Daniela Reis e João Serigado usam a arte para combater as suas doenças

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O antigo sargento-mor tem na sua sala recordações da vida militar. Possui duas Cruzes de Guerra. | N.N.

Daniela Reis tem 30 anos e formou-se em Teatro na ESAD. Aos 21 anos sofreu um AVC. Apesar do ataque de coração hemorrágico que, a dado momento, a deixou sem andar ou falar, resolveu não baixar os braços e, passado quase uma década, quer ajudar outros que tenham passado pelo mesmo. Foi com a ajuda das técnicas teatrais que conseguiu ultrapassar muitas barreiras, causadas pelos sintomas da doença. João Serigado anda há 20 anos a lutar contra a doença de Parkinson e arranja estratagemas para vencer os sintomas que o paralisam e que, sem um queixume, aprendeu a contornar.

Os dois entrevistados usam linguagens artísticas para lutar contra a doença: Daniela Reis as artes de palco, João Serigado a pintura nas telas e na cerâmica.

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João Serigado: a lutar contra o Parkinson, dia a dia, há 20 anos

Quem observa as peças de cerâmica e as pinturas de João Serigado não suspeita que o seu autor há 20 anos que combate a doença de Parkinson. E combater é a palavra certa pois este ex-paraquedista – distinguido com a Cruz de Guerra – há duas décadas que vence os sintomas desta doença que o paralisam e que, sem um queixume, aprendeu a contornar.
Vive em Salir do Porto e encontrou-se com a Gazeta das Caldas no café Ilha, onde já teve uma exposição com as suas pinturas.

Natural de Abrantes, João Serigado tem 71 anos e há 20 que sofre da doença de Parkinson. Vive em Salir do Porto e durante os anos 90 teve uma pequena fábrica de cerâmica em Alcobaça e exportava milhares de peças para todo o mundo. Na sua casa ainda possui um atelier e loja, onde vende peças utilitárias e decorativas que foi fazendo ao longo dos anos. Esta unidade funcionou até 1991, tendo João Serigado tirado cursos no Cencal que lhe permitiram aperfeiçoar os conhecimentos nesta área. Chegou a empregar 17 pessoas.
Em 1997 foi-lhe diagnosticada a doença de Parkinson e, apesar de não deixar que esta lhe tolde a força ou a imaginação, reconhece que não tem a mesma capacidade de outrora. No entanto, “enquanto puder, vou continuar a fazer finca-pé à doença”, disse, depois de ter convidado Gazeta das Caldas a conhecer as duas dezenas de pinturas que estiveram expostas no café Ilha durante o Verão.
Há uma grande leveza nos temas que escolhe retratar. Peixes e flores são elementos recorrentes nos seus trabalhos que, por norma, têm por base cores vibrantes.

Truques contra a doença

O Parkinson afecta o sistema nervoso central e a capacidade do cérebro controlar os movimentos. A doença prejudica o sistema motor, provoca nos doentes tremores, rigidez, lentidão dos movimentos corporais, instabilidade postural e alterações da marcha.
João Serigado sofre com todos estes sintomas. Mas não se deixa ir abaixo nem quando a medicação não actua e o seu corpo paralisa. E o que faz para contrariar o que lhe sucede? “Tenho vários truques e exercícios que aprendi e que me ajudam”, disse.
João Serigado tem uma actividade diária intensa. Quando os medicamentos fazem efeito e lhe permitem movimentar-se, não há quem o páre: levanta-se bem cedo (6h30) para a primeira toma da medicação. No pequeno-almoço inclui sempre fruta que lhe assegura uma boa concentração de proteínas e vitaminas. Seguem-se vários exercícios físicos. Rotação do tronco, alongamento de pernas e braços e massagem das articulações, fazem parte da rotina diária. Depois dá um passeio, a pé, em volta da casa. Sempre que a medicação lhe permite, trata da sua horta: cava, sacha, semeia sem nunca parecer cansar-se. A esta actividade fisicamente mais exigente junta o seu trabalho em cerâmica e pintura, a óleo e a acrílico.
Na sua vivenda há sempre muito trabalho e, dias antes da entrevista à Gazeta, com a ajuda de um jovem, tinha pintado todo o exterior da casa. Isto ocorre quando a medicação lhe permite os chamados momentos On (quando está num estado de boa função motora). O problema são os momentos Off quando o doente fica num estado de profunda imobilidade, algo que já vai acontecendo após anos de resposta estável à medicação.

“Já perdi o olfacto… segue-se o paladar”

“A medicação é essencial e também ajuda muito a ginástica que fiz ao longo de muitos anos”, explicou João Serigado que foi sargento-mor da Força Aérea Portuguesa. Durante a Guerra Colonial fez quatro comissões na Guiné (um dos mais duros teatros de guerra) e somou centenas de saltos de paraquedas.
Do seu palmarés faz parte um salto em queda livre a 4800 metros, altura que não era permitida por lei. Aos 26 anos já era instrutor dos paraquedistas e orgulha-se de possuir duas Cruzes de Guerra, uma colectiva e outra individual, por feitos em combate.
Entre as suas funções, era o primeiro a saltar para dar luz verde aos aviões para largarem os restantes paraquedistas. “Era um risco calculado”, conta João Serigado enquanto mostra uma zona da sua sala de estar onde estão expostas as suas distinções e feitos militares.
Mas a doença faz questão de o continuar a importunar… ”Já perdi o olfacto e a seguir será o paladar, depois a audição e, a pouco e pouco, vem a deterioração geral…”, contou João Serigado, que respeita religiosamente a medicação e a hora das tomas, receitadas pela sua médica neurologista. E promete que vai continuar a contrariar os desvaneios desta enfermidade, dando a conhecer o seu testemunho em várias acções da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson.

“Mais cinco anos”

João Serigado não se cansa de sublinhar a importância da sua mulher, Leonor Bernardo, que “tanto me ajuda e compreende o meu propósito em contrariar a doença”. A sua esposa sabe como colocar o seu pé à frente do dele, estimulando a marcha, provocando o movimento muscular. Ou como é a melhor forma de espalhar obstáculos no corredor para que não cesse a locomoção de João Serigado. É ela que lhe dá toques no ombro, o que faz com que se inicie o movimento além de o ajudar nas necessárias massagens nas articulações.
Além de ir dando trabalho ao cérebro jogando xadrez, jogos de diferenças e palavras cruzadas, este ex-militar, antigo empresário e artista continua a contrariar o Parkinson com pequenos truques: tem uma bengala com uma bola de ténis na ponta que ele pontapeia, fazendo assim com que a marche não cesse. Tem mil e um estratagemas, como dois pregos num pau que são um auxiliar precioso nos momentos Off para lhe fazer chegar os óculos ou puxar uma almofada. “Tenho a noção que sobreviver 20 anos à doença é um recorde… mas eu quero ainda viver mais cinco…”, rematou.

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