Conferência do Cenfim mostrou que ter uma incapacidade não faz de ninguém incapaz

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cenfim“Da Indiferença ao Sucesso”, assim se chamou o seminário organizado pelo Cenfim no passado dia 19 de Novembro, que serviu para informar e alertar os caldenses para as deficiências intelectuais ou as doenças mentais, desmistificando preconceitos e apresentando histórias de vida que proporcionaram intensos momentos de reflexão.
Estima-se que existam em Portugal mais de 1 milhão de pessoas com deficiências. Numa perspectiva global, o número alarga-se a 15% da população mundial, ou seja, mil milhões de pessoas, aproximadamente. Então, porque é que no dia-a-dia a convivência com pessoas deficientes não é habitual?
“Quando vão beber um copo, quantas pessoas com deficiências vocês vêem? Ou quando vão ao cinema? Quantos amigos têm com incapacidades? Porque não os vemos?” perguntou Sandra Marques, da Fenacerci (Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social) para logo de seguida responder: “ou andamos a olhar para o lado, ou vivem à margem de nós”. Ou ambos, poder-se-ia acrescentar.
As deficiências intelectuais caracterizam-se por um funcionamento intelectual abaixo da média. Mas a grande diferença entre pessoas com ou sem incapacidades reside, ainda, nas oportunidades que são dadas a cada um. “É aqui que a sociedade pode intervir, até porque a sociedade somos nós e cabe-nos a nós posicionar-nos como agentes da mudança”, afirmou a oradora durante o seminário Da Indiferença ao Sucesso.

Desmistificar as doenças mentais

Em Portugal, uma em cada quatro pessoas sofre de alguma doença mental. Quer isso dizer que, se não formos nós, é provável que alguém que nos é próximo possa vir a sofrer de uma doença dessas. Este facto confere uma necessidade de reconhecimento e informação, de alerta para todos. Para além disso, são doenças que, muitas das vezes, são desvalorizadas ou desacreditadas, o que leva a que, entre os primeiros sintomas e o pedido de ajuda passem, em média, dois anos.
As doenças mentais (depressões, ataques de ansiedade, bipolaridade, etc.) são diferentes das deficiências intelectuais (síndrome de Down, de Williams, entre outras) e não surgem porque a pessoa é fraca ou porque gosta de sofrer. Geralmente não há uma única causa, mas sim um conjunto de factores que aumentam a vulnerabilidade da pessoa a ficar mentalmente doente.
“Ninguém gosta de sentir emoções negativas, mas têm de ser sentidas. A tristeza, tal como a ansiedade, devem existir quando justificadas. Mas quando a intensidade e a frequência é muito grande, algo está errado”, afirmou Adriana Paiva psicóloga que falou acerca da campanha Saúde Mental Sem Estigma.
E quando assim é, os sintomas, tal como numa gripe, estão lá. Nas mãos da pessoa já só está o querer ou não ser ajudada.

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Vidas que ensinam a viver

Neste seminário foram apresentadas algumas histórias de pessoas que das adversidades fizeram incentivo e tornaram os seus sonhos uma realidade. São os casos de Carlos Mota (treinador de natação com participação em quatro edições dos Jogos Paralímpicos), David Grachat (nadador paralímpico e aluno de Educação Física na Faculdade de Motricidade Humana), Leila Mota (ex-nadadora paralímpica e médica), Nuno Vitorino (ex-nadador paralímpico licenciado em Relações Internacionais, informático na Câmara de Lisboa e presidente da Associação Nacional de Surf Adaptado, a primeira deste tipo na Europa) e de João Jorge (aluno invisual do 12º ano da escola Raul Proença nas Caldas da Rainha).
João Jorge, que é natural da Capeleira (Óbidos) apresentou o jornal em Braille da escola que frequenta, um projecto que nasceu no ano anterior. “Gostei da iniciativa porque tive acesso aos acontecimentos da escola através do jornal” contou. Ele próprio leu com grande emoção o poema “Mostrengo” de Fernando Pessoa, arrancando uma salva de palmas da plateia.
No painel da manhã destacaram-se as fortes imagens dos Jogos Paralímpicos que foram exibidas e os testemunhos na primeira pessoa.
A sessão de abertura contou com a presença de Manuel Pinheiro Grilo (director do Cenfim), Fátima Claudino (Comissão Nacional da Unesco), Maria do Céu Mendes (directora do Instituto de Segurança Social de Leiria), José Lalanda Ribeiro (provedor da Santa Casa caldense) e Tinta Ferreira (presidente da Câmara).

Uma escola de e para pessoas
O Centro de Formação da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica (Cenfim) aderiu em Janeiro deste ano ao Centro da Rede de Escolas Associadas da UNESCO, rede criada em 1953 e que está presente em 180 países. Esta rede de escolas foi fundada com o objectivo de possibilitar uma educação de qualidade partilhada com a cultura da paz. É nesse contexto que este seminário foi realizado.
O núcleo caldense do Cenfim, criado em 1990, conta com 220 formandos e tem uma taxa de empregabilidade a rondar os 90%. Possui os cursos de Tecnologia Mecatrónica, Manutenção Mecânica, Energias Renováveis, Soldadura, Serralharia Mecânica e Serralharia Civil, Desenho, Refrigeração e Climatização, Electromecânica de Equipamentos Industriais, Electricidade Geral, entre outros.
O estudante de Mecatrónica do Cenfim, Ricardo Coimbrão, afirmou ter aprendido imenso com este seminário mas destacou a história de vida de João Jorge. “É um exemplo de vida de alguém que batalhou incansavelmente independentemente das suas limitações, é motivador…” afirmou, elogiando também a instituição onde estuda e os seus professores.
A directora do núcleo caldense, Cristina Botas, revelou que inicialmente o evento estava previsto realizar-se dentro de portas e com uma duração mais curta, mas que foi ganhando dimensão e já não havia capacidade de ser realizado apenas numa manhã e no auditório do Cenfim (que só tem 90 lugares).
A responsável diz que este seminário é oportuno, “tendo em conta que os jovens hoje em dia não têm resistências à frustração, pois vivem no imediato, no aqui e agora, e não lutam quase por nada”.
Segundo a directora, a preocupação do Cenfim é formar, além de bons profissionais, boas pessoas. E tendo em conta que os seus formandos são maioritariamente jovens, este dia pode mostrar-lhes como o querer é poder e como os seus problemas são, afinal, mais pequenos do que pensavam.

I.V.

Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt

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