Uma “força da natureza”, “rigorosa” e “super” são alguns dos adjetivos que caraterizam Deolinda Ribeiro, que dedicou a vida ao ensino, nunca esquecendo as raízes, na aldeia do Chão da Parada
Teve honras de notícias de jornal. Iniciava-se o mês de setembro de 1945 e Deolinda Margarida Ribeiro acabara de licenciar-se na Faculdade de Letras de Coimbra, com uma “excelente classificação”, e tornava-se a primeira mulher do concelho a formar-se numa universidade.
A caldense licenciou-se em Coimbra, em 1945, com uma tese sobre a vida da Rainha D. Leonor
A Gazeta das Caldas dá nota do feito e explica que a temática da tese escolhida pela aluna, natural do Chão da Parada, foi a “vida da alta figura da fundadora das Caldas”, a que deu o título de “A acção da Rainha D. Leonor na vida portuguesa”.
Concluídos os estudos, Deolinda Ribeiro dedicou-se à investigação e, depois, ao ensino. Foi nas aulas de Filosofia e de História, no Colégio Ramalho Ortigão, que o jovem José Manuel Pereira da Silva tomou o primeiro contacto com aquela que viria a ter uma presença forte na vida e que mais tarde iria apelidar de “super amiga”.
Dos tempos do liceu lembra a relação tensa com a professora “autoritária e muito rígida”, que tinha uma didática muito esquemática, mas que, depois, viria a reconhecer que aquela metodologia era uma forma prática de organizarem o pensamento.
Das aulas de Filosofia, em particular, recorda o capítulo “doloroso” para os alunos da Teoria do Conhecimento, em que acabaram as aulas com os antebraços doridos por tanto escrever. “Salvava-os” saber que a professora tinha uma “paixão” por automóveis e, sempre que queriam descansar um pouco, pediam ao colega da turma entendido na matéria para falar sobre as novidades no setor.
“Era uma professora engraçada, uma figura ímpar”, recorda José Manuel Pereira da Silva, dando nota da rigidez com que abordava a matéria era intervalada com algumas anedotas e não esquece que foi ela quem o “batizou” de “Sô Pereira da Silva” e que o considerava um rebelde e “fresco”.
Anos mais tarde, os caminhos de ambos voltariam a cruzar-se, quando Pereira da Silva começou a dar aulas na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (ano letivo de 1975-76) e, como colegas, desenvolveram uma “grande amizade”.
Eram os tempos conturbados do pós-25 de Abril e Deolinda Ribeiro, que, no regime de Salazar, tinha sido subdiretora da escola, temia vir a sofrer consequências, tal como alguns professores que foram afastados dos cargos de direção.
Durante todo o seu percurso granjeou respeito entre os colegas e alunos
Porém, tal não se veio a verificar, tendo em conta que a caldense tinha nas escolas muitos amigos, entre os professores mais velhos e ex-alunos, e “manteve intacto o seu prestígio junto de todos”, recorda.
Naquela época, os professores faziam “muito mais vida em comum”, partilha José Manuel Pereira da Silva, lembrando as jantaradas das quintas-feiras, seguidas de uma ida à boite, e que Deolinda Ribeiro fazia questão de acompanhar, também para dançar. “Nessa altura estaria já à beira da reforma mas mantinha um caráter muito jovial”, conta o amigo.

Entre o ensino e o campo
José Manuel Pereira da Silva não sabe como Deolinda Ribeiro ganhou a alcunha de “Super homem”, mas talvez fosse pelo facto de a professora, quando acabava as aulas, voltar para casa, no Chão da Parada, para tratar dos animais e cultivar a terra.
“Desde muito nova que a figura dela no imaginário das pessoas do Chão da Parada era a da mulher que conseguiu ser licenciada, uma doutora, mas que se habituaram a ver em cima de um burro e, mais tarde, de um trator, a tratar dos campos”, conta, dando nota desta personagem extraordinária. Há anos, partilhou também a sua convivência e amizade com Deolinda Ribeiro no “Álbum de Figuras Caldenses 1990/1991”, de Vasco Trancoso, uma obra com caricatura e pequenos textos sobre as figuras mais carismáticas das Caldas.
Se fosse viva, Deolinda Ribeiro faria no próximo Dia da Mulher, que se assinala a 8 de março, 101 anos. Faleceu a 2 de dezembro de 1999. Mas a primeira caldense a licenciar-se deixou uma marca na cidade. ■
Nasceu em 1920 no Chão da Parada e licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Coimbra em 1945, com a tese “A Acção da Rainha D. Leonor na Vida Portuguesa”. Especializou-se como Bibliotecária Arquivista em 1947 e investigou na Torre do Tombo até 1952. Foi professora de História e Filosofia no ensino secundário, nomeadamente em Peniche e nas Caldas da Rainha. Foi atribuído, em homenagem póstuma, o seu nome ao Centro de Formação de Associação de Escolas Dr.ª Deolinda Ribeiro, nas Caldas da Rainha. Durante toda a sua vida, a par do ensino, dedicou-se à agricultura, cultivando os campos que possuía no Chão da Parada
































