O primeiro sábado de Junho voltou a significar uma viagem no tempo nas Caldas da Rainha, numa actividade de final de ano do Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro.
Depois de revisitada a fundação da cidade, no ano passado, foi agora a vez de recordar a refundação, por D. João V. A noite agradável convidou as famílias caldenses a ver e participar nesta acção, que encheu o tabuleiro da praça com os ofícios, as vestes, os costumes, os cheiros e sabores de uma época em que Caldas da Rainha foi o centro de decisões do Império Português, em meados do Século XVIII. Apesar do sucesso da iniciativa, a comissão organizadora pondera fazer uma pausa no próximo ano.
Faltavam cerca de 15 minutos para as 19h00 quando o patrono da escola, Rafael Bordallo Pinheiro, chegou ao Chafariz das Cinco Bicas e deu início oficial ao Mercado do séc. XVIII – Mesteirais e Alquimia com uma prelecção sobre as águas e o barro, pilares da identidade das Caldas. Nessa altura já o público se juntava – com muita criançada nas filas da frente – à beira do palco colocado ao topo da Praça da Fruta para acolher as encenações.
As propriedades curativas das águas quentes que brotam das nascentes sulfurosas levaram a Rainha D. Leonor a fundar a cidade e o hospital termal nos finais do séc. XV. Foram também essas propriedades que conduziram à refundação das Caldas, por D. João V, cerca de 250 anos depois. O Magnânimo, cognome pelo qual ficou conhecido, recorreu às termas caldenses pela primeira vez no Verão de 1742 para se tratar dos males de que padecia e para os quais não foi encontrada outra cura. Voltou em mais 12 ocasiões, sempre acompanhado da sua corte, tornando durante essas visitas as Caldas da Rainha a capital do Império Português, explicou Bordallo aos caldenses presentes.
El Rei chegou então à Praça da Fruta, que por momentos se voltou a chamar Rossio, acompanhado da sua corte que integrava cavaleiros, conselheiros, o cardeal da Cunha e um frade. Chegou de coche, ou não tivesse sido ele um dos principais responsáveis pela riqueza da colecção nacional do Museu dos Coches. Foi recebido e aclamado por uma interessante mistura entre gentes dos séculos XVIII e XXI. Povo que assistiu depois a vários actos importantes da corte realizados na cidade termal.
O primeiro acto, tomado na primeira visita de D. João V às Caldas, foi o reconhecimento dos filhos ilegítimos do rei – D. António, D. José e D. Gaspar –, que apesar de terem nascido de relações incestuosas do monarca, eram filhos de mulheres “de sangue puro”.
De seguida, o rei recebeu o Marquês de Pombal – personagem encarnado pelo presidente da Câmara Tinta Ferreira –, acabado de chegar de Inglaterra com ideias para reformar o comércio português. Também participaram no enredo os vereadores Alberto Pereira e Jorge Sobral, e ainda Vítor Marques, presidente da freguesia que acolheu o evento. Depois da recepção, D. João V e o Marquês de Pombal visitaram o mercado e interagiram com os vendedores e com o povo caldense.
Enquanto isso, a rainha Maria Ana de Áustria aprovou na câmara da vila o projecto para a refundação do hospital termal.
O palco recebeu, logo depois, a peça “O velho ciumento”, de Miguel Cervantes, interpretada por um grupo de alunos, professores e funcionários da escola. Um momento lúdico que cativou, animou e arrancou várias gargalhadas ao rei e à rainha, mas também ao numeroso público que não arredava pé das proximidades do palco. Entre cada representação, várias crianças tomavam de assalto o palco e dançavam de forma espontânea ao som da música da época que saía dos altifalantes.
Um evento para as famílias
Não faltaram, ao longo do serão, outras apresentações e actividades que transportavam de forma constante os presentes para os tempos do reinado de D. João V, desde as demonstrações de esgrima e a exposição de armas da época pela Escola de Sargentos do Exército, aos jogos tradicionais, passando pelos mercados e as profissões expostas e pelo cheiro a carne assada.
O ambiente era reforçado pela presença um pouco por todo o lado dos alunos, desde o pré-escolar ao secundário, dos professores, dos quadros directivos e de funcionários trajados à época.
A praça esteve sempre muito bem composta até ao final do evento (23h00) com a queima de fogo de artifício, e assim continuou depois.
O tempo, ameno e com ausência de vento, convidava a ficar e famílias inteiras permaneceram até tarde, com os mais novos e também os mais velhos a aproveitarem de forma muito activa os jogos, a animação de rua e as experiências do laboratório de alquimia.
“Ir de encontro à comunidade e levá-la a participar” no evento é, precisamente, o objectivo desta actividade que marca o final de ano lectivo do agrupamento, disse Maria do Céu Santos à Gazeta das Caldas. Por norma estas actividades são dentro da escola, “mas nós decidimos sair da escola e fazer junto da comunidade”. Uma ideia que resultou no ano passado e que, por isso, teve continuidade este ano, acrescentou a directora do agrupamento.
Este ano o evento foi ainda mais elaborado do que no ano passado, sobretudo a nível do vestuário. “Foi mais trabalhoso e dispendioso” a nível de guarda-roupa, o que obrigou a um investimento pessoal de professores, no activo e aposentados, e pais de alunos na confecção das roupas e acessórios, referiu a directora. Importante foi também o apoio da Câmara no aluguer de fatos, e também do Teatro da Rainha, acrescentou.
Cristina Meneses, professora bibliotecária da escola Rafael Bordalo Pinheiro, realçou ainda o apoio do juiz e escritor Carlos Querido. Foi o autor do livro Redenção das Águas, que serviu de base às encenações, quem elaborou o guião.
A forma como as pessoas, mas sobretudo os alunos, aderiram à iniciativa é recompensadora. “Não somos profissionais mas tentamos fazer as coisas com dignidade. Somos uma escola com bons alunos, bons professores e pais empenhados e uma dinâmica que deve ser conhecida”, realça Cristina Meneses.
Apesar do sucesso dos dois eventos já realizados, não está previsto que haja uma terceira edição no próximo ano. “Vamos fazer uma pausa”, adiantou Manuela Silveira, presidente do Conselho Geral da escola e uma das principais responsáveis pela organização do evento. A razão que aponta é o desgaste que todo o trabalho de preparação causa durante todo o ano. “Requer uma preparação muito grande, desde o início do ano lectivo”, explica. A pausa não significa, contudo, que o “Mesteirais e Alquimia” não regresse mais tarde. “Fazer todos os anos é muito pesado, podemos pensar em fazer de dois em dois anos, vamos estudar a melhor forma de fazer para ser sustentável”, concluiu. Os caldenses vão, por certo, ficar à espera.






























