O contexto da fundação dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha

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Gazeta das Caldas
O quartel esteve muitos anos instalado na Rua Dr. Miguel Bombarda no edifício à esquerda

Em 1893 é eleito Presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha Ernesto Carlos Botelho Moniz, ano em que é fundado O Jornal “O Círculo das Caldas”.
No ano anterior tinha acontecido uma grande catástrofe, quando o navio Roumania naufragou a sul da aberta da Lagoa, à vista da Foz do Arelho, tendo sido recolhidos os corpos de muitos náufragos, que foram sepultados no cemitério da Serra do Bouro, em área própria, cujo espaço passou a ser conhecida pelo “Cemitério Inglês”, dada a nacionalidade da maioria dos sinistrados.
Ainda debaixo da influência do grande incêndio ocorrido no Porto no Teatro “Baquet”, em 20 de Março de 1888, onde morreram mais de 130 pessoas, e após o acidente marítimo do Rounamia, a sociedade Caldense e as suas principais figuras, começaram a movimentar-se no sentido de se encontrar uma solução humanitária que pudesse socorrer as populações indefesas em caso de semelhantes catástrofes.
A Vila de Caldas da Rainha atinge os 5000 habitantes. Lisboa inteira vinha a águas a Caldas da Rainha nesse Verão de 1894. Nas ruas do Parque uma verdadeira multidão convivia animadamente e de entre as várias línguas que se ouviam sobressaia o Castelhano tantas eram as visitas caldenses do País vizinho.
A pouco e pouco a vila envolvia-se num ambiente de urbanidade e de cultura que as suas Termas irradiavam num processo que atraia a esta região novas gentes e novas mentalidades que a pouco e pouco dotavam a sociedade Caldense de modernas alavancas rumo a um desenvolvimento e a uma afirmação regional deveras notável.
Neste quadro pintado com as cores agradáveis de um Estio ameno acorrem a Caldas da Rainha, muitas famílias de Lisboa, atraídas não só pelas qualidades das melhores águas termais de Portugal no tratamento do reumatismo, mas também pelo ambiente cosmopolita que se observa em toda a urbe.
A noite dessa quarta-feira de 29 de Agosto anuncia um movimento desusado em direcção ao Clube de Ginástica. Henrique Sales, comerciante Caldense e membro de uma família de muito renome e respeito na Vila, vinha desde o início do ano a trabalhar com um grupo de notáveis, no sentido de levarem a cabo um projecto social e humanitário de relevo, a criação de uma Associação que desenvolve-se um corpo de Bombeiros. Tinham marcado para as 21 horas, uma reunião magna onde o assunto fosse debatido, e para isso contavam com a presença das elites locais e de muito povo anónimo.
A reunião da Assembleia Geral constitutiva da Associação Humanitária dos Bombeiros de Caldas da Rainha, teve lugar no dia 29 de Agosto de 1894 no Clube de Ginástica promovida pelo núcleo organizador composto por quatro grandes nomes da sociedade caldense à cabeça dos quais se encontra Henrique Sales Henriques acompanhado por José Maria Ludovice, Artur Neto e João Luís da Costa.
Reunião histórica a todos os títulos uma vez que coroando os esforços da Comissão Promotora liderada por essa figura impar da cidadania Caldense, Henrique Sales Henriques, tinha a intenção de reunir os apoios e o dinamismo de “Homens Bons e Solidários”, no sentido de dotar o Concelho de uma Associação Humanitária que organizasse uma Corporação de Bombeiros Voluntários, capaz de contribuir com a sua acção no terreno, para o socorro de pessoas e bens.

Eram 21h15 quando na presença de inúmeros Caldenses Convidados para o efeito se iniciou reunião. Usando da palavra José Ludovice, em nome da Comissão, propondo que se elegesse por aclamação, Carlos Calixto para presidir aos trabalhos da Assembleia Geral.
Esta proposta mereceu de imediato a aprovação unânime de todos os presentes que confiaram os destinos da reunião nas mãos de um Jornalista de créditos firmados no seio desse jornal importante na época que se denominava “Vanguarda”.
Carlos Calixto, assumiu a presidência e utilizando os dotes oratórios que todos lhe reconheciam, desenvolveu de improviso um eloquente discurso onde apelou aos presentes um esforço redobrado no sentido de em união, recolherem as forças necessárias para dotarem Caldas da Rainha de uma Associação e um Corpo de Bombeiros.
O discurso vibrante e emotivo de Calos Calixto foi por diversas vezes interrompido por acaloradas salvas de palmas, prenúncio da expectativa dos presentes no futuro daquela que viria a ser uma das maiores Instituições da Sociedade Caldense e um verdadeiro exemplo no seio das Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários em Portugal.
O aclamado jornalista Carlos Calixto, agora a presidir aos trabalhos desta Reunião Magna convidou para secretários José Joaquim Cardoso, jovem universitário e José Pedro Ferreira, jornalista e redactor do Jornal “o Círculo das Caldas”, que após aceitarem o pedido do Presidente, acto contínuo ocuparam os seus lugares na mesa que passou a dirigir os trabalhos da Assembleia Constituinte.
Os secretários passaram ao registo das inscrições para o uso da palavra e o primeiro orador foi José Maria Cordeiro Castanheiro, segundo aspirante dos Correios e telégrafos, Comandante da Corporação dos Bombeiros de Cascais e Redactor do Jornal “O Bombeiro”.
O Comandante da Corporação de Cascais com um discurso singelo mas persuasivo e até eivado de alguma emoção, fez um relato circunstanciado da história das associações de Bombeiros em Portugal a partir de 1886, data em que se fundou a primeira agremiação desta natureza em Lisboa, seguida do Porto e espalhando-se, dada a necessidade em oito anos a várias localidades de Portugal, algumas com pequena dimensão.
Castanheira que utilizou uma parte substancial do tempo reservado pela Assembleia Constituinte ao debate do tema proposto pela comissão organizadora coordenada por Henrique Sales Henriques, foi uma “Pedra Chave” na manobra que haveria de oficializar e aprovar em definitivo a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha, cuja primeira denominação viria a ser, “Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Caldenses”.
O Comandante Cordeiro Castanheira, apresentou de seguida, dada a sua grande experiência nesta matéria, um texto articulado em sete artigos que pode muito bem configurar o propósito doutrinário e constitutivo de uma Associação Humanitária e de Solidariedade que integrasse uma Corporação de Bombeiros Voluntários em Caldas da Rainha.
Seguiu-se um período de debate com diversas intervenções de fundo merecendo o artigo primeiro aprovação por unanimidade o que representava naquela altura, cerca das 22 horas da noite, o momento histórico em que nascia, a “Associação Humanitária dos Bombeiros Caldenses”, que levou a sala ao rubro, assinalando os presentes na Assembleia Geral, aquele instante, com uma estrondosa salva de palmas, decisão espontânea com a qual foi selada aquele importante momento, nascido no seio da sociedade civil de Caldas da Rainha.
A discussão do artigo segundo mereceu acalorado debate e foi apreciada em cada um dos seus parágrafos, levando o Presidente da Assembleia a esclarecer a letra, o sentido e a forma de cada passagem de molde a não deixar a mais pequena dúvida nos presentes.
O parágrafo número quatro do artigo segundo, que dizia respeito ao Corpo Combatente, para cujos elementos se preconizava isenção de quota, mas que ficariam obrigados a arcar com as despesas de fardamento, o que mereceu sérias reservas por parte de José Pedro Ferreira afirmando ser um encargo demasiado pesado para os sócios activos, sendo de opinião que, o necessário poderia ser fornecido pela Associação.
Depois de esclarecido o assunto pelo proponente, dizendo que a sua experiência apontava para que no actual momento, a única maneira de viabilizar o carácter operacional em relação aos fardamentos, era o método apontado, passível de ser revisto quando houvesse meios para isso.
Deste modo, foi o ponto dois aprovado por unanimidade.
Todos os restantes assuntos mereceram o acolhimento da Assembleia com ligeiras alterações à formulação do texto do ponto cinco.
Assim a quota mínima dos sócios foi fixada em 100 reis, e o período de carência aceite foi adiantado por Henrique Sales e alargado a seis meses.
Deste modo após longa análise e discussão a proposta de José Maria Cordeiro castanheiro, que se veio a revelar absolutamente eficaz e enquadradora, em relação ao desiderato pretendido pelos promotores da Novel Associação Humanitária, veio a ser votada na sua especialidade, por unanimidade e aclamação, considerando-se assim constituída formalmente a “Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Caldenses”.
O presidente da Assembleia, passou de seguida a dar cumprimento ao andamento dos trabalhos e por isso interrogou os presentes se alguém teria a intenção de apresentar uma proposta de lista de Elenco Directivo nos termos do artigo terceiro anteriormente aprovado.
Na fase derradeira da Assembleia Constituinte dessa noite, o presidente da Mesa Carlos Calixto, propôs um voto de louvor ao Insigne cidadão Henrique Sales, como iniciador do Movimento, e ao Comandante Castanheira pelos serviços prestados ao povo das Caldas.
Todos os louvores foram aprovados por aclamação incluindo um dirigido à mesa e ao seu Presidente pela maneira impar como conduziu os trabalhos.
Pelas onze horas e quinze minutos, foi aprovada em minuta a acta dos trabalhos e estava institucional e formalmente criada aquela que viria a ser a maior de todas as Associações do Distrito de Leiria e uma das maiores Instituições Humanitárias e de Solidariedade de todo Portugal.

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António Marques

Vice-presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha

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