Debate sobre as termas caldenses aviva “dores” antigas

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Desta vez as línguas começaram a soltar-se (e apesar de não estarem presentes alguns dos visados, como o presidente da Câmara e o anterior presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar) o debate sobre o Hospital Termal demonstrou que afinal não será ainda desta que o assunto toma rumo.
O relato do debater que se segue mostra que há muitas mágoas e feridas por sarar e que estas oportunidades em vez de servirem para lançar e criar consensos e propor acções inovadoras que despertem as termas caldenses, servem para lançar novas flechas e acirrar ânimos.
Gazeta das Caldas abre as suas colunas aos caldenses e não só que queiram apresentar propostas alternativas ou ideias inovadoras em relação aquilo que é a marca genética das Caldas da Rainha e cuja propriedade não é monopólio de ninguém.

João Almeida Dias apresentou várias ideias para o termalismo nas Caldas

“O conceito e a prática do termalismo das Caldas da Rainha deve evoluir para um conceito de cluster de saúde e bem-estar termal, capaz de responder às oportunidades evidentes do mercado nacional e internacional”, defende João Almeida Dias, ex-administrador termal e especialista nesta área, durante o debate promovido pelo Conselho da Cidade, a 4 de Dezembro no CCC.
Sem a presença de um representante do grupo do ISCTE que está a fazer um estudo sobre o desenvolvimento termal, o debate começou com intervenções de João Almeida Dias, do ex-vereador Jorge Mangorrinha e do biólogo Fernando Mangas Catarino.
João Almeida Dias defendeu que o termalismo poderá ser “a âncora para desenvolvimento sustentável da cidade”.
Para que isso seja conseguido, defende que o Estado, a autarquia e a iniciativa privada devem congregar esforços para que se estabeleça um programa de intervenção que possibilite a criação de um centro de diagnóstico e investigação de excelência no domínio das doenças reumáticas, músculo esqueléticas e respiratórias, um centro termal dotado das melhores técnicas hidroterápicas e complementares associados, um centro de reabilitação física e ocupacional, e ainda um centro de cirurgia ortopédica reconstrutiva e traumatológica.
Tudo isto associado a um centro de formação profissional nas áreas deste sector, um hotel balneário termal, um centro de bem-estar termal e um núcleo residencial integrado para idosos.
As águas termais são um recurso renovável e que está longe de ser aproveitado em toda a sua potencialidade. “Neste momento é possível utilizar 1200 metros cúbicos de água termal por dia”, salientou o especialista, que até acha ser possível extrair mais água se se utilizarem técnicas mais modernas.

Saúde é um conceito abrangente

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“A saúde termal é hoje claramente um conceito abrangente que começa no diagnóstico diferencial e se explicita na prevenção, terapêutica, reabilitação e cuidados continuados”, explicou João Almeida Dias.
Para que isso fosse possível, João Almeida Dias acha que isso implica a integração de todos os espaços do Centro Hospitalar e a deslocação de hospital para um outro local.
Há oportunidades que não deveriam ser descuradas, como é o facto de mais de 20% da população sofrer de problemas relacionados com doenças reumáticas e as termas das Caldas são indicadas para o seu tratamento. O próprio Estado poderia poupar muito dinheiro em medicamentos dos doentes crónicos se houvesse uma indicação para que estes utilizassem.
O especialista entende que as Caldas da Rainha tem características e recursos que lhe permitem encontrar nesta crise económica uma oportunidade.
“Para tal precisam de ter a coragem de assumir decisões estratégicas e de passar a olhar a sua realidade numa óptica de longo prazo”, defende. Uma das vantagens do termalismo é que é uma actividade de mão-de-obra intensiva, o que permite criar mais postos de emprego.
Elencando os vários factores que fazem das Caldas uma cidade com grande potencial, desde a sua localização geográfica ao ambiente natural, João Almeida Dias disse que é possível projectar um futuro sustentável “desde que achadas as âncoras de desenvolvimento adequadas”.
Na sua opinião, o termalismo constitui para as Caldas a mais importante memória cultural e patrimonial. É um recurso “único, renovável, de utilização local e não deslocalizável”.
O especialista teme que este património possa estar em risco e por isso acha muito importante que haja planos para a sua preservação e aproveitamento.
“É ao termalismo que a cidade deve o factor diferenciador e atractivo que a pode valorizar aos olhos de nacionais e estrangeiros”, disse.
Para João Almeida Dias, pode-se correr o risco de transformar as Caldas numa cidade suburbana. “Em muitos sítios as Caldas já se tem a sensação de estar numa localidade suburbana”, afirmou.

“O que é uma cidade termal?”

Jorge Mangorrinha começou a sua intervenção com a pergunta: “o que é uma cidade termal?”. Na sua opinião, as cidades e estâncias termais, com as suas características próprias, são espaços intrinsecamente de saúde e lazer. “Mas há outras coisas, porque através dos tempos ganharam outras funções e outros desempenhos estratégicos”, disse.
“Uma cidade termal é um ecossistema cujo modelo de desenvolvimento se suporta num recurso essencial – a água ”, defendeu.
É por isso que defende a salvaguarda do perímetro de protecção termal relativamente às captações de água subterrânea. “Caso contrário, é posto em causa o futuro da actividade termal, dado que a poluição de um aquífero é, por vezes, irreversível ou de regeneração difícil”, comentou, aludindo às dúvidas sobre o projecto de ampliação do Hospital das Caldas e a forma como este poderá afectar o aquífero termal.
Para Jorge Mangorrinha, as cidades termais têm todas as características para assumir o estatuto de “smartlands” (territórios onde prevaleça o conjunto selectivo de actuações prioritárias que tenham um efeito demonstrativo positivo).
O “ecossistema termal” pode ser definido como um conjunto urbano, dotado de infra-estruturas e serviços necessários à função predominante e às funções urbanas complementares.
Jorge Mangorrinha deu como exemplos casos europeus, onde a intervenção nas áreas históricas tem tido um efeito motivador de regeneração e afirmação urbanas, “com efeitos claros no reforço da sua atractividade turística”.
Em todos esses casos internacionais “a vontade política e a gestão administrativa das termas foram fundamentais neste processo, como forma de impulsionar e consolidar o desenvolvimento da cidade, reorganizar as deslocações e reestruturar os transportes, garantir o acesso a todos e associar as infra-estruturas de transporte ao desenvolvimento urbano”.
Jorge Mangorrinha comparou os casos das Caldas da Rainha e de Chaves, duas cidades portuguesas com termas no seu perímetro urbano.
“Em Chaves já se notam os resultados das intervenções previstas. Menos bem, o caso das Caldas da Rainha é revelador, por um lado, do impasse sobre a definição de um futuro para o relançamento do termalismo por parte do ministério da Saúde e, por outro, da descontinuidade de actuação por parte do poder autárquico”, afirmou, acrescentando que havia boas intenções no Plano Estratégico das Caldas “traçado num período em que a valorização da identidade termal foi bem marcada, local e externamente”. Ou seja, referindo-se ao período em que foi vereador da Câmara das Caldas.

Parque de Saúde nas Caldas

Na sua intervenção, Jorge Mangorrinha defendeu que Caldas da Rainha tem um desafio pela frente, “a começar à escala do seu centro urbano, para o qual já defendemos o conceito de Parque de Saúde, potenciando patrimónios comuns”.
Esta estratégia teria vantagens de desenvolvimento do ponto de vista do emprego, dos novos negócios e produtos, dos novos mercados, da procura turística, da imagem urbana e da investigação científica e tecnológica.
Por outro lado, acha que a salvaguarda da coroa verde existente, a nascente e a sul da Mata Rainha D. Leonor, podia ter servido de área de reserva estratégica no contexto termal.
Jorge Mangorrinha criticou a “falta de estratégia continuada e gestão turística municipal, a nível territorial, para articular todos os produtores de serviços” ao nível do turismo.
“Como consequência, Caldas da Rainha tem sido, nas últimas décadas, um caso exemplar negativo de como tem perdido personalidade clara no mercado”, afirmou.
Ainda fazendo uma comparação com Chaves, lamentou que nas Caldas não tenha existido ainda uma convergência de interesses dos seus agentes políticos “para prosseguir um futuro verdadeiramente distinto e qualificado, com base na regeneração do seu centro urbano, onde se localizam as termas”.

Biólogo explicou ideias de Jorge Mangorrinha

O biólogo Fernando Mangas Catarino fez uma apresentação que se baseou nas ideias explanadas no blogue do seu amigo Jorge Mangorrinha (aoencontrodasaguas.blogspot.com).
Admitindo não conhecer muito bem a realidade do termalismo e das Caldas, Fernando Catarino explicou que as ideias que apresentou são quase todas da autoria de Jorge Mangorrinha e da sua mulher, Helena Pinto.
Fernando Catarino achou interessante a ideia do eixo das águas, das termas ao mar. “Por uma conjugação de acidentes geo-morfológicos, Caldas está a uma pequena distância de coisas muito valiosas e procuradas”, afirmou.
Em relação ao eixo patrimonial, assinalou o centro histórico das Caldas e o património deixado pela histórica da cerâmica. Salientou ainda que Caldas e Óbidos têm que “puxar em conjunto o mesmo carro”.
Também sobre Óbidos, Fernando Catarino referiu-se aos condomínios privados no Bom Sucesso dizendo que “são autênticas fortalezas que perturbam bastante toda aquela região”. Na sua opinião, aquela zona poderá vir a ser no futuro uma espécie de Marbella.
O biólogo deixou o desejo de que todos contribuíssem para melhorar a cidade, embora admita que é sempre difícil fazer alterações numa cidade com tanta história. “É preciso acção política e cidadania”, disse.
A sua prioridade, enquanto biólogo, é a da protecção da zona intermédia da zona de protecção termal “onde se deveriam ter preservado reservas estratégicas”. Fernando Catarino afirmou mesmo que, por um lado, “ainda bem que estamos em crise porque assim podemos pensar no que vai ser feito na ampliação prevista no hospital”.
Em resposta a esta afirmação, o deputado municipal do PCP, António Bastos, salientou que há graves problemas no sector da saúde no concelho e a sua resolução não pode ser adiada.
O comunista disse que o problema do relançamento do termalismo é a falta de dinâmica política, não só pelos sucessivos governos, mas também pela autarquia local.
Na mesa como moderador, Mário Gonçalves também interveio durante o debate lembrando que a concessão da água mineral  natural data apenas de 1995, com vista a dar continuidade a um projecto de expansão do termalismo que vinha já da década de 80.
Este projecto, que envolveu várias entidades locais e nacionais, teve aprovação ministerial, “mas foi avocado por razões que ainda estão por esclarecer”.
Em 1995 Caldas era a segunda maior estância termal do país, com 8000 utentes por ano, quatro vezes mais do que actualmente.
Mário Gonçalves recordou o aparecimento da bactéria pseudomona durante análises de rotina, que provocaram o encerramento do hospital termal e prejudicaram o relançamento do termalismo.

Intervenção de vereador suscita críticas

O vereador Hugo Oliveira também interveio durante o debate, dizendo que só se pode pensar as Caldas tendo em conta o termalismo, sendo necessário tomar decisões para que esta volte a ser uma cidade termal.
Responsável pelo projecto de regeneração urbana, Hugo Oliveira acha importante que se criem condições para que os visitantes se sintam bem na cidade.
O vereador informou que tem reunido com os especialistas do ISCTE que estão a realizar um estudo sobre o futuro do termalismo nas Caldas.
Como o vereador comentou que achava que os caldenses não sentem que o Parque e a Mata sejam seus, Helena Pinto (mulher de Jorge Mangorrinha e ex-director do museu do Hospital e das Caldas) disse que a Câmara tem um papel muito importante como dinamizador de estratégias para animar aqueles espaços “porque o centro hospitalar tem outras prioridades, apesar de muito já ter sido feito”.
A investigadora não acredita que a administração do Centro Hospitalar recusasse participar em programas bem articulados de animação e divulgação cultural.
Helena Pinto acha que a Câmara deve assumir esse papel já e não esperar que passe a ser a entidade gestora destes espaços verdes. Comentou, por exemplo, o facto de continuar a ser permitido o estacionamento ao longo da rua Rafael Bordalo Pinheiro apesar de existir um local próprio para isso na antiga parada.
Hugo Oliveira esclareceu que apenas quis explicar que não existe uma ligação forte entre a população e o parque e a mata, como em tempos acontecia. O vereador concordou com a importância da Câmara na dinamização de actividades no parque, mas lamentou que “depois do dr. Mário Gonçalves” tivessem existido algumas administrações do Centro Hospitalar com menos abertura do que acontece actualmente.
Helena Pinto ainda acrescentou que noutras termas é que existem mesmo barreiras físicas para o acesso aos espaços verdes, enquanto que nas Caldas continua a ser possível visitá-los livremente.
Mário Gonçalves comentaria também, em relação à intervenção de Hugo Oliveira sobre a importância do termalismo, que “a descaracterização da malha urbana aconteceu em grande parte depois do 25 de Abril”. Na opinião do ex-administrador, poderá ter sido a partir daí que começou “a falta de reconhecimento por parte do poder autárquico da importância das termas”.
Por outro lado, Jorge Mangorrinha fez questão de lembrar a Hugo Oliveira que foi seu colega como vereador e nessa altura apresentou um projecto de relançamento do termalismo “que não foi facilitado internamente na Câmara e foi boicotado pelo presidente do conselho de administração do centro hospitalar da altura [Vasco Trancoso]”.
Jorge Mangorrinha não aceitou por isso que Hugo Oliveira venha agora dizer que a autarquia está muito interessada no relançamento do termalismo. “Uma das lutas que tive foi retirar o trânsito do largo do hospital termal, o que neste momento não está a acontecer”, referiu.
Em resposta, Hugo Oliveira esclareceu que essa será uma das zonas a ser intervencionada no projecto de reabilitação urbana das Caldas.
No final do debate, a última intervenção coube a Jorge Mangorrinha que deixou o desejo de que a Câmara das Caldas construa um parque urbano. Dirigindo-se a Hugo Oliveira, pediu que elaborasse um roteiro turístico digno desse nome “porque a sua antecessora nunca o fez” (referindo-se à vereadora Maria da Conceição que tinha o pelouro do turismo).
Jorge Mangorrinha disse ainda que não tem muitas expectativas em relação ao estudo sobre o termalismo nas Caldas  que está a ser feito pelo ISCTE, porque conhece as pessoas que estão a elaborá-lo “que nunca foram a termas ou escreveram sobre o tema”.

Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt

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