Caldenses renderam-se à animação no Parque mesmo com este às escuras

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CavalosSevilhana4Centenas de pessoas encheram, sábado à noite, 23 de Agosto, a Avenida dos Plátanos no Parque D. Carlos I para assistir a um evento que juntava a arte equestre à música, dança e artes circenses. O espectáculo, integrado nas comemorações da elevação das Caldas a cidade, agradou a todos, mas houve quem notasse que o mesmo, afinal, decorreu num parque que estava às escuras.

Este problema, que não teve consequências graves, mas podia tê-las tido (vejam-se as recentes questões ocorridas na zona metropolitana de Lisboa onde havia grandes concentrações de pessoas), deveria ter merecido mais atenção por parte dos organizadores, especialmente das entidades públicas envolvidas.
Nos últimos anos (e especialmente desde a suspensão das feiras no parque) a iluminação nocturna naquele espaço deixou de ser uma preocupação, tanto da entidade proprietária (Centro Hospitalar), como dos caldenses (Câmara), face aos elevados custos de manutenção e à insuficiência de recursos por parte do CHO, totalmente canalizados (e insuficientes) para os serviços hospitalares.
Recorde-se que nos anos 50 e 60 do século passado, havia sempre o dia da abertura da iluminação no Parque coma chegada do Verão na presença de muitos caldenses, tradição que se perdeu.
A autarquia que prometeu há quase 30 anos uns milhares de euros ao Centro Hospitalar, a troco da cedência do pinhal do Hospital de Sto. Isidoro para a ESAD, com o objectivo de realizar com esse valor obras no Parque e na Mata, nunca cumpriu a promessa.
Perante isto, e com base em razões técnicas e em desentendimento entre as partes, o espectáculo decorreu no Parque na escuridão, não por isso resultar de uma opção cenográfica, mas sim pela falta de condições objectivas para a sua realização com a segurança exigida.
O que valeu foi que o espectáculo em si correu bem. A Orquestra Ligeira do Monte Olivett deu o tom para a entrada dos cavalos em cena. Pouco passava das 21h30 quando três cavaleiros, trazendo uma vaca pelo cabresto, desfilaram com o animal pela Avenida dos Plátanos. Este viria a ser, de resto, a única associação entre cavalos e touros da noite, já que o resto do espectáculo foi dedicado às artes.
Um dos momentos mais altos do espectáculo foi quando a jovem fadista Teresa Rocha, de Alcobaça, interpretou êxitos de Mariza e Ana Moura, enquanto que a bailarina Sofia Bartolo se dedicou às danças sevilhanas, acompanhada, a cavalo, por Miguel Fonseca, actual campeão de equitação de trabalho.
A equipa deste cavaleiro arrancou ainda fortes aplausos quando apresentou um número de fogo com cavalos.
O grupo espanhol Zarabanda, composto por quatro mulheres que dançam (movidas por grandes estruturas móveis), deu colorido à noite, juntamente com os efeitos de pirotecnia que a sua actuação envolve. O espectáculo haveria de continuar noite fora com a actuação da Orquestra Ligeira do Monte Olivett, a interpretar grandes êxitos, acompanhados pelo público.
O problema foi mesmo a falta de iluminação adequada. Jorge Magalhães, presidente da Associação de Criadores de Cavalo Puro-Sangue Lusitano do Oeste (ACCPSLO), diz que isso “veio dificultar uma coisa que parecia simples”. O responsável diz que a Junta de Freguesia teve que pagar uma baixada à EDP porque “não havia corrente eléctrica no Parque” e que o quadro que foi colocado na Casa dos Barcos, pago pela Câmara com a ajuda do Oeste Lusitano, “está fechado”. Um facto confirmado por José Cardoso, do executivo da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório. Este autarca foi um dos que fez parte da organização do espectáculo.
Jorge Magalhães destaca que o evento envolveu 87 pessoas e atraiu largas centenas de visitantes, que assistiram às escuras a um espectáculo com uma produção que “já ultrapassa” o amadorismo.
“Uma vez que fazemos tudo a custo zero começa a ser muito difícil explicar a todos aqueles que trabalham a semana inteira que, em vez de lhes ser facilitada a vida para que as coisas floresçam, tudo lhes é dificultado”, lamenta, acrescentando que não acha normal “matar as forças criativas da cidade”.
O responsável diz mesmo que é altura dos cidadãos tomarem a decisão e não aceitarem “passivamente” que situações como a de sábado aconteçam. “Temos que aproveitar as forças criativas da cidade, mas pergunto se para aproveitar as forças criativas da cidade não teremos primeiro que traçar um rumo, por a cidade uníssona num objectivo”, questiona. Na sua opinião, “basta destas divergências, desta areia nas engrenagens, de dificultarem aqueles que querem fazer e a custo zero”, realça, referindo-se ao evento, que contou apenas com o apoio logístico da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e S. Gregório e da Câmara. Apesar destes problemas, Jorge Magalhães diz que a organização do Festival do Cavalo Lusitano em 2015 não está em risco.

A explicação do CHO

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O presidente do Conselho de Administração do CHO, Carlos Sá, rejeita qualquer intenção em dificultar a obtenção de energia no evento. De acordo com o responsável, tem sido sempre autorizada a realização de eventos, pois é seu interesse dinamizar o Parque e a Mata, mas realça que não compete a este organismo “criar as condições para os eventos organizados por outras entidades”.
Alexandre Augusto, coordenador do serviço de instalações e equipamentos do CHO, especificou à Gazeta das Caldas que, na reunião que houve com um representante da União de Freguesia, foi referido que  não era possível fazer uma puxada da Casa dos Barcos, mas que foi dada como alternativas a Casa da Cultura (Céu de Vidro), a Casa dos Guardas, ou mesmo falar com os responsáveis do Pópulus ou do Ténis, para esse efeito.
“Apesar de lá ter sido colocado um quadro eléctrico novo na Casa dos Barcos, o espaço não está impermeabilizado e o sistema de alimentação dos candeeiros não foi reformulado”, refere o responsável. Alexandre Augusto explicou ainda que os candeeiros não são acesos há vários meses por questões de segurança e que a reformulação do sistema eléctrico que os alimenta está previsto que seja efectuado desde a realização do Festival do Cavalo Lusitano e por parte da sua organização.
Carlos Sá disse ainda à Gazeta das Caldas que este evento traduziu-se em alguns prejuízos para o Parque porque, “ao contrário do que tinha sido solicitado, o palco foi colocado em cima da relva, ao invés de ser colocado no meio da avenida”. O responsável, que já falou com o presidente da Junta, Vítor Marques, acrescenta que o facto foi relevado, mas terá que ser reposta a situação anterior.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

Testemunhos

“Foi óptimo, gostei imenso. Acho que é muito importante para as Caldas e que devia de se realizar mais vezes”.
Adelaide Silva
Gaeiras (Óbidos)

“Gostei bastante. Já há sete anos que cá estou [natural da Batalha] e nunca tinha visto um programa assim tão engraçado. Costumo vir ao parque todos os dias passear com a minha cadela, mas acho que estes eventos o valorizam muito”.
Albino Santos
Caldas da Rainha

“Foi espectacular. Pena é que não haja mais vezes espectáculos destes. Já houve o do Cavalo Lusitano, que também foi muito bom.
É uma forma de valorizar o parque e a cidade, assim como de chamar as pessoas à rua. Já não era sem tempo”.
Natércia Ferreira
Caldas da Rainha

“Gostei imenso do espectáculo. Gosto muito de cavalos e acho que resultou muito bem a interacção com as outras artes. O cenário também é uma ajuda pois é belíssimo. Pena foi a fraca iluminação que impossibilitou que se visse melhor”.
João Lopes
Bombarral

 

“Caminhos da Rainha D. Leonor” em 2015

A Associação de Criadores de Cavalo Puro-Sangue Lusitano do Oeste (ACCPSLO) pretende promover os “Caminhos da Rainha D. Leonor” já em 2015. Tratam-se de rotas históricas a realizar pelo Oeste, que irão envolver a gastronomia e cultura e poderão ser feitas a cavalo, de bicicleta ou a pé.
A organização está a fazer o levantamento dos caminhos pedonais, sem trânsito, e a tentar obter as autorizações para criar as rotas. “A partir de Setembro vamos trabalhar em força no projecto e, no final de Outubro, pensamos já ter uma ideia de como é que vamos dinamizar essas rotas”, informou Jorge Magalhães.
O responsável destaca que existem várias romarias pelo país fora, como é o caso dos Caminhos de Santiago, e a associação gostaria de e criar uma na zona das Caldas. “É uma aventura que tem que existir no Oeste e para todas as bolsas”, disse, acrescentando o objectivo é sempre o de divulgar o Oeste e o cavalo lusitano produzido nesta região.
“Registámos a patente Oeste Lusitano há oito anos porque queremos que o Oeste seja uma marca e que seja lusitano não só com o cavalo mas com as tradições, a raça, a identidade”, conclui.

 

A família das terras e a família das águas a propósito de um evento às escuras

Há muitos anos uma rainha deixou aos seus sucessores a incumbência de governarem um povoado, ficando um dos ramos com a obrigação de gerir as terras e as produções, e outro as águas, que eram santas e abundantes.
Como os segundos tinham um bem imediatamente disponível foram encarregues também de velarem pela saúde dos habitantes do povoado e dos povoados vizinhos. Os primeiros, em contrapartida, teriam que trabalhar a terra e transformá-la para proverem a sua subsistência.
Durante muitos anos ambos viverem quase sempre em litígios, mas conseguiam gerir cada um de seu lado os seus bens, apesar de dificilmente se entenderem e porem em comum as vantagens que podiam ter, de juntarem cooperativamente os recursos que dispunham.
Apenas num lapso de tempo, quando houve um casamento de favor entre ambas as famílias (o chamado tempo do Berquó), as coisas correram melhor, mas logo sobreveio uma separação que as deixou até hoje separadas.
Mas mesmo assim lá forma vivendo, beneficiando das clemências da natureza e do tempo, e das contingências das épocas, havendo até alturas em que receberam gentes de outros povoados, mesmo longínquos que estavam em guerra, aproveitando a influência benéfica que isso lhes deu.
Ao longo dos anos ambas as famílias tentaram sempre beneficiar do património alheio, com um mínimo de investimento, invejando sempre as vantagens que os outros dispunham, sem quase nunca usarem a palavra partilha, que parece ter sido proibida de usar nestas paragens e ao longo da sua história.
Perto deste povoado, outro existia, também propriedade da mesma rainha, que apesar de muralhado ou por isso mesmo, viveu quase isolado e como que esquecido durante tempos imemoriais.
As gentes trocavam víveres, conviviam moderadamente, tinham propriedades que confinavam, às vezes discutiam das terras de uns e de outros, mas nunca foram muito conflituais, a não ser em tempos recentes, por questões de invejas pela forma como eram ambas vistas pelo poder maior.
Contudo, nos últimos quinquénios, com a abertura das fronteiras do reino maior, as coisas modificaram-se rapidamente para ambos os povoados
Aquilo que o povoado original tinha de melhor foi perdendo valor, porque foram inventadas alternativas às tais águas santas, bem como outros povoados do reino se afirmaram, cresceram e aumentaram a sua influência no condado.
O povoado ao lado, que pertencia a uma única família, tantos anos esquecido, viu os seus valores passados reconhecidos e tornou-se em moda, atraindo milhares de visitantes e organizando festas e comemorações sucessivas.
Aquilo que durante tantos anos de nada valeu, nos tempos presentes passou a ter um valor muito cobiçado, que fazia mover multidões, mesmo que isso custasse um pouco mais do que aquilo que eles tinham de reserva. Os vizinhos invejosos, às vezes, acusavam-nos de luxúria e de desperdício.
Mas mesmo assim, e apesar de algumas vozes contrárias no seu interior, prosseguia na senda ensaiada antes, tornando-se num nome sonante no reino, muito badalado pelos trovadores dos tempos da modernidade.
Nestes tempos mais recentes transformaram tudo o que estava inerte em valor, chegando ao ponto de colocar alguns dos inúmeros templos religiosos como locais de comércio e de festa. Os novos ventos permitiam-no e isso trazia mais gentes e mais rendimento.
Em contrapartida, no nosso primeiro povoado, as últimas décadas foram de poupança total, pouco se arriscava e no caso dos negócios de uma das famílias, ligado à água e à saúde, os rendimentos não chegavam para os recursos e o património ia-se degradando.
Essa família que ficou com a herança das águas, foi abandonando o seu património e sem zelar devidamente pela qualidade dessas mesmas águas, viu esfumar-se num ápice (em poucos anos) o nome que tinha e as gentes deixaram de a procurar.
Do outro lado, a família das terras, foi tentando beneficiar dessas dificuldades e foi-lhe ficando com parte das terras, mesmo em negócios que prometia pagar e depois nunca pagava. Infelizmente, não percebia que com isso estava a condenar ambas ao declínio.
Aqui há uns anos, mais de uma trintena, ainda conseguiram fazer um negócio de utilização conjunta de parte do património, com umas festas dedicadas à fruta e à cerâmica (uma produção que desde há muito o povoado se começou a dedicar). Mas o acordo perdeu-se com a mudança de geração e cada um foi para seu lado desenvolver as suas actividades, provavelmente a contento de ambos, mas não percebendo que assim esse património não utilizado se começaria a degradar inexoravelmente.
Com a crise recente no condado, provocada por dívidas não pagas aos outros países a que o condado se tinha aliado, com falta de recursos para alimentar e animar o povo como antes na sua tradição, uma das famílias (a das águas) foi (vai ser) obrigada a entregar à outra os seus bens para ver se os consegue gerir.
Mas no entretanto, muito do dinamismo natural se havia perdido, muito património estava velho e decadente, o poder central a que antes recorriam estava também sem cheta, e a história podia acabar aqui sem se tirar qualquer moral da mesma.
Só que há dias a família proprietária das terras organizou, tal como o fazia há muitos anos – mas agora com maior autoridade pois quase que se sentia já proprietária das ditas – uma festa nocturna numa das propriedades da família das águas.
Esqueceu-se que entretanto aquele património se tinha degradado com os anos, mas mesmo assim foi por diante, na esperança que da escuridão surgisse a luz, dada a oportunidade dessa festa.
As gentes juntaram-se para ver a festa, vieram cavalos e cavaleiros, cantores e cantoras, e música da rija. Mas no meio daquela gente, como na lenda se conta, uma criança gritou: “O Rei vai nu…!”
Ou seja, aquele que foi um aprazível espaço, onde se realizaram ao longo dos anos festas muito sonantes,  atraindo gentes de todas as redondezas, estava hoje transformada, depois do por do sol, como na Idade Média, num deserto de recursos, mergulhado na maior das escuridões.
E afinal a culpa é de quem? De todos e de ninguém, dirá o nosso leitor!
Esta história, que pode parecer muito enigmática e ilusória, apenas tenta de forma irónica, descrever uma narrativa de uma morte anunciada.
Será que ainda iremos a tempo de inverter a situação e reunir os meios necessários para atalhar o caminho seguido nos últimos cinquenta anos?
Como se dizia antes, chegamos a um ponto em que não há culpados nem responsáveis por toda esta caminhada, porque afinal todos a fizemos, com mais ou menos obediência aos ditames, e sem termos consciência do que estava a passar-se e das suas consequências.
Será já tarde para recomeçar?

JLAS

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