ideia é aproveitá-la para os estaleiros, que remunerarão os proprietários das embarcações pela electricidade que consomem.
Além do mercado português, que é rico em zonas lagunares, a empresa pretende, naturalmente, internacionalizar-se. “É possível descer a França por entre os canais até ao Mediterrâneo. Na Alemanha e na Holanda há canais por todo o lado. E a Suíça com os seus lagos e as leis de restrição às embarcações poluentes, é também um mercado incrível”, diz, optimista, o director da empresa.
Hugo Oliveira, vereador da Câmara das Caldas, disse que esta embarcação era ideal para quem quisesse explorar um negócio de transporte de pessoas entre as duas margens da lagoa de Óbidos, mas que, obviamente, não caberia ao município assumir a compra do barco. Ainda assim, explicou, as câmaras das Caldas e de Óbidos poderiam ser facilitadoras em termos de criação de infraestruturas. Mas tudo isso, claro, teria de passar por uma concessão.
Três modelos no presente e “ideias loucas” para o futuro
O Sunsailer tem três versões para seis, oito ou 12 passageiros e trabalha com dois motores eléctricos de seis cavalos. Estes são alimentados por quatro baterias que recebem a energia solar de seis painéis fotovoltaicos implantados na própria embarcação.
Os preços oscilam entre os 24.600 e os 40.000 euros, valores que, segundo aquele responsável, estão alinhados com embarcações idênticas que usam combustível. “A nossa dificuldade tem sido explicar o óbvio: estes barcos não gastam dinheiro para navegar e a própria manutenção é 80% mais barata do que a de uma embarcação convencional”. Nuno Oliveira salienta ainda a facilidade que é chegar ao barco e dar à chave de ignição para o pôr a navegar sem estar preocupado com o combustível.
No futuro os painéis fotovoltaicos podem praticamente cobrir toda a superfície de uma embarcação e que nada é impossível para fabricar os mais diversos tipos de navios silenciosos e que “navegam à velocidade da luz [do Sol]”. E remata: “ideias não nos faltam e todas exequíveis, mas o problema é que é mais fácil fazer um barco de meio milhão de euros do que um de 30 mil euros e estes são, para já, o nosso mercado alvo”.
Projectos não faltam para os barcos solares, que incluem catamarãs e navios de cruzeiro para, por exemplo, navegar no Douro, até ao “projecto mais louco de todos que é um carro-barco-submarino totalmente movido a energia solar com o qual se possa dar a volta ao mundo”.
Joel Ribeiro































