O Ministério da Saúde já decidiu que em vez de um novo hospital, Caldas da Rainha terá que ampliar o actual edifício, mas o Conselho da Cidade considera que ainda há base para se discutir qual a melhor hipótese, tendo promovido um debate sobre o assunto no passado sábado, dia 13, no CCC.
Nuno Valadas, do Conselho da Cidade, explicou que aquela entidade quis convidar várias personalidades caldenses para debater “os prós e os contras de cada uma destas hipóteses”.
Na mesa estavam José Marques Serralheiro (a defender a hipótese do novo hospital), Mário Gonçalves (que é defensor da ampliação) e a vereadora Maria da Conceição.
A Mário Gonçalves, ex-director do Centro Hospitalar, coube a dupla tarefa de interveniente e moderador, o que lhe valeu uma crítica por parte do médico António Curado, que preferia que a moderação fosse feita por alguém mais imparcial.
Mesmo após de três horas de discussão não houve unanimidade, excepto no que diz respeito à necessidade de dotar as Caldas de melhores condições na área da saúde porque o actual hospital está quase em ruptura.
Para 4 de Dezembro o Conselho da Cidade está a preparar um novo debate sobre o termalismo nas Caldas da Rainha, numa sessão que vai ter lugar na Biblioteca Municipal.
Presente no debate de dia 13, o presidente do Turismo do Oeste, António Carneiro, disse ser premente para o turismo da região que se defina o relançamento do termalismo. “O problema das Caldas é pensarem que são uma cidade termal e não são”, considera. No entanto, acha que esta é a única cidade do país que pode almejar a ter essa designação.
António Carneiro revelou que recentemente um grande grupo suíço adquiriu as termas do Vimeiro e de Monfortinho. “É um grupo que entrou em Portugal com muito dinheiro e quer crescer. Tenho conversado muito com eles, mas é preciso que primeiro se defina um modelo para o relançamento do termalismo nas Caldas”, adiantou.
O responsável disse ainda que é importante para o turismo que existam bons serviços de saúde na região.
O mentor do hospital Oeste Norte
O administrador hospitalar José Marques foi a primeira pessoa a surgir com a ideia construção de um novo hospital nas Caldas da Rainha e continua a dizer que não entende como se pode continuar a querer uma ampliação.
Os inconvenientes da própria obra de ampliação para o dia-a-dia de um hospital e o facto de achar que não ficará mais barato ampliar do que construir um novo edifício, são alguns dos factores que o leva a defender a segunda hipótese.
José Marques, que já foi administrador no Centro Hospitalar das Caldas, entende que o hospital é ingovernável em termos de logística de gestão. “Tem de se discutir qual é a mais-valia funcional da ampliação”, referiu, acrescentado que segundo a Organização Mundial de Saúde, nos próximos 20 anos as necessidades em cuidados de saúde vão aumentar em 300 por cento.
A tecnologia médica tem evoluído tanto, que José Marques teme que fazer uma ampliação trará problemas futuros.
José Marques lembrou que há uma resolução do Conselho de Ministros de Agosto de 2008 sobre o Programa de Acção para o Oeste, que inclui um investimento de 80 a 120 milhões de euros para o novo hospital, a qual nunca foi revogada.
“Dizia-se sempre que não havia dinheiro, mas afinal houve dinheiro para outras coisas”, comentou.
Em defesa da construção de um novo hospital falou também o médico António Curado, que já tinha sido um dos subscritores de um manifesto nesse sentido promovido por vários profissionais de saúde das Caldas. Este especialista em gastro acha que se deve dimensionar essa nova unidade tendo em conta que este vai servir a população de todo o Oeste Norte.
A intervenção de José Marques fez-se também de algumas provocações, como quando disse que “há gente a mais no Hospital das Caldas”. Mais tarde, o director do Centro Hospitalar Oeste Norte, Carlos Sá, disse discordar desta afirmação. “Eu não detectei isso e se existirem pessoas a mais, alguém que o prove”, adiantou.
Em resposta José Marques afirmou que Caldas tem o hospital do país com mais profissionais por número de camas. “Como é que se explica que o hospital tem um endividamento de 40 milhões de euros? Tem a ver também com isso, com certeza”, disse ainda.
O administrador hospitalar contou ainda que recentemente um assessor do primeiro-ministro lhe terá dito que se não há um novo hospital no Oeste Norte “podem agradecer aos presidentes da Câmara das Caldas e de Alcobaça”, por terem entrado em desacordo quanto à localização.
Embora José Marques seja do concelho de Alcobaça, acha que a centralidade das Caldas da Rainha não deveria ser objecto de discussão quanto à localização de um novo hospital.
O arquitecto Jaime Neto também comentou que o que aconteceu foi uma “guerra de alecrim e manjerona”, apenas com intenções bairristas. “Caldas tem que dialogar com os municípios vizinhos para assumir o seu papel regional”, disse.
Ex-director do hospital defende ampliação
O ex-presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar das Caldas, Mário Gonçalves, socorreu-se da história passada desta instituição para lembrar a importância que tem tido na saúde da região.
“As potencialidades do hospital distrital deveriam ter uma expressão mais apropriada se dispuséssemos de um dimensionamento hospitalar adaptado à realidade”, defendeu.
O médico salientou que, de acordo com os conceitos da OMS, o hospital das Caldas satisfaz todos os critérios para a implantação de uma unidade diferenciada e correctamente dimensionada. A fazer-se a ampliação prometida pelo governo, Mário Gonçalves considera que o hospital passará a ter os meios físicos que “lhe permitirão aceitar os desafios de uma gestão modernizada”.
Mário Gonçalves explicou a forma como o programa funcional da segunda fase de ampliação do hospital das Caldas, que data de 1996, “tem como imperativo melhorar os serviços prestados utentes, tanto ao nível qualitativo como quantitativo”, através de uma correcta capacidade de internamento e adequado apoio do ambulatório.
O projecto de arquitectura para a ampliação do hospital já está a ser elaborado no gabinete de Ilídio Pelicano, sendo que, segundo Mário Gonçalves, “o novo bloco do edifício deverá implantar-se paralelamente ao existente, de modo a beneficiar de melhor exposição solar”.
O antigo responsável lembrou ainda que a central técnica do hospital foi dimensionada para as exigências da segunda fase da sua ampliação.
Mário Gonçalves apresentou ainda um quadro com as áreas atribuídas a cada um dos sectores de actividade no programa funcional.
A importância de manter o hospital nas Caldas
A vereadora Maria da Conceição, em substituição do presidente da Câmara – que não esteve presente ao contrário do que tinha sido anunciado -, salientou que se tem procurado discutir este tema com muita abrangência “para que não sejam as divisões que levem à sua não concretização”.
A autarca recordou que as ampliações do hospital distrital são uma luta antiga do concelho. “Infelizmente nunca conseguimos concretizar a segunda fase de ampliação, apesar do empenho da Câmara e da Assembleia Municipal”, referiu.
Para Maria da Conceição, o mais importante foi garantir que o hospital ficasse no concelho. “Em número de funcionários, é a maior empresa das Caldas da Rainha”, salientou, lembrando ainda o impacto positivo que tem na economia do centro da cidade.
“A Câmara gostaria que Caldas ficasse dotada de uma nova unidade, mas se tal não é possível, que tenhamos um hospital com as condições necessárias”, afirmou. Até porque a Câmara comprou terrenos para essa obra.
Apesar desta “vitória”, a também deputada na Assembleia da República alertou para o facto de não existir nenhuma referência à ampliação do hospital no Orçamento de Estado de 2011.
Durante o debate, Vasco Trancoso, outro ex-director do centro hospitalar, lamentou que a solução para o hospital e para o termalismo continue a ser adiada. “Em 2003 já estava em fase de projecto a ampliação do hospital distrital, com o estudo prévio para aprovação final”, contou. O processo só não avançou por causa de algumas alterações ao nível da tutela. “Se tivesse sido aprovado na altura, já existia dinheiro em PIDDAC e se calhar desde 2007 já teríamos a ampliação”, concluiu.
Vasco Trancoso aproveitou para esclarecer que, de acordo com um estudo geotécnico realizado há alguns anos, o projecto de ampliação não põe em causa o aquífero de água termal.
O deputado municipal Fernando Rocha lançou o repto para que se exija do governo um despacho concreto sobre a ampliação ou construção de um novo hospital.
Nova administração já está a tomar medidas
Carlos Sá começou por dizer que está há menos de três meses no cargo de presidente do Conselho de Administração e por isso entendeu não fazer uma intervenção sobre a questão de se fazer um novo hospital ou ampliar o existente.
O que está previsto é que se faça a ampliação desta unidade nas Caldas, construir uma unidade nova em Alcobaça e readaptar o hospital de Peniche. Até que isso seja feito, explicou, o seu papel é o de procurar sinergias entre estes três hospitais.
“Este Conselho de Administração tomou posse com o objectivo de tornar o CHON numa unidade de referência ao nível clínico, da gestão e da inovação”, afirmou.
Foi nomeado para os três hospitais um chefe de serviços único e vai ser alargado o número de especialidades de consultas externas em Alcobaça e Peniche.
Outra medida foi a decisão de adquirir um TAC para o hospital das Caldas, evitando desta forma que se recorra a serviços externos para este serviço. “Não faz qualquer sentido que uma unidade como esta não tenha um TAC, sendo necessário enviar os doentes para outras unidades, privadas ou públicas”, disse.
Carlos Sá quer também que se comece a olhar para o problema da saúde nas Caldas como algo que atinge a todos e por isso vai apostar no mecenato, para que a sociedade civil também ajude o Centro Hospitalar.
Centro urbano deveria ser potenciado como um parque de saúde
Jorge Mangorrinha, ex-vereador do Planeamento Urbanístico das Caldas da Rainha, acha que se deve potenciar o centro urbano como parque de saúde, integrando aspectos patrimoniais, de cultura e Natureza, apostando numa sociedade criativa.
“É preciso que a economia criadora seja valorizada através, por exemplo, da acção junto do património e do reforço das identidades locais, que tem consequências efectivas no desenvolvimento”, defendeu, numa apresentação feita na abertura do debate promovido pelo Conselho da Cidade.
“A diversidade cultural, a multiplicidade de usos urbanos e a difusão de tecnologias de comunicação rasgam as fronteiras do quotidiano dos lugares”, referiu na sua alocução.
“Em 2010, afinal o que quer ser esta cidade? Nela, qual o papel dos vários temas sujeitos a este ciclo de debates? Será que pode ser uma cidade hospitalar ou de saúde, uma cidade com termas ou termal, uma cidade de cultura e turística? Qual o papel da revisão do PDM na assunção de um conceito identitário único ou misto para a cidade?”, foram as questões que o ex-vereador deixou no ar.
Doutorado em Urbanismo e investigador em Termalismo e Ordenamento Turístico, Jorge Mangorrinha deu o exemplo da cidade inglesa de Bath, em Inglaterra, que sobreviveu exportando a sua imagem de cidade termal, entre 1976, quando as suas termas fecharam por inquinação das águas, até à abertura do novo balneário termal, em 2006.
“Isto foi possível porque manteve a sua imagética urbana e turística associada a essa identidade, mesmo sem ter nesse largo período um balneário em funcionamento”, reforçou.
Na sua opinião, serão as decisões futuras que irão condicionar o percurso desta cidade: “será que é uma cidade fechada em si mesma, ou uma cidade que dialoga, a uma outra escala, com a região envolvente, dando as mãos a outros municípios na partilha de equipamentos, sejam eles de saúde ou industriais, por exemplo?”.
O investigador quer que as entidades públicas ouçam a população e as forças vivas. “Há que escutar os sons da cidade, os seus risos e dores. E sabemos como muito desses sons emitidos são ignorados por alguns actores da cidade. Escutar é entender. Entender para transformar”, disse.
Jorge Mangorrinha defende que as Caldas da Rainha podiam ter há muitas décadas apostado em eixos estratégicos, com base nas suas características e heranças naturais e culturais.
São estes o eixo das águas, das termas ao mar, o eixo patrimonial, das Caldas a Óbidos, o eixo comercial, das termas ao caminho-de-ferro e o eixo ecológico, coincidente com a zona intermédia do Perímetro de Protecção Termal, “onde se deveriam ter preservado reservas estratégicas de terrenos”.
Actores locais devem decidir melhor solução
Sobre a questão da construção de um novo hospital, Jorge Mangorrinha socorreu-se de elementos históricos relacionados com a construção do actual edifício, na década de 50.
Em 1958 o jornal Diário Popular noticiava que a população discordava da pretensão em construir o Hospital na Mata, já que a própria Misericórdia possuía terrenos em redor do Hospital de Santo Isidoro, “na periferia da cidade, como convém”.
No entanto, foi decidido que este deveria complementar ao Hospital Termal, daí a sua localização no centro da cidade.
“Essa articulação do novo hospital com o hospital termal, apesar de um recuo relativamente à iniciativa de final do século XIX, suportou-se também na ideia de se criar nas Caldas um Centro Nacional de Reumatologia, mas tal nunca viria a acontecer”, comentou o especialista.
Quanto ao futuro deste edifício defende que podia passar por uma ponderação que incluísse vários factores, “mas acho que tem sentido recuperar a sua origem programática e enquadrá-la numa forte ligação às termas, independentemente de ser ampliado ou não”.
Na sua opinião, deve-se aproveitar esta singularidade como elemento programático “porque a relação com o termal é um factor inteligente de optimização das preexistências e dos investimentos públicos que em 50 anos ali foram realizados”.
A nova entidade física seria repensada como hospital que integraria uma componente reumatológica, que ainda hoje seria único.
Jorge Mangorrinha lembrou que neste momento o Ministério da Saúde decidiu-se pela ampliação do hospital, mas defende que “cabe aos actores locais defenderem a melhor solução junto de quem de direito”.































