Chafariz em São Mamede secou ao fim de quase 500 anos

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Uma fotografia antiga mostra como era o largo há cerca de 100 anos. O local era um refúgio onde os passantes podiam retemperar forças e beber água. As lavadeiras da terra lavavam a roupa na água tépida.

Não há memória na população de São Mamede, concelho do Bombarral, que o Chafariz que terá sido mandado construir no século XVI por Martim Afonso de Melo e Castro, tenha alguma vez secado. Isto até ao passado dia 1 de Agosto. Esta situação está a preocupar os residentes, mas não é a única. Do património doado à comunidade pela família Melo e Castro, também a Capela de São Lourenço está a precisar de intervenção urgente.

Desde 1 de Agosto que não brota água no histórico chafariz que terá sido mandado construir há cerca de 500 anos por Martim Afonso Melo e Castro. A situação foi reportada à Gazeta das Caldas por um morador de São Mamede, Fernando Monteiro. Nascido e criado na localidade, cresceu habituado a ver a água que alimenta o chafariz sair sempre em grande quantidade das duas bicas de bronze em forma de delfim.

Fernando Monteiro conta que não há registo, nem memória da população, de que alguma vez a fonte tenha secado. No entanto, no início do mês passado a água parou mesmo de correr.

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Joana Delgado, presidente da Junta de Freguesia da Roliça, disse à Gazeta que a Administração Regional Hidrográfica do Tejo está a tentar descobrir o que estará na origem da falta de água, uma análise que poderá estar concluída nos próximos dias. Conhecer a origem do problema abrirá caminho para que este seja solucionado.

HERANÇA DE MARTIM MELO E CASTRO

O chafariz é parte integrante de um património de grande riqueza histórica na localidade de São Mamede, juntamente com o Solar dos Melo e Castro e a Capela de São Lourenço. Os três monumentos estão unidos pelo Largo Salvador Carvalho dos Santos. Embora não haja certeza em relação ao ano de construção do chafariz, tudo indica que será contemporâneo das duas outras construções, erigidas por Martim Afonso de Melo e Castro na década de 40 do século XVI.

Reza a história que, quando regressava das Índias em 1541, enfrentou uma forte tempestade. Temendo pela vida, fez uma promessa a São Lourenço de que construiria uma capela em sua honra se chegasse são e salvo a Portugal. Assim aconteceu e a promessa foi cumprida.

A capela foi construída lado a lado com o Solar dos Melo e Castro, erigido na mesma altura e possivelmente aproveitando construções anteriores de inícios do século, segundo consta no portal monumentos.gov.pt. Esta capela era, inicialmente, apenas para uso privado.

O solar apresenta uma arquitectura onde se destacam a regularidade e simetria característicos dos modelos renascentistas e está classificado como imóvel de interesse público, apesar de ser propriedade privada. Segundo o que se pode ler no arquivo da DGPC, a construção inicial é composta por três corpos quadrangulares em forma de L. Mais tarde, já no século XVIII, a casa foi requalificada e construído um novo corpo paralelo ao edifício principal, fechando o pátio com uma disposição em U.

Esta requalificação terá sido realizada para acolher duas visitas reais, testemunhadas por duas lápides comemorativas no interior da casa. Em 1782 o solar recebeu D. José, Príncipe do Brasil, e os infantes D. João e D. Mariana Vitória. Mais tarde, em Setembro de 1786 e Maio de 1787 a propriedade recebeu a Rainha D. Maria e a infanta D. Carlota Joaquina.

Por essa altura era António Lobo de Melo e Castro o titular das propriedades. Antes de falecer (em Julho de 1795), o descendente de Martim Melo e Castro passou a capela à população, assim como uma avultada quantia em dinheiro (23.000 cruzados e 800 mil réis) destinada a sustentar tanto a actividade religiosa, como a apoiar com cuidados médicos a população empobrecida da localidade, segundo a obra “Bombarral e o seu concelho – subsídios para a sua história”, de Augusto José Ramos.

Já o solar ficou na família Melo e Castro até 1904, altura em que foi vendido a privados, ascendentes dos actuais proprietários.

O estado da Capela de São Lourenço também preocupa a população de São Mamede pelo avançado estado de degradação, tanto do telhado, como da azulejaria que, tal como a construção, data do século XVI.

Joana Caetano, presidente da Junta de Freguesia da Roliça, diz que esta também é uma questão à qual está atenta. “É uma capela que tem painéis de azulejos que não existem em mais lado nenhum”, disse à Gazeta das Caldas. No entanto, a sua manutenção “é uma situação mais complicada, porque é património do Estado”, observa. A edil acrescenta que “houve uma tentativa de submeter um projecto de reabilitação por um antigo prior e a informação que tenho é que a Câmara do Bombarral está a encaminhar o assunto”.

Gazeta das Caldas contactou a Câmara do Bombarral sobre as questões do chafariz e da Capela de São Lourenço, mas não obteve resposta em tempo útil.

O CHAFARIZ E AS SUAS ÁGUAS

Apesar de não haver referência ao ano de construção do chafariz, é convicção da população de São Mamede que este seja contemporâneo do solar e da capela. Ou seja, também aquele equipamento terá sido mandado construir por Martim Afonso Melo e Castro para abastecer de água a casa. Este é parte integrante de um complexo sistema de captação e canalização.

De resto, ainda antes da remodelação realizada no solar na segunda metade do século XVIII, as suas águas são mencionadas no Aquilégio Medicinal de 1726, de Francisco da Fonseca Henriques.

Ao contrário da capela, que era de uso privado da família Melo e Castro, o sistema de águas servia também a população. Fernando Monteiro, morador de São Mamede e estudioso da sua história e património, diz que Martim Melo e Castro “foi um verdadeiro democrata à sua época”. E explica a sua afirmação: “Ele podia ter levado a água só para a sua propriedade, mas deu-a primeiro ao povo e ficava apenas com o que sobrava”.

O complexo sistema começa com uma mãe de água (que se encontra junto à sede da associação local). Esta funciona como uma estação elevatória, da qual a água é conduzida por um sistema de canos. O primeiro conduz a água ao chafariz e disponibiliza-a ao povo, tanto para os locais, como para servir os passantes.

A água sobrante é dividida em duas novas saídas. Uma calha conduz o bem precioso para o interior do solar, onde é guardado num sistema de tanques. Na época, seria utilizada para consumo e para regar os terrenos cultivados da quinta. A segunda calha conduzia a água para um novo local público, tanques que as lavadeiras utilizavam para lavar a roupa. Esta segunda construção foi destruída na década de 60 do século passado.

PROPRIEDADES MEDICINAIS

Na actualidade, o consumo da água é desaconselhado, uma vez que esta não é tratada. No entanto, no passado a água era consumida e até se lhe apontavam propriedades terapêuticas. É que a origem da água será termal. Foram-lhe apontados benefícios em relação a problemas respiratórios, rins e reumatismo, segundo o portal aguas.ics.ulisboa.pt, da Universidade de Lisboa, que reúne informação de diversos aquilégios medicinais.

Segundo a mesma fonte, a água é tépida, sai da nascente a 33 graus. Terá origem no mesmo sistema que alimenta as termas das Caldas da Rainha, das Gaeiras, Vale de Flores e do Rio Real, diz aquele portal citando os autores Lopes (1892) e Tavares (1810). Ambos os autores realçam que o caudal da nascente teve uma redução em 1770 e 1780 devido a intempéries.

Agora cessou mesmo de correr, algo que a população local espera que não seja irreversível.

 

 

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