
Na semana passada a situação levou mesmo a que o director do serviço de urgências do Centro Hospitalar do Oeste (CHO), Luís Mascarenhas, pedisse a sua demissão à administração, a qual não foi aceite.
Apesar de se manter em funções, quando pediu a sua demissão Luís Mascarenhas enviou ao presidente do conselho de administração do CHO, Carlos Sá, uma carta onde explica que o pedido se deve à situação das urgências nas Caldas.
“A situação a que o Serviço de Urgência chegou, em particular na sua unidade das Caldas da Rainha, só pode ser resolvida com medidas de fundo e responsáveis”, escreveu.
Segundo Luís Mascarenhas, o principal problema não são os doentes que acorrem ao serviço de urgências pois “para isso está perfeitamente preparado”, mas sim devido à falta de camas de internamento. “Enquanto a solução não for dirigida no sentido de dar cama a quem dela carece, todas as soluções previstas só adiam o encarar da realidade”, afirmou.
Por outro lado, no dia em que escreveu a carta, a 21 de Março, numa altura em que havia 40 doentes acamados naquela unidade, “sou informado que as cinco camas que poderiam aliviar esse número, a intolerável situação que se vive, não podem ser utilizadas por não existirem enfermeiros disponíveis”. Isto quando o CHO tem vindo a reduzir o número de enfermeiros, ao não ter renovado o contrato com 30 deste profissionais. A 1 de Abril saíram mais 10 enfermeiros.
O médico conta mesmo que a redacção da carta foi interrompida por um telefonema do hospital de Peniche “a dar-me conhecimento de que o respectivo banco está em ruptura, com três macas de bombeiros retidas por falta de local onde deitar os doentes”. O que quer dizer que o hospital de Peniche também dificilmente daria resposta ao internamento de doentes oriundos da unidade das Caldas.
Por tudo isto, o responsável considerou que era altura de dizer “basta”, até porque “sucessivas reuniões de ‘emergência’ em que nada fica resolvido, vão tornando este problema cada vez pior”. Para Luís Mascarenhas, prevê-se que a situação no serviço de urgências vá piorar.
É preciso acontecer uma desgraça?
“O Serviço de Urgência do Hospital das Caldas da Rainha funciona de forma caótica, com 30 ou 40, chegando mesmo às 50 macas, quase em permanência, barrando até a passagem dos profissionais de saúde para socorrer os doentes nelas deitados”, alertou também a responsável da secção regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros, Isabel Oliveira, na sequência de uma visita ao hospital na passada sexta-feira, 28 de Março.
“Apetece-me perguntar se é preciso acontecer uma desgraça nos serviços de saúde para que se olhe convenientemente para esta realidade, e se actue”, adiantou a enfermeira.
Isabel Oliveira considera que o problema resulta também da incapacidade do país em adaptar-se à realidade da inversão da pirâmide etária (neste momento Portugal já tem 136 idosos por cada 100 jovens).
Hoje em dia a média de idades dos utentes que acorrem às urgências do Hospital das Caldas é superior a 80 anos e na sua área de influência apenas existe no Bombarral uma unidade de cuidados continuados, mas que é “manifestamente insuficiente”.
A directora clínica do CHO, Isabel Carvalho, também justifica a situação com os idosos que não têm possibilidades de ter alta, porque não têm para onde ir. No entanto, a Gazeta das Caldas sabe que esses são apenas uma pequena percentagem dos doentes que ficam em macas durante vários dias.
“Eles chegam a situações em que o número de macas no corredor é tão extenso, é tão grande, que eles nem sequer conseguem passar através das macas para socorrer, para atender as pessoas, para chegarem às pessoas em tempo útil”, referiu Isabel Carvalho, reiterando o que o nosso jornal já tinha noticiado.
A responsável refere que em 2013 a média de dias de internamentos na sala de observações da Urgência do Hospital das Caldas foi de 4,3 dias, quando o recomendável é que ao fim de 48 horas os doentes sejam devidamente encaminhados para serviços de medicina ou outros, até poderem regressar para junto das famílias.
Embora os problemas nas urgências deste hospital já existam há vários anos, “agravaram-se desde Outubro de 2013, quando o hospital de Alcobaça, que até então internava doentes das Caldas da Rainha, passou a integrar o Centro Hospitalar de Leiria”, disse ainda.
Muitos dos utentes que acorrem aos serviços de urgências, segundo relatos de responsáveis do hospital, residem em lares que não dispõem de cuidados de enfermagem nem de medicina, e por isso não actuam na prevenção das agudizações das doenças já existentes nos idosos.
Outros casos resultarão de interrupções terapêuticas decididas pelos próprios idosos, por não terem dinheiro para comprar os medicamentos.
Profissionais no limite das suas forças
A dirigente da Ordem dos Enfermeiros disse ter encontrado a equipa do serviço de urgência “cansada e no limite das suas forças”.
Recorde-se que a 13 de Março a situação era tão caótica que levou os enfermeiros que entraram às 8h00 a recusar, no momento, receber o turno, reunindo com os colegas que tinham feito a noite e pedindo à administração do CHO que fosse ao local para constatar in loco a situação.
Na altura, a administração terá aludido ao facto do pico da gripe ter terminado no dia anterior e que por isso a situação iria melhorar, mas em Abril tudo continua praticamente na mesma. Nas redes sociais continuam a aparecer relatos de familiares de doentes indignados com o que se passa no serviço de urgências caldense.
Há quem tema que toda esta confusão possa dar azo a erros que podem vir a ter consequências graves para os doentes.
“Se me dizem que precisamos de ser conscienciosos na gestão dos recursos públicos, eu concordo, mas eu pergunto se os serviços de saúde têm de dar lucro, ou se têm que efectivamente dar resposta àquilo para o qual foram concebidos, que é garantir um direito constitucional da população a cuidados de saúde”, concluiu a enfermeira Isabel Oliveira.
Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt

































