“Continuo entusiasmado por aprender”

Trabalhou 20 anos na Microsoft, onde participou no desenvolvimento de tecnologias que moldaram o mundo de hoje. Aos 68 anos, estuda no MIT

Aos 68 anos, Ricardo Silva está a tirar um “pré-mestrado” de Estatística e Ciência de Dados no MIT, nos Estados Unidos, curso que está a realizar à distância. Ainda não tem nenhum título académico, apesar dos diversos cursos que já iniciou – em Coimbra, Stanford (EUA), York ou Oxford (Inglaterra), entre outros -, alguns dos quais esteve praticamente a concluir, quando contrariedades atravessaram o seu caminho.

Com uma vida dedicada ao ensino e ao desenvolvimento das tecnologias, foi professor de TIC na Escola Bordalo Pinheiro, quando esta disciplina integrou o currículo escolar, por volta de 1986/1987, mas também no Cencal. Trabalhou vinte anos na Microsoft e fez parte da equipa de cientistas de dados que, a pedido da Casa Branca, e de forma pro bono, desenvolveram um estudo de apoio à investigação para o desenvolvimento da vacina contra a covid-19.

“Estava prestes a entrar no Técnico”, mas deu-se o 25 de Abril e Ricardo, seus pais e seis irmãos viram-se em “grandes dificuldades financeiras” e obrigados a regressar a S. Martinho do Porto, onde o cientista vive até hoje, começa por contar.

Sabia que queria seguir uma área ligada às matemáticas desde os 16 anos, então estudante da Escola Comercial e Industrial das Caldas, quando conheceu a trigonometria e o cálculo diferencial pela mão do seu professor de Matemática.

“O sonho académico ficou adiado, mal eu sabia que, mais de cinquenta anos depois…”, desabafa, afirmando ainda: “Sem saber, muito provavelmente o caminho profissional que trilhei foi para poder chegar onde estou agora”.

Começou a trabalhar na área das TIC em 1983, tinha então 25 anos, e um marco importante na sua vida foi a entrada para a Microsoft em Portugal, em 1994, empresa onde esteve 20 anos (até muito recentemente). Foi trabalhar para a área de bases de dados, e, passado um ano, passaria a integrar os seus quadros.

“Foi uma aventura profissional que me marcou profundamente”, afirma, acrescentando que, “com a evolução da empresa, passei a integrar a equipa de consultoria internacional, participando em projetos sobretudo nas áreas da banca e do petróleo”.

Dividiu-se entre Portugal e os Estados Unidos, para onde foi enviado, em trabalho, pela primeira vez, logo dois meses depois de ingressar na empresa. “Penso que foi já nesse ano que o ainda jovem (como eu era na altura; temos quase a mesma idade) Bill Gates anunciou que estava a trabalhar num projeto revolucionário. Claro que se fecharam as portas todas. Dentro da sala estavam seis mil pessoas, e o projeto era o futuro do vídeo. Fomos os primeiros no mundo a ver vídeo através da Internet”, recorda.

Lembra-se também de quando discursou para “mais de 1.300 pessoas”, em Lisboa, e de ter estado envolvido no desenvolvimento do “.NET”, que foi lançado em 2002. “Estava em Redmond, nos arredores de Seattle, a trabalhar nesse projeto, e acho que fui o primeiro a telefonar para Portugal, para o meu chefe, a anunciar que a tecnologia já tinha nome”, afiança.

Trata-se de um framework que introduziu a possibilidade de escrever código para a plataforma em vez de para um sistema ou dispositivo específico, permitindo assim a execução da ordem noutros dispositivos com o programa. Abriu caminho, depois, para o JAVA ou para o Python, linguagens com as quais agora concorre.

Passou ainda uma temporada em Zurique, Suíça, onde trabalhou no Credit Suisse, colaborou com várias empresas na implementação de soluções de Machine Learning e chegou a estar envolvido em projetos nacionais e internacionais “classificados como de Segurança Nacional”, de que ainda não pode falar, mesmo daqueles que já têm “mais de doze anos”. Ricardo ressalta ainda os oito anos que passou na Sonae.

Peripécias académicas
Em 1987, Ricardo ingressou na licenciatura em Engenharia Eletrotécnica em Coimbra, estando a trabalhar em Lisboa e, como professor, nas Caldas, e a residir em S. Martinho.

“Tinha uma filha pequena e, portanto, alguma coisa ia ficar para trás”: foi o curso. Desde então já esteve em quase uma dezena de universidades, mas ainda não tem um grau académico. “Cheguei a dizer que sou um insucesso”, confessa.

Porém, parece que agora, apesar de alguns percalços na sua saúde, está tudo a correr sobre rodas. “Recebi dois louvores no meu percurso na Johns Hopkins”, onde, em outubro passado, completou o programa certificado de Inteligência Artificial Generativa Aplicada, que começou no início de 2025, “com o objetivo de enveredar pela investigação de doenças do cérebro”, como o Parkinson, Alzheimer ou AVC, que também já deixaram um rasto de destruição na sua família. “Agora passou este entusiasmo para o MIT.”

Conta que não foi fácil conseguir entrar num mestrado, nesta sua última fase de candidaturas. “Este verão fui incentivado a formalizar os meus conhecimentos académicos. Mas, com a minha idade e sem uma licenciatura, a tarefa revelou-se extremamente difícil”, explica. Depois de se candidatar a mais de dezena e meia de faculdades, recebeu um email do MIT a convidá-lo para ingressar no MicroMasters em Statistics and Data Science, a que se seguiu também a entrada na Heriot-Watt University, na Escócia. De frisar que, desde 2021, está ainda a tirar um curso ligado à banca em Oxford, também à distância, e que também tem uma “pequena certificação” em computação quântica, uma área que começa a dar os primeiros passos, mas cujo pleno desenvolvimento só será alcançado daqui a vinte anos, segundo o cientista. “Nessa altura já estou eu na praia”, razão pela qual não investiu mais nessa área, acrescentando que “se começa a comprovar fenómenos como o teletransporte, o poder estar em dois lados ao mesmo tempo, os mundos paralelos, que são explicados pela física, por Einstein”.

Ricardo pretende ainda doutorar-se, demonstrando que nunca é tarde para aprender. Nem mesmo a tocar piano.