Câmara juntou refugiados e luso-venezuelanos num jantar inclusivo

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No dia 24 de Outubro “O Garfo”, refeitório do Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor (na Zona Industrial) recebeu um jantar inclusivo, proporcionado pela autarquia para comemorar o Dia Municipal Para a Igualdade. O repasto juntou os refugiados da Eritreia, Síria e Curdistão que estão a viver nas Caldas, com os luso-venezuelanos que regressaram às raízes e com idosos caldenses e utentes do Centro de Educação Especial.

 

Um jantar inclusivo foi a forma escolhida pela autarquia das Caldas para celebrar o dia municipal da igualdade. Na noite de 24 de Outubro, perto de 40 pessoas conviveram à mesa no refeitório do Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor (que fica na Zona Industrial e tem serviço de refeições diárias).
De diferentes partes do globo e com histórias variadas, o jantar juntou os refugiados da Síria, Eritreia e Curdistão, com os luso-venezuelanos que regressaram a Portugal, os idosos do concelho e os utentes do CEERDL.

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Foi um momento de integração em que as pessoas se puderam conhecer, conversar e conviver, antes de novo dia de trabalho (ou de escola para os mais novos).
Ibrahim Mohamed tem 27 anos e vive há dois anos e meio nas Caldas. Veio da Eritreia e à Gazeta das Caldas contou que aqui encontrou a paz que não tem no seu país. “Estamos num regime cada vez mais ditatorial, com muita iliteracia”, explicou.
Saiu da Eritreia, onde deixou a família, e encaminhou-se para o Sudão, seguiu para a Líbia, onde viveu a pior parte da viagem. “Foi muito difícil, passei sete dias no deserto, sem beber água e sem comer”, disse. Depois entrou em Itália de barco e de lá veio para Portugal. Nas Caldas aprendeu a língua portuguesa e encontrou trabalho a apanhar morangos no Bouro.
Ibrahim faz questão de “agradecer as estas pessoas, especialmente ao Filipe, que nos tem acompanhado e que é muito bom para nós”. Trata-se de Filipe Vinhinha, responsável pela integração dos refugiados na Cruz Vermelha das Caldas.
Filipe Vinhinha realçou que a sociedade local tem estado “aberta a recebê-los, o que torna a integração mais fácil”. A facilidade em encontrar trabalho, a maioria na agricultura, é fulcral nessa integração.
Três dos quatro refugiados que a Cruz Vermelha das Caldas acolheu já cumpriram o plano de integração de 18 meses e ficaram por cá.
“Eles dizem-me o que querem, eu não pergunto, não quero ser intrusivo, porque sei que tiveram vidas difíceis”, explicou.
Este técnico agradeceu a existência destas iniciativas onde as pessoas “se podem conhecer e trocar impressões, podem entreajudar-se e isso facilita a integração”.
A refeição foi confecionada pelos utentes do CEERDL e voluntários. Os presidentes das Uniões de Freguesias e os representantes camarários e do Centro de Educação sentaram-se um em cada mesa.
No final, Jorge Varela, presidente da União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro, disse que o jantar juntou “pessoas de várias latitudes, de várias crenças, todas diferentes, todas iguais” e pediu que se repita esta iniciativa.
A vereadora Maria da Conceição Pereira explicou que este ano quiserem celebrar o dia de forma diferente, começando com uma sessão na biblioteca que juntou crianças e seniores para as primeiras conhecerem a escola do antigamente. A dirigente chamou a atenção para os idosos que são muitas vezes tratados como se não fizessem parte da sociedade.

Família ainda está na Venezuela

Nuno Pereira saiu da Venezuela há um ano, para Bogotá (Colômbia), mas encontrou aí problemas de xenofobia, dado que existem muitos refugiados venezuelanos. Dois meses depois decidiu fazer a viagem contrária à que fez o seu pai em 1976, e veio para Portugal.
Este professor universitário de Artes começou do zero nas Caldas. Veio com parte da família e estão também a trabalhar a apanhar morangos no Bouro. “Temos que deixar o título universitário debaixo da cama”, realça Nuno Pereira, que actualmente já foi promovido a supervisor.
Diz-se feliz nas Caldas, mas não completamente. “Estou feliz a 50%, a outra metade está na Venezuela que é a minha mulher e os meus filhos que ainda não puderam sair porque estão há dez meses à espera de passaporte”, contou Nuno Pereira, acrescentando que aquele documento custa actualmente dois ordenados mínimos.
Considera que “a situação na Venezuela é uma bola de neve desde que o Chávez subiu ao poder” e nota que em Portugal só há dois ou três anos é que houve percepção do problema, com a vinda em massa dos luso-venezuelanos. “É grave. Um dia de trabalho meu em Portugal rende 20 euros, que é o ordenado do mês na Venezuela. E os preços continuam a crescer de dia para dia”, alertou.
Nuno Pereira conta que os venezuelanos vivem com fome, insegurança e falta de cuidados médicos, e que se regista uma saída do capital intelectual do país. Não tem dúvidas em afirmar que têm sido “20 anos de deterioração política e social de um país rico em recursos naturais e em capital humano, que está a sair porque não vê manteiga no pão”.
“Venezuela é uma nova Cuba”, afirmou o luso-venezuelano, notando que os serviços básicos estão deteriorados. “A título de exemplo, lá a Internet é lentíssima. Aqui tudo funciona. O contraste é sério. Lá quem vive bem está ligado ao governo”.
E diz mesmo que a possível eleição de Bolsonaro no Brasil (à data desta conversa ainda não se haviam realizado as eleições) se pode explicar com o medo de uma venezuelização daquele país.
Quase um ano depois da sua chegada a Portugal, diz que está a redescobrir as terras por onde anda. “Por exemplo, não sabia que a Igreja de N. Sra. Pópulo é mais antiga que a constituição da Venezuela como país”.

 

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