Dívidas das autarquias à empresa Águas do Oeste sem solução à vista

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Perante uma dívida de quase 450 milhões de euros por parte de 200 autarquias à empresa Águas de Portugal, a ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, deu um prazo para que as autarquias em falta apresentassem as condições de regularização do montante em falta. Mas de acordo com a tutela, apenas 39% das 241 câmaras com dívidas à Águas de Portugal o fizeram.
A situação está longe da resolução, pois os municípios aguardam o desfecho das negociações entre Associação Nacional dos Municípios, banca e governo para a obtenção de uma linha de crédito que lhes permite saldar algumas das dívidas e prolongar o prazo de pagamento de outras. Além disso, há ainda casos em que as autarquias recusam pagar a água que não foi efectivamente consumida, mas que consta dos valores mínimos acordados com a entidade abastecedora.
A empresa Águas do Oeste (que é detida em 51% pela Águas de Portugal e em 49% pelos municípios oestinos) é responsável pelo abastecimento de água a estes concelhos, mas nem todos pagam atempadamente a factura, pelo que as dívidas globais dos utilizadores atingiram no final de 2011 os 31,4 milhões de euros.
Este montante era devido pelos diversos clientes, entre os quais municípios e empresas municipais, serviços municipalizados (num total de 15 autarquias) e empresas concessionárias. Do total de 31,4 milhões que a Águas do Oeste tem a haver, 18,5 milhões referem-se ao abastecimento de água, 10,4 milhões ao saneamento, 2,2 milhões a juros de mora e 266 mil euros a capital social não realizado.
Cerca de 40% desta dívida estava vencida há mais de um ano, mas o seu valor já aumentou em 2012. Os últimos dados publicados referem-se à data de 29 de Fevereiro e apontam para uma dívida total superior a 32 milhões de euros.
Quem mais deve

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Os campeões das dívidas, segundo o relatório e contas da Águas do Oeste de 31/12/2011, são Alenquer (que deve 5,8 milhões), Alcobaça (4,6 milhões), Nazaré (3,5 milhões) e Azambuja (2,9 milhões).
Gazeta das Caldas
falou com alguns dos municípios oestinos para fazer o ponto de situação relativamente aos pagamentos em falta e à forma como pretendem regularizá-los. As câmaras de Alcobaça e Cadaval, que devem, respectivamente, 4,6 milhões de euros e 726 mil euros à Águas do Oeste, não responderam às questões do nosso jornal.

O que dizem as autarquias
BOMBARRAL

No final de 2011 o município do Bombarral tinha uma dívida às Águas do Oeste superior a 1,7 milhões de euros, como reconhece o presidente da Câmara, José Manuel Vieira.
O autarca diz que esta dívida remonta à altura em que a empresa se formou e em que houve um acordo “onde as projecções desajustadas conduziram a situações impraticáveis e a dívidas incomportáveis, cuja saída para os municípios veio a revelar-se na constituição de planos de pagamento sucessivos”.
O autarca diz que a empresa multimunicipal apenas permite que os planos de pagamento das autarquias se estendam por três anos.
Tendo em conta que a situação não é suportável pela maioria dos municípios, o autarca do Bombarral sugeriu, em reunião na OesteCIM (e foi aceite por todos os restantes autarcas) que deveriam “ser exigidos oito anos para pagamento da dívida”.
Nesse sentido, a Câmara do Bombarral enviou “atempadamente” para o Ministério da Agricultura uma proposta de plano de pagamentos à Águas do Oeste. “Propusemos um plano que contempla o pagamento da dívida num prazo de oito anos”, explica o autarca, adiantando que só desta forma poderão resolver definitivamente o problema da recuperação da dívida e, em simultâneo, cumprir o pagamento atempado das facturas correntes.

CALDAS DA RAINHA

Na autarquia caldense, Fernando Costa diz que “a Câmara tem pago todas as facturas da Águas do Oeste apresentadas, dentro dos prazos de pagamento, tanto de água como de saneamento, no valor de 150 mil euros/mês”. Pagamentos que o autarca garante que se “têm processado com toda a regularidade e sem atrasos desde o início”, mas que se referem “à água efectivamente adquirida e à prestação de serviços reais em termos de saneamento”. E é aqui que Câmara das Caldas e Águas do Oeste estão em desacordo.
É que, à semelhança do que acontece com outros concelhos, há um valor mínimo acordado que é superior às necessidades dos municípios, o que se traduz em contas superiores ao volume de água efectivamente gasta.
Daí que a Câmara aponte “uma questão apenas por resolver que tem a ver com uma factura de água que a Câmara não consumiu em 2010”. Fernando Costa diz que foram facturados “mais de 400 mil euros relativos a água que a Câmara devia ter consumido e não consumiu, segundo opinião da Águas do Oeste”. Um valor que os serviços Municipalizados entendem que “não têm de pagar”, dado que a água não foi consumida.
Embora diga entender que este montante, que ascende aos 484 mil euros, não está em dívida por não ter sido consumido, Fernando Costa admite “um eventual acordo com a Águas do Oeste para fazermos esse pagamento em parte, caso a água nos venha a ser fornecida”. E porque entende não estar em dívida, o autarca não apresentou qualquer plano à tutela.
No entanto, de acordo com a Águas do Oeste, a dívida em 31/12/2011 da Câmara das Caldas era de 838.543 euros.

NAZARÉ
A Câmara da Nazaré não quis divulgar quanto deve à Águas do Oeste, mas, segundo esta empresa, a dívida do município ascende a 3,5 milhões de euros.
A autarquia enviou à ministra Assunção Cristas uma missiva onde lembra que está em curso a negociação entre o governo de Portugal, a banca e a Associação Nacional de Municípios para financiamento às autarquias.
“Nas situações em que, após a utilização do pacote financeiro de ajuda, permaneçam montantes em dívida, o município irá iniciar um processo de negociação com a Águas de Portugal, no sentido de estabelecer um plano de regularização da dívida remanescente”, declarou o presidente da autarquia, Jorge Barroso, à tutela. Para o autarca, é preciso garantir “que as condições de pagamento a adoptar não condicionarão a gestão do próprio município”.
Mas tal como acontece nas Caldas, também na Nazaré Jorge Barroso diz que “a avaliação da dívida à Águas de Portugal será efectuada com base nos montantes associados ao serviço efectivamente prestado, ignorando, para já, os montantes baseados em Valores Mínimos Garantidos”.
A Câmara da Nazaré espera ainda a isenção de juros de mora, “apesar de este facto apenas poder vir a ser confirmado aquando da negociação do plano de pagamento”.

ÓBIDOS
A dívida da Câmara de Óbidos à Águas do Oeste é de 1,973 milhões de euros. No entanto, a este valor deverão ser subtraídos 714 mil euros correspondentes ao valor da avaliação de um terreno pela Câmara relativo à contrapartida da cessão de exploração das infra-estruturas de saneamento (ETAR do Casalito) e de 407 mil euros relativos à remuneração como accionista, em 31 de Dezembro de 2011. Contas feitas, Óbidos tem uma dívida efectiva de 852 mil euros.
A autarquia já apresentou, a 15 de Fevereiro, uma proposta de pagamento faseado à Águas do Oeste.

PENICHE
O município de Peniche não possui dívidas de água às Águas do Oeste.
No que respeita aos serviços de resíduos sólidos urbanos, esta autarquia integra a Amo Mais, que é accionista da Valorsul, e tem uma dívida vencida, à data de 31 de Janeiro de 2012, no montante de 197.964 euros. A autarquia já solicitou à ministra Assunção Cristas que a elaboração e apresentação do plano de pagamento desta dívida à Valorsul fosse realizada após a assinatura do pacote de financiamento que está a ser negociado entre o Governo de Portugal, a banca e a Associação Nacional dos Municípios Portugueses. Desta forma poderão apresentar um “plano mais adequado à realidade, e que seja também possível regularizar a dívida num período mais curto de tempo e em condições mais favoráveis do que as que seriam previsíveis assegurar no momento actual”, justifica o vereador Jorge Abrantes.
Segundo o relatório e contas da Águas do Oeste, em 31 de Dezembro passado a Câmara de Peniche devia 123 mil euros aquela empresa.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

Joana Fialho
jfialho@gazetadascaldas.pt

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

Águas do Oeste voltou aos lucros quatro anos depois

A Águas do Oeste teve em 2011 lucros de 396 mil euros, depois de ter tido consecutivamente resultados negativos desde 2008.
Os investimentos que tem realizado e o não pagamento das facturas por parte dos seus clientes-accionistas (as Câmaras são, simultaneamente, clientes e detentoras do capital da Águas do Oeste), explicam que em final de 2011 a empresa deva aos bancos 142 milhões de euros. O maior volume deste montante, porém, é devido ao Banco Europeu de Investimentos (114 milhões), sendo que a dívida à banca comercial é de 14,3 milhões de euros.
No ano passado a Águas do Oeste pagou 3,9 milhões de euros de juros. Um valor que poderia ter sido inferior se os municípios para com ela tivessem as contas em dia.
O ex-ministro da Agricultura, Francisco Nunes Correia, está contra um eventual perdão das dívidas das autarquias à Águas de Portugal (holding que detém as várias concessões de abastecimento de água no país, entre as quais a Águas do Oeste) e diz que a sua sucessora, Assunção Cristas, deverá mostrar “firmeza” por parte do governo.
Perdoar as dívidas seria “a pior coisa que podia acontecer”, disse o antigo governante à Lusa, no passado dia 7 de Março.
“É de uma gravidade enorme o Estado não ter uma postura de autoridade quanto a essa matéria. O Estado pode encontrar soluções para ajudar os municípios  a pagar, agora perdoar a dívida é uma traição aos muitos municípios que  assumiram as suas obrigações, seria uma situação absolutamente inaceitável”,  reforçou.

MINISTRA FALA EM AUMENTAR O PREÇO DA ÁGUA

Dois dias depois, em entrevista ao Diário Económico, a ministra Assunção Cristas dizia que os preços da água deverão subir para permitir sustentabilidade ao sector.
“(…) Temos um grupo Águas de Portugal com 3 mil milhões de euros de dívida, temos défices tarifários crónicos e dívidas que não são pagas à própria Águas. Queremos é resolver o problema para o futuro, mas o problema também está no financiamento. É preciso atrair dinheiro novo para se poderem fazer os investimentos”, disse Assunção Cristas.

C.C.

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