Cientista caldense dá cartas na regeneração celular em Itália

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Notícias das Caldas
D.R.

O cientista Miguel Mano, que passou a sua infância e juventude nas Caldas, descobriu moléculas que permitem o tratamento das células musculares do coração após um ataque cardíaco. Os resultados da investigação obtida no Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia de Trieste, no Norte de Itália, foram amplificados por causa da publicação da investigação na conceituado publicação científica Nature. A investigação lusa vai agora ser testada noutros animais  e, no futuro, poderá ter aplicação em humanos, ajudando na recuperação de pacientes que sofreram ataques cardíacos.Miguel Mano, 35 anos, é cientista, trabalha no Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia de Trieste (Itália), onde está a dar passos sérios na regeneração celular muscular do coração. Em parceria com Ana Eulálio, sua namorada – que dirige um laboratório na Alemanha – descobriram moléculas “que são muitos interessantes para o tratamento cardíaco”. Ou seja, os dois cientistas lusos conseguiram, através da introdução de micro-ARN (moléculas que têm uma função muito importante na regulação genética das células) que as células musculares de ratos se voltassem a multiplicar após um ataque cardíaco. Quando este ocorre, as células morrem e há zonas do músculo do coração que não recebem oxigénio e nutrientes vindos do sangue. Por isso, os sobreviventes dos enfartes têm a sua função cardíaca comprometida e o sangue não é bombeado com a eficácia anterior ao ataque. Tudo isto porque “as células musculares do coração não são capazes de se dividir”, explicou Miguel Mano à Gazeta das Caldas.

Com esta premissa, os investigadores começaram a procurar uma alternativa que permitisse a regeneração. Foi através das moléculas micro-ARN – que existem no núcleo das células e que possuem uma importante função na regulação genética das mesmas – que foi possível promover a multiplicação e a regeneração das células musculares do coração dos ratos.
Depois de uma série de experiências, a equipa isolou dois micro-ARN mais potentes que foram testados nos animais.
Pouco depois de ter sido feita a operação que provocou o ataque cardíaco nos ratos, foram introduzidas nos seus corações as moléculas micro-ARN, facto que fez com que “as células musculares se começassem a multiplicar. Ao longo de dois meses regenerarou-se o tecido que tinha sofrido o enfarte”, disse o cientista.
Os investigadores constataram também que ao longo dos dois meses “os animais não pioram e os “tratados” tiveram os mesmos níveis daqueles que nunca sofreram enfartes”, disse Miguel Mano.
Questionado pela Gazeta sobre a forma como tratam os ratos, o cientista explicou que é inevitável algum sofrimento mas, por outro lado, “são muito bem tratados, de acordo com tudo o que exige a lei e não temos tido problemas com as associações de protecção dos animais. É tudo feito sob anestesia”, disse o investigador.
Depois dos ratos pretende-se “aproximar o mais possível da clínica, ou seja, fazer estudos pré-clínicos em animais maiores como cães e porcos”.  Serão necessários agora dois a três anos para testes. “Nós somos um laboratório académico e por isso estes resultados têm que ser entregues a uma empresa que possa desenvolver o produto”, explicou o cientista.
Seguem-se agora colaborações com outros laboratórios em Itália e “vamos fazer alguns estudos in vitro e de segurança”, disse Miguel Mano. Falta também, segundo o investigador, transformar as moléculas num produtos como um comprimido para facilitar a sua administração no futuro. Miguel Mano considera que os resultados obtidos podem vir a ter uma aplicação prática. “Agora ainda não, mas numa perspectiva de longo prazo, sim, poderá salvar vidas”, disse.
O cientista disse ainda que esta pesquisa científica poderia ter sido feito em Portugal com algumas limitações sobretudo de tempo. No centro de investigação onde trabalha em Itália uma parte importante do processo que levou a estes resultados “já está automatizado”. Isto é, para esta investigação específica foram testadas mil moléculas diferentes, ou seja, ainda seria possível fazê-lo por terras lusas, mas “seria muito mais laborioso e levaria muito mais tempo”.
Outros trabalhos que Miguel Mano dirige em Itália já envolvem 20 mil ou 30 mil moléculas, o que já não seria viável fazer em Portugal.
Segundo o caldense, o que sucede com as células do coração “não é muito diferente do que acontece, por exemplo, com os neurónios que são células muito especializadas”. Miguel Mano recorda que os resultados obtidos se referem às células musculares do coração  e que há todo um trabalho por fazer em relação a outros células igualmente especializadas, como os neurónios ou as células do pâncreas. Trabalhar com os neurónios “será o mais difícil ,mas também muito interessante”, rematou o investigador.

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“A investigação absorve-nos muito e resta pouco espaço para as outras áreas”

É natural de Coimbra, mas viveu nas Caldas até aos 18 anos. Frequentou o ensino básico na escola da Ponte, depois a D. João II e a Secundária Raul Proença, onde a ciência já era caminho, pois prosseguiu estudos em Química.
Miguel Mano licenciou-se e fez o doutoramento em Coimbra, sua terra natal. Para o doutoramento, o investigador obteve uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia e continuou com este apoio, tendo concluindo já em Itália o seu pós-doutoramento, durante os primeiros dois anos da estadia em terra italianas. Há seis anos que está no Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia de Trieste, onde já coordena equipas.
Este instituto internacional de investigação foi criado pelas Nações Unidas com o objectivo de fazer investigação para os países em vias de desenvolvimento.  Pertence a 65 países de África, da América Latina e do Médio Oriente e existem três pólos deste instituto: um em Trieste (Itália), Nova Deli (Índia) e em Capetown (África do Sul).
“A ideia é fazer investigação de ponta que possa também ter alguma influência para o desenvolvimento destes países”, contou Miguel Mano, acrescentando que faz parte do staff do laboratório que funciona em ambiente internacional. “Recebemos estudantes de doutoramento da Índia, de vários países de África, do Irão, do Brasil e é sempre uma partilha muito interessante”, disse.
Vive em Itália há seis anos e conta que a adaptação não foi difícil pois a cultura “é similar à nossa e a aprendizagem da língua também foi fácil”.
A Itália é uma país muito grande e assimétrico mas diz que o Norte, onde vive, é uma zona “muito europeia e muito parecida com o que nós temos”, disse.
O caldense por afinidade mora junto à fronteira com a ex- Jugoslávia. O laboratório do Centro fica a cinco quilómetros da fronteira e por isso vai frequentemente à Eslovénia e à Croácia. Salientou este último, sobretudo por causa do mar e da sua zona de costa que descreveu como sendo “fantástica”.
Do que sente mais falta é da família e dos amigos, mas apesar da distância, conta que o trabalho de investigação é compensador. “O nosso quotidiano é muito absorvente desde as nove da manhã às sete da noite no mesmo ritmo”, contou o cientista. Diz que “não desliga nunca, nem aos fins de semana. Há uma absorção total e há de facto pouco espaço para ao resto das áreas”, afirmou.
Para já, não se dedica a actividades lectivas pois na verdade o que gosta mesmo é da sua actividade no laboratório. Refere que nesta área da investigação cientifica se trabalha com horizontes de dois e três anos. Miguel Mano e Ana Eulálio, ele em Itália e ela na Alemanha, mantêm contactos sobretudo com a sua universidade, em Coimbra, e, no futuro, esperam poder trabalhar em investigação, em Portugal.

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