Voluntariam-se para ajudar em casos de surto e, quando foram chamadas, não vacilaram. Conheça o testemunho de duas mulheres que passaram o Natal e o Ano Novo isoladas, prestando apoio a 16 infetados num lar de Salir de Matos
Na tarde de 23 de dezembro Celeste Almeida recebeu um telefonema da presidente do Centro de Apoio Social do Nadadouro (onde trabalhava) a pedir a colaboração. Os lares estavam com dificuldades em manter o funcionamento por causa dos surtos e havia um em específico, em Salir de Matos, que corria o risco de fechar e os utentes serem transferidos. A funcionária tinha-se voluntariado para a linha da frente, juntamente com a colega Carla Brás, e estava convocada. “Fiquei surpreendida, mas nem pensei duas vezes, disse que sim e só perguntei a que horas é que lá tinha de estar”, conta à Gazeta das Caldas.
Celeste Almeida entrou no lar Vista da Aldeia Residence, nos Cabreiros, às 18h00 da véspera de Natal e por lá ficaria até 2 de janeiro, embora, como morava perto, tivesse ido a casa descansar alguns dias.
“Fiquei
surpreendida mas nem
pensei duas vezes, disse que sim e só perguntei a que horas é que tinha de lá estar”Celeste Almeida
A colega, que partilha consigo o trabalho no apoio domiciliário da instituição do Nadadouro, entraria de serviço no dia seguinte, dia de Natal, e ali permaneceria isolada durante nove dias. E se Celeste estava confiante, Carla não esconde o medo que sentiu quando lhe telefonaram, mas “tinha dado o nome, agora iria cumprir o compromisso”, disse, acrescentando que esse receio inicial depressa desapareceu, pois o trabalho era tanto, que nem teve tempo para pensar nisso.
“Vesti o equipamento de proteção e, a partir daí, nem tinha medo de ser infetada porque o foco eram os utentes”
Carla Brás
“Vesti o equipamento de proteção individual e, partir daí, nem tinha medo de ser infetada, porque o foco de atenção eram os utentes. Como ajudá-los e o que iríamos conseguir fazer, porque era uma situação complicada e havia o risco de terem de ser evacuados”, recorda.
O facto de terem ido as duas colegas de trabalho também ajudou. “Conhecemo-nos muito bem e sabemos com o que podemos contar. Se calhar, se não fôssemos as duas, as coisas não tinham corrido tão bem”, remata Celeste Almeida.
Chegaram a ficar sozinhas a tomar conta do lar e dos 16 utentes infetados. Com o pessoal que lá trabalhava também infetado, as duas voluntárias tiveram que “dar ordem” a uma casa que não conheciam. Tinham de coordenar desde pequenos almoços a banhos, passando pelas mudas de fraldas e de roupa de cama, além do contacto com os médicos.
“Havia pessoas que precisavam de tratamento específico”, recorda Carla Brás, dando nota que a diretora técnica do lar sempre esteve em contacto telefónico e foi ajudando no sentido de orientação e conhecimento dos utentes. Para além disso, tiveram que preparar o lar para uma desinfeção de fundo, tendo em conta a carga viral que ali se encontrava.
“Era 24 sobre 24 horas”, contam as duas trabalhadoras, lembrando que, à noite, para além dos cuidados que tinham de prestar aos utentes, aproveitavam para adiantar as limpezas e desinfeção dos espaços.
“O problema maior foi o cansaço que se foi instalando”, reconhecem, ao mesmo tempo que destacam o apoio que foram tendo do exterior, nomeadamente por parte da presidente do Centro de Apoio Social do Nadadouro, Alice Gesteiro, que tendo conhecimento da situação pressionou a Segurança Social e a autarquia, no sentido de obterem ajuda, o que veio a acontecer mais tarde.
As duas auxiliares entraram negativas ao vírus e saíram da mesma forma. Enquanto lá estiveram, todos os utentes mantiveram-se estáveis e apenas houve a necessidade de uma ida ao hospital, por engasgamento. Houve, também, idosos que estavam hospitalizados e regressaram ao lar nessa altura.
E de todos tecem os maiores elogios. “Foram sempre de uma compreensão de que eu não estava à espera e muito solidários connosco”, conta Celeste Almeida, destacando que para os utentes a situação também não era fácil, pois, devido aos fatos de proteção, apenas conseguiam ver os olhos de quem deles cuidava.
Reconfortante foi, também, o apoio que obtiveram da família, de quem estiveram separadas durante todo este período. Ainda assim, as mensagens de apoio e os “mimos” como o jantar e a garrafa de champanhe, que deixaram à porta, para assinalar o novo ano, deram um ânimo redobrado às duas “heroínas”.
As duas mulheres partilham uma história de coragem, em que abdicaram da família numa época festiva
Agora, ao olhar para trás, não têm dúvidas de que valeu a pena o sacrifício e garantem que, se necessário, voltam a fazê-lo, sem hesitar. “Acabámos por receber mais do que demos, a sua simpatia e serem sempre prestáveis”, remata Celeste Almeida que, quando a pandemia o permitir, quer voltar ao lar de Salir de Matos para se dar a conhecer aos utentes que, destas cuidadoras, apenas conhecem os olhos e os cuidados prestados. ■































