“Contem sempre com o Fernando [Santos], o filho do Chico e da Lurdes”

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Os homenageados, ou seus representantes, juntamente com autarcas e a ministra da Coesão Territorial na cerimónia do passado sábado

 

O treinador que conduziu a Seleção Nacional aos títulos no Europeu de 2016 e na Liga Europeia do ano passado foi homenageado pela Câmara de Óbidos e, na cerimónia, nas Gaeiras, Fernando Santos não escondeu a emoção. “Já tive honras que me deixaram muito orgulhoso, mas esta tem um significado muito especial, para mim porque esta é verdadeiramente a minha terra”, reconheceu o seleccionador nacional, ao receber a medalha de mérito municipal.
Emocionado, o técnico recordou que chegou ao concelho de Óbidos com 7 meses para, primeiro, se instalar num lugar chamado Quinta do Carvalhedo, onde já morava um colega da tropa do seu pai, que, entretanto, o tinha convidado para padrinho de casamento. A falta de condições básicas, como água e electricidade, levaria a família a fixar-se, durante as férias de Verão, nas Gaeiras. É desta terra, onde chegou com 6 anos, que guarda grandes recordações e amizades, como partilhou com todos os presentes na cerimónia.
“Aqui me fiz homem”, contou o seleccionador, especificando que tinha três grupos de amigos: os “betinhos”, com quem se deslocava de manhã para a praia da Foz do Arelho; os do bairro da Fonte do Gato, com quem à tarde “tratava” dos pardais e ruivacos; e os “vadios”, os amigos mais velhos com quem percorreu todos os bailes da região.
A dureza da vida no campo, com a qual contactou de perto, permitiu-lhe “perceber as dificuldades da vida” e no largo de S. Marcos, agora requalificado, jogou muitas vezes à bola. Seguiram-se os jogos no campo de futebol da terra e, depois, com a equipa do Gaeirense nos torneios de captação do Caldas. Tudo corria bem até a organização do clube descobrir que o jovem Fernando, afinal, já jogava no Benfica…
E, quando na escola alguns colegas, naturais das Caldas, tinham ciúmes de Fernando Santos por ser conhecido como o “Caldas” ele não tinha dúvidas sobre as origens. “Se hoje me perguntarem de onde é que sou, eu diria que sou das Gaeiras”, rematou.

Presença assídua na procissão de N.Sra da Ajuda

Os anos passaram, mas a amizade permanece. “O meu grupo das Gaeiras sempre está comigo”, disse, especificando que são visitas assíduas da sua casa e, por vezes, juntam-se para jantar. Embora já não venha às Gaeiras com tanta frequência, há uma data que não falha: 8 de Setembro, para participar na procissão de Nossa Senhora da Ajuda.
Aliás, em tom de brincadeira, o homenageado disse que, quando na tarde de sábado chegou ao largo e viu a banda da Sociedade Filarmónica e Recreativa Gaei–rense a tocar, pensou que era o primeiro dia da festa.
Sobre o novo largo, Fernando Santos destacou a sua requalificação, ainda que tenha sido um “parto difícil”. Realçou a intervenção do povo da terra pela manutenção do coreto, que ele próprio “não achava muita graça que saísse do local” por tratar-se de um marco histórico.
Numa intervenção pautada pelas paragens para retomar o fôlego e os aplausos, o seleccionador nacional deixou ainda um repto: “Contem sempre com o Fernando [Santos], o filho do Chico e da Lurdes”.

A lista dos homenageados pela autarquia obidense

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Para além de Fernando Santos, foram também homenageados mais três obidenses com a medalha de mérito municipal. O jovem gaeirense Diogo Câmara sagrou-se, no ano passado, campeão mundial de motonáutica. Nascido em 1996, encontra-se a terminar o mestrado em Arquitectura e é praticante de motonáutica desde 2010, tendo participado desde então em vários campeonatos nacionais e internacionais.
Também homenageado foi o campeão mundial de matraquilhos, na categoria júnior, David Safadinho, natural do Olho Marinho. O jovem, de 26 anos, é professor de Informática no IPL e encontra-se a terminar o doutoramento.
Este ano, a autarquia distinguiu, também, o jovem maestro e pianista Rui Rodrigues. Actualmente com 32 anos, o obidense vive actualmente na capital alemã, onde é pianista correpetidor na Komische Oper de Berlim. Rui Rodrigues iniciou os seus estudos na Banda da Sociedade Musical e Recreativa Obidense, seguindo depois os estudos superiores de piano no Porto. Em 2011 foi aceite na Universidade de Música e Artes performativas de Viena, onde concluiu os mestrados de Correpetição e Direcção Orquestral. Já recebeu diversos prémios na área da composição, sendo, desta feita, destacado pelo executivo liderado por Humberto Marques.

Carta dos amigos de Fernando Santos

“O local onde nos encontramos foi, desde sempre, o Largo.
Na década de sessenta do século passado, era no Largo que os miúdos se juntavam, jogavam à bola (de trapos), ao berlinde, à bilharda, ao botão e ao pião, saltavam ao eixo e brincavam aos índios e cowboys.
Por esse tempo, apareceu o Fernando, filho da D. Lurdes e do Sr. Chico, de Lisboa. Os pais tinham alugado uma casa no início da Fonte do Gato, a pouco mais de cem metros do sítio onde hoje estamos, e o “rapaz de Lisboa” rapidamente se deu a conhecer e se misturou. Jogava muito bem à bola e demorou pouco tempo a dominar perfeitamente todas as outras brincadeiras.
Acabava o Verão e o Fernando regressoava à capital, voltando esporadicamente em alguns fins de semana e sempre nas férias grandes. As suas ausências não o excluíam do convívio e, sempre que regressava, era recebido de braços abertos por todos.
Passou a dominar o “terreno” como se por cá tivesse nascido e sido criado.
Os caminhos para o Convento e para o Arnóia, o carreiro da Califórnia que dava acesso às Caldas, a Fonte do Coração, o rio do Ribeiro, o jardim da quinta “assaltado” pelo lado dos loureiros, a estrada da Ermida, os Catelões e o Campo do Codorno passaram a ser locais tão ou mais conhecidos do que a sua Penha de França.
Os anos foram passando e os bailes da Sede e os namoricos fizeram companhia aos torneios de captação que o Caldas Sport Clube organizava e onde o Fernando vestiu a camisola do Gaeirense até alguém da organização descobrir que o “craque”, afinal, já jogava no Benfica.
Dominava o dominó e os matraquilhos, dava cartas na sueca, na lerpa, no montinho ou no sete-e-meio. Por alturas da festa, os jogos consumiam muito tempo e a banca da bogalhinha era também local de visita obrigatória, até que a GNR decidisse acabar com a diversão.
A festa de Nossa Senhora da Ajuda era o ponto alto para todos e o Fernando não fugia à regra, comprometendo-se com ela como qualquer gaeirense. Foi mordomo num ano em que a realização da festa esteve em risco e foi levada a cabo, em pouco tempo, por um grupo de jovens no qual ele se incluía. Os foguetes da alvorada, as peças do fogo de artifício, as rifas da quermesse, os concertos da Banda no dia 8, os bailes nos três dias seguintes, a “luta” pelos forcados dos andores na procissão, as cavalhadas e o ciclismo, o balão e as corridas de sacos, estarão seguramente em lugar privilegiado da sua memória. Os bailes no concelho e arredores, as idas à Lagoa com visita à piscina da Lapinha, a caça aos pardais e aos tordos, os bitoques no Camaroeiro e as imperiais em Peniche, e muitas outras “aventuras” também farão parte das memórias da adolescência e da juventude do nosso Campeão Europeu.
A idade, as exigências do curso e do futebol trouxeram, em boa hora, as condições para termos hoje um Homem com H grande, conhecido em todo o mundo e por todos respeitado.
Apesar das alterações vivenciais, o Fernando continuou a vir às Gaeiras, no carro dos pais ou já no seu Mini verde escuro, a ter uma reverência especial por esta terra que considera também sua, mantendo o carinho e a amizade por todos os que com ele brincaram, se divertiram, foram e são seus amigos, de forma discreta e sem exuberâncias para exibição.
Por certo que a emoção e as recordações que, neste momento, estarão a aflorar, marcarão ainda mais, se possível, a ternura e a amizade que tem por todos os que, neste momento, também estarão felicíssimos e a compartilhar um pouco do orgulho por ver reconhecido, pelo nosso Concelho, um cidadão do mundo, figura pública que, para todos, continua a ser o “nosso” Fernando.
Já faltam alguns, mas, mesmo esses, onde quer que estejam, também exultarão de alegria com esta decisão da Câmara Municipal de Óbidos, ao atribuir-lhe uma Medalha que colocará o seu nome, para sempre, na história deste velho concelho de mais de 800 anos, ainda por cima no dia da inauguração de um equipamento tão importante para a vila de Gaeiras.

Obrigado Fernando Santos 

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