
Na noite anterior, Bruno Marques teve dificuldade em adormecer. Ainda por cima calhou-lhe numa sexta-feira 13 o dia em que tinha de provar que era capaz de pôr em prática a sua “cozinha de autor” – um menu inspirado nos sabores minhotos.
“Estava um bocado nervoso ontem, custou-me a adormecer, mas hoje de manhã as coisas começaram a fluir e correu tudo bem”. É agora um descontraído e sorridente Bruno que fala com os jornalistas depois de mais uma sessão de cozinha de autor que decorre todas as sextas-feiras na Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste (EHTO). Os últimos comensais que abandonam o restaurante despedem-se e dão-lhe os parabéns pelo almoço.
Mas há umas horas atrás este jovem de 17 anos estava tenso e concentrado na sua tarefa de preparar a refeição do dia. O menu iniciou-se com um Favaios que a futura escanção Inês Oliveira veio apresentar à mesa, explicando que este aperitivo era adequado para suavizar o sabor forte do queijo de cabra que acompanhava a entrada, assim designada: Tosta de Queijo de Cabra Gratinado c/ Pinhões e Manjericão, Bouquet de Alfaces e Compota de Tomate.
Seguiu-se uma Sopa de Lagostins do Rio Minho com Spaghetti de Courgette, excelentemente apresentada, enquanto na mesa o Favaios dava agora lugar a um Alvarinho. O enquadramento continuava bem minhoto e a escanção explicava que este vinho verde se conjugava perfeitamente com os paladares da sopa da peixe e do prato de peixe que se seguiria.

E que prato era esse? Mais um nome igualmente comprido: Filete de Fruta do Lima Corada em Azeite c/ Creme de Couve-flor e Cenoura, Grelos Salteados e Molho de Manteiga e Salsa. É norma na cozinha de autor que os nomes sejam assim, pretensiosos, as quantidades não sejam para alarves e que a qualidade permita uma experiência de degustação digna dos deuses. Este prato cumpria esses requisitos.
E a seguir: Posta Mirandesa c/ Crosta de Broa de Milho e Alecrim em Cama de Batata a Murro e Redução Agridoce de Vinho Verde c/ Mel. Igualmente bom, se bem que é sempre um risco a carne mal passada – é assim que deve ser, tendo em conta as características do prato, mas também é certo que nem todos os clientes gostam.
O vinho, entretanto, mudou. Depois do Douro e do Minho a degustação vinícula rumou ao Oeste com um sempre bem vindo Quinta de S. Francisco (Bombarral). Um tinto que casa bem com a posta mirandesa.
A sobremesa foi a cereja em cima do bolo: Bruno Marques concebeu uma
Tarte Abade de Priscos com Gelado de Lúcia-Lima e Caviar de Vinho do Porto. Estava muito, mas mesmo muito, boa. E, como mais tarde explicaria o seu autor, representa uma tentativa de incursão pela cozinha molecular ao utilizar o caviar que, ao mastigar, deveria ter o seu quê de crocante.
Um Porto reserva e um café remataram o almoço, que teve como chefe de sala o formando Daniel Lopes, de 18 anos, natural da Alenquer.
“Temos é que ser formais e simpáticos”
Já nesta rubrica foi referida a importância desta actividade na restauração. O serviço esteve à altura, com o pessoal devidamente ataviado e em bom estado de prontidão. Daniel Lopes, que destas coisas já vai ganhando alguma experiência, diz que “este não correu mal, mas tivemos serviços melhores e piores”.
Este jovem pensou inicialmente fazer o curso de Cozinha/Pastelaria, mas acabou por optar pelo de Técnicas de Serviços de Restauração e Bebidas. Ambos os cursos têm as mesmas disciplinas no primeiro ano.
“Passei duas semanas na cozinha, mas é muito fechado e eu gosto de falar e de contactar com o público”, contou. Não se sente intimidado com os clientes, nem mesmo quando se trata de pessoas importantes. “Temos é que ser formais e simpáticos”, resume.
Projectos futuros: este finalista tenciona embarcar e trabalhar nos cruzeiros durante um ou dois anos para ganhar experiência e conhecer o mundo. Depois, com sorte, desembarcará na Austrália, não excluindo também viver noutros países. Também não põe de parte voltar a
estudar, mas isso pode ficar para mais tarde pois aos18 anos tem-se a vida e o mundo para conhecer. E Daniel tem boas ferramentas, para além do curso da EHTO: sabem bem inglês, um pouco de espanhol e de francês e também zulu porque a sua mãe é sul-africana.
Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt
“Desde pequeno que eu quis seguir esta área”
Bruno Marques é da Usseira, mas vive na Portela (Bombarral) com a mãe e o padrasto. É, aliás, por influência deste que sente desde pequeno uma grande apetência para a restauração. “O meu padrasto já foi cozinheiro e quase toda a família já trabalhou no ramo e eu desde pequeno que quis seguir esta área”, conta.
Se tudo correr bem, Bruno vai continuar a estudar e pretende ingressar em Óbidos no curso de Pastelaria Avançada, sem excluir, claro, a experiência profissional. No futuro, mais ou menos longínquo, vê a possibilidade de montar o seu próprio negócio.
Quanto ao almoço de hoje, a sua inspiração minhota adveio de um estágio que realizou num hotel do Gerês. “Adorei a gastronomia da região”, diz.
Na escola o menu concebido é entregue duas semanas antes ao formador que deverá aprová-lo e tratar do aprovisionamento dos produtos. Há limitações orçamentais, claro, e a nenhum formando lhe ocorre propor um Mouchão ou um Barca Velha para a sua “cozinha de autor”, mas mesmo assim a escola é generosa e dá uma razoável folga para que os seus formandos façam experiências criativas com os seus menus.
Bruno Marques diz que experimentou primeiro os pratos em casa e com os seus colegas, a fim de evitar quaisquer azares. Apesar da sexta-feira treze, correu tudo, afinal, muito bem.
C.C.
Um ex-aluno na Torre Eiffel
Para uma escola que tem seis anos, a EHTO conta já com algumas vedetas que são o orgulho do director, Daniel Pinto, que a eles se refere como exemplos de sucesso.
Telmo Moutinho e a sua namorada Andreia Guimarães (o casal conheceu-se na própria escola) acabaram o curso, trabalharam uns meses no Tivoli Lisboa e partiram para Roma onde encontraram pouso durante um ano num restaurante com uma estrela Michelin. Foi ali que conheceram um chef de cozinha francês que era proprietário do Atelier du Joel Robuchon, um restaurante parisiense considerado o sexto melhor do mundo. O casal rumou a Paris, mas não se fez velho no novo local de trabalho. Telmo Moutinho conhece o chef do restaurante Jules Verne, que fica no último andar da Torre Eiffel e é lá agora o seu local de trabalho. Andreia, entretanto, trabalha numa pastelaria de topo que tem mais de 200 anos e que é bem conhecida em Paris – La Duré.
“Temos também dois antigos alunos num hotel de cinco estrelas em Courchevel, nos Alpes suíços”, conta o director. “E o chef de pastelaria do Hotel Sana em Luanda também andou cá”. Sinal, diz, de que há futuro para os formandos desta escola oestina.
C.C.






























