Deve-se à ACCCRO a iniciativa das Caldas participar, pela primeira vez, em 2001, no Dias sem Carros, tendo a autarquia aderido dois anos depois. A iniciativa tem sido assinalada desde então na Semana da Mobilidade
Remontam aos anos de 1956 e 1957 as primeiras experiências da interdição de circular em automóvel nas cidades, ocorridas na Bélgica, Holanda e Suíça, nos meses de dezembro e janeiro na sequência da insurreição falhada de Budapeste e da crise do Suez, face às primeiras ameaças de uma falha no abastecimento de combustíveis.
O mesmo tipo de iniciativa regressou aos mesmos países na sequência do primeiro choque petrolífero em novembro de 1973 em que foram estabelecidos alguns dias sem carros para obviar à penúria de combustível. Também em Portugal, nesse período e na sequência da ajuda de Portugal aos Estados Unidos na Guerra do Kippur (de Israel com os países árabes), foram decretadas várias medidas para limitar o uso das viaturas, nomeadamente com o encerramento das bombas de gasolina aos fins de semana e a penúria nos abastecimentos provocando imensas filas nos postos de abastecimento e a limitação na circulação por falta de combustível e pela elevação do preço.
Foi com o aumento da consciência ecológica e dos movimentos ecologistas que em 1996, já quase no final do século passado, há precisamente 30 anos, que foi sugerida institucionalmente a nível europeu, para o dia 16 de setembro, a primeira jornada voluntária do Dia Sem Carros, fechando as cidades à circulação voluntária do automóvel nesse dia específico. Mas sempre por iniciativa cidadã e voluntária, apesar do envolvimento das próprias autarquias. A primeira cidade a fazê-lo foi Reykjavik, a capital islandesa, em que as autoridades organizaram uma jornada para encorajar “uma mobilidade mais limpa, menos consumidora de energia fóssil e menos perigosa”.
Seguiu-se no ano seguinte, a cidade francesa de La Rochelle, que no dia 9 de setembro de 1997, reservou o centro da cidade para os peões, bicicletas e outros meios que não consumissem combustível fóssil, com vista a contrariar a poluição das grandes metrópoles urbanas em que havia um trânsito caótico e altamente poluidor.
Mas percorrendo as páginas da Gazeta das Caldas em Setembro de 1987 (no Suplemento ecologista Pela Vida que se publicou largos anos) encontra-se o primeiro apelo para o dia sem automóveis, com um significativo desenho de uma cidade fortemente poluída pelo trânsito viário. Nele se reinventava o papel da bicicleta e se apelava para “andar a pé, que faz muito bem e mantém a boa forma”. Foi há quase 40 anos.
A partir de 1998 muitas outras cidades em todo o mundo seguiram o exemplo da cidade costeira francesa, que era então um exemplo de práticas verdadeiramente ecologistas, tendo em 2005 chegado às mil e quintas cidades em todo o mundo, especialmente no mundo rico e industrializado. Mas em 1998 a iniciativa foi recuperada ao nível europeu, com o estabelecimento cumulativo da Semana da Mobilidade com uma atenção especial pelas questões das alterações climáticas, fixando o dia sem carros para 22 de setembro, coincidindo com o primeiro dia do Outono e para obviar às dificuldades e adesão maciça apenas de um dia sem carros. Outra alteração em certas cidades foi a passagem do dia sem carros para o sábado anterior ao dia 22 de setembro, passando nesse dia a serem gratuitos os transportes em comum.
Nas Caldas no ano de 2000, foi a primeira vez que se fala desta hipótese de comemorar o dia europeu sem carros, quando o Presidente da Câmara diz à Gazeta que prefere “esperar para ver” os resultados da primeira experiência em Portugal, a que se associaram no nosso país apenas 7 cidades. Na região apenas Alcobaça aderiu informalmente. Mesmo assim o município encerrou nesta altura várias ruas ao trânsito, nomeadamente a Rua Dr. Júlio Lopes, a Travessa do Parque e o Largo Dr. José Barbosa.
Por curiosidade, e contraditoriamente, a Gazeta anunciava que na ligação a Lisboa só restava um comboio diário. Em título o jornal registava neste dia “Nas Caldas, uma normal e congestionada sexta-feira”. Gazeta que aproveitou a ocasião para realizar várias entrevistas a populares, verificou que a maioria achou uma boa iniciativa, apesar de algumas pessoas dizerem que preferiam que fosse ao sábado ou domingo.
No ano seguinte, coube à Associação dos Comerciantes (ACCCRO) tomar a iniciativa de participar, perante a continuada ausência do município (o presidente dessa época, Fernando Costa, “disse que era só folclore”), que se desculpou com essa iniciativa associativa. Nesse ano 51 cidades portugueses aderiram. Nas redondezas participou Leiria, Lourinhã e Torres Vedras. A Associação dos Auto-Mobilizados propôs que se instituísse o “Dia Sem Carros nos Passeios”. Luís Cajão da ACCCRO fez um balanço positivo da iniciativa.
Em 2002 a autarquia uma vez mais não se associou formalmente ao Dia sem Carros, mas tomou algumas medidas no âmbito da Semana Europeia da Mobilidade, com projetos de valorização do espaço público, propostas pelo seu Gabinete de Planeamento, naquilo que a Gazeta considerou um “dia sem carros bastante envergonhado”.
Em 2003 o município aderiu pela primeira vez formalmente ao Dia Europeu Sem Carros e à Semana da Mobilidade, numa ocasião em que aderiram 320 cidade de 21 países europeus, 25 das quais portuguesas. Neste ano a cidade viu as ruas do centro histórico fechadas ao trânsito. A iniciativa foi coordenada pelo então vereador eleito nas listas do PSD Jorge Mangorrinha.
Em 2005 apenas encerrou ao trânsito a Praça da República entre as 16 e as 22 horas e a Rua Heróis da Grande Guerra entre as 10 e as 17 horas, e o tema foi normalizando e pouco comemorado nos anos seguintes.
Por exemplo, em 2009 a Semana da Mobilidade foi comemorada com a inauguração da terceira linha do Toma e o lançamento de um inovador serviço de aluguer de bicicletas “Rainhas” que era para estarem disponíveis em vários pontos da cidade, tendo as prometidas 300 bicicletas nunca chegado às ruas da cidade. A utilização das “Rainhas” era prometido com a utilização de um cartão recarregável que nunca existiu.
Em 2013 a Semana Europeia da Mobilidade começou timidamente nas Caldas da Rainha, numa segunda-feira, com a apresentação de uma nova oferta do transporte público no concelho, denominada Rocaldas que também morreu à nascença. Neste ano, em que foi reaberto o trânsito automóvel na rua Heróis da Grande Guerra (o seu encerramento foi sempre uma bandeira de edições anteriores da Semana Europeia da Mobilidade), a autarquia promoveu menos atividades do que era habitual e não aderiu ao Dia Sem Carros. Apenas à noite se realizou um passeio de bicicleta e no dia seguinte um percurso turístico de Arte Nova, organizado pela ETEO.
As Bicicletas Rainhas voltaram em 2015 numa proposta vencedora do Orçamento Participativo, que começou a ser implementada em 2019 e lançado em setembro de 2021. Mas as bicicletas só tiveram alguma visibilidade no primeiro ano, pelos alunos da Unidade de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE), da escola Rafael Bordalo Pinheiro, que receberam cartões do município que permitiam o seu uso. E o sistema falhou até hoje, mantendo-se um cemitério de ferros nalgumas ruas da cidade que viram desaparecer as bicicletas que ali estiveram instaladas no início.
Fazer esta história dos dias sem carros implicava aprofundar mais a trajetória seguida pelas Caldas da Rainha, mas tal não é possível neste espaço e apenas fica este testemunho para lembrar o que foi o tema nos últimos três quartos de século, quando teve visibilidade pela primeira vez.































