Caldense percorreu 12 mil quilómetros à boleia e visitou nove países em África

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notícias das CaldasÁfrica do Sul, Botsuana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué foram os países que um caldense visitou durante uma viagem de 12 mil quilómetros, feita em 33 dias e a maior parte da qual à boleia.
Loïc Pedras contou em exclusivo à Gazeta das Caldas a viagem que teve momentos muito bons, mas também várias dificuldades.
Do melhor, salienta “o regresso ao simples, a batuta da natureza através da dependência das marés e do vento para se viajar de barco para uma ilha, da luz solar para fazer as coisas mais simples, o nascer e o pôr do sol, a ausência de poluição luminosa que mostra o céu estrelado do hemisfério sul, a simpatia, humor, humildade, hospitalidade, a esperança e os sorrisos dos africanos”. Mas também a variedade da fauna e da flora.

Pelo lado negativo, salienta alguns pedidos de suborno a que nunca acedeu ou a insegurança na África do Sul, mas também as situações em que ficou muito tempo à espera de uma boleia.
“O mais caricato é que as piores experiências acabam por ser também as melhores experiências. Se não fosse estar dois dias no mato de Moçambique, nunca saberia como é viver no interior profundo de um país africano, como é possível viver apenas do que a natureza nos dá, sem electricidade ou gás, não teria a sorte de encontrar pessoas extremamente hospitaleiras que me deram cama e comida durante esses dois dias”, relatou.

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Um viajante nato

Loïc dos Santos Pedras nasceu em França a 6 de Janeiro de 1983, mas passou a sua juventude nas Caldas da Rainha, onde reside a sua família. Embora actualmente trabalhe e viva em Lisboa, considera-se um caldense.
Assessor técnico no Comité Olímpico de Portugal, é durante os tempos livres um backpacker, designação que se dá aos turistas que, de mochilas às costas, viajam por vários destinos de uma forma mais económica e por períodos longos de tempo. Na sua lista de países visitados contam-se 55 reconhecidos pela ONU, para alem do Kosovo e da Palestina.
Licenciado em Ciências do Desporto e Educação Física, Loïc Pedras  tem ainda uma pós-graduação em Gestão do Desporto e mestrados em Gestão do Desporto e em Direito Desportivo. Actualmente está a fazer um doutoramento em Ciências do Desporto.
Quando viaja sente-se muito feliz e disponível para tudo o que possa acontecer. “Adoro os choques culturais, o destruir preconceitos e ideias feitas à priori, abrir o nosso horizonte, superar-nos a nós próprios ultrapassando os obstáculos, viver momentos, experiências e lugares marcantes”, disse à Gazeta das Caldas.
“A memória mais antiga que tenho é uma viagem de comboio de Lisboa a Paris com a minha mãe e recordo-me o fascínio que senti quando passámos a fronteira para França e tinham adaptar os rodados da carruagens aos carris, que eram diferentes”, recordou.

Um casamento em Maputo

O périplo por África começou em Moçambique no início de Agosto. “Aterrei em Maputo e rumei para norte, onde fui a um casamento, perto de Xai Xai, logo no primeiro dia”, contou.
Seguiu depois para Vilankulos “onde fiz mergulho na Ilha de Bazaruto” e a seguir apanhou uma boleia durante 700 quilómetros com um paquistanês, que vivia em Moçambique há 20 anos e que importa carros da África do Sul. “Ele nem me deixou pagar o almoço”, contou.
No dia seguinte ajudou um soldado moçambicano, que estava sem dinheiro, a chegar à sua base militar. O português e o moçambicano apanharam uma boleia de um casal de holandeses.
Chegado à Ilha de Moçambique encontrou um turismo um pouco mais cultural e histórico numa cidade “muito bonita e acolhedora, que é património da humanidade e respira descobrimentos e portugalidade com calçadas portuguesas e uma estátua de Vasco da Gama”. Foi nesta cidade que comeu lagosta por cinco euros.
O destino seguinte foi a Ilha do Ibo, no Arquipélago das Quirimbas. A viagem durou um dia inteiro e as últimas cinco horas “foram aos saltos numa camioneta de carga de arroz num caminho pelo Parque Natural das Quirimbas”.
O objectivo era apanhar o barco que fazia a ligação durante a maré cheia, mas como não chegou a tempo, acabou a dormir na esquadra da polícia local, com a tenda montada no pátio entre o guarda e os quatro prisioneiros.
Depois da passagem pelas ilhas do Ibo e das Quirimbas, “estilo paraíso tropical”, decidiu iniciar a aventura de atravessar Moçambique pelo mato, em vez de pegar a estrada alcatroada até ao Malawi.
Foram três dias para fazer 140 quilómetros. Conheceu então o filho de um português (que ficara em Moçambique depois do fim da guerra colonial) que lhe deu uma boleia de mota até ao local onde morava o pai. “Foi uma grande alegria porque há muitos anos que ele já não via um branco, e muitos menos um português, por aquelas bandas”, contou o viajante. O outro filho deste português acabou por levar Loïc Pedras até à próxima localidade.

Bungee jumping a 111 metros de altura

Desse ponto apanhou uma boleia de 500 quilómetros até à fronteira com o Malawi. Esteve em Cape Maclear, uma pequena povoação pescatória situada nas margens do lago Malawi e seguiu para norte. Em Nkhata Bay esteve num albergue de backpackers junto ao lago.
“A seguir começava a minha tentativa de recuperar o tempo perdido no mato para não ter que cortar a passagem pela Namíbia”, contou.
“Para piorar a situação havia uma crise de combustível no país, o que tornava a minha viagem ainda mais complicada”, relatou.
Em Mzuzu, a segunda cidade do Malawi, teve que “batalhar”, com muitos empurrões, por um lugar no interior do autocarro que faria a ligação à capital, Lilongwe.
No mesmo dia em que chegou à capital morreram 19 pessoas em confrontos com a polícia numa manifestação contra o governo.
A partir de Lilongwe fez mais uma viagem, à boleia e de autocarro, até à Zâmbia. Em Livingstone visitou uma das maravilhas naturais do mundo – as Cataratas Vitória – “uma das paisagens mais fascinantes que já passaram pelos meus olhos”, afirmou.
Na fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabué existe uma ponte que constitui o terceiro ponto mais alto do mundo. Aqui fez bungee jumping a 111 metros de altura.
As cataratas continuam do lado do Zimbabué. “Enquanto que do lado da Zâmbia sentimos a ‘chuva’ miudinha que vem de baixo para cima, porque estamos muito próximos das cataratas, do lado do Zimbabué estamos mais afastados, mas as vistas são melhores e dá para ter uma melhor ideia do que temos à frente”, adiantou o backpacker.
“Sorte minha que nessa noite em que atravessava a fronteira, tinhamos a lua cheia, sendo possível visitar as cataratas à noite e ver uma coisa que eu nem sabia que existia – o arco-íris nocturno”.

Experimentar carne de zebra, de gnu e de impala

Apanhou depois uma boleia com franceses até Kasane, um ponto geográfico situado entre quatro países: Namíbia, Botsuana, Zâmbia e Zimbabué.
Fez um safari no Parque Natural Chobe, onde teve a possibilidade de ver muitos animais perto do trilho e até de avistar um leopardo (algo que é raro num safari).
“À noite, no nosso parque de campismo, ouvimos cinco tiros, muita agitação e um enorme rugido. Era um elefante que estava a 300 metros de nós e se dirigia para o nosso parque de campismo”, mas tudo acabou bem.
Na madrugada seguinte visitou o delta do rio Okavango “que em vez de terminar no mar, termina no deserto do Kalahari inundando a zona de animais e plantas”.
Nesta viagem teve que carregar às costas um backpacker francês, que desmaiou.
Entretanto conheceu duas jovens suíças que tinham alugado um carro para visitar o Botsuana e a Namíbia. Acabou por seguir com elas na viagem de 800 quilómetros que separam Maun de Windhoek (capital da Namíbia).
Partiram de madrugada e ao final da tarde já tinham chegado. O jantar foi no restaurante Joe’s, onde Loïc Pedras experimentou carne de zebra, gnu, impala, cabra-de-leque e avestruz.
No dia seguinte visitou a costa atlântica. Primeiro, Swakopmund, uma estância balnear para turistas alemães cuja atracção é o estilo arquitectónico colonial alemão, e depois Walvis Bay, uma cidade “quase engolida pelas areias do deserto que tem uma lagoa onde se podem ver flamingos”.
Regressado à capital da Namíbia continuou à boleia com as jovens suíças até Sossuvlei, a principal atracção da Namíbia. “Com esta viagem fixei um novo recorde pessoal de boleia, num total de 1176 quilómetros”, explicou.
Segundo Loïc Pedras , Sossuvlei é o deserto mais antigo e alto do mundo, que tem a particularidade de ser vermelho e terminar abruptamente no oceano, “os descobridores portugueses chamavam-lhe as Areias do Inferno”.
Depois da visita, já sozinho, esteve 24 horas numa estação de serviço à espera de uma nova boleia. Depois de o conseguir, viajou umas centenas de quilômetros e chegou a uma local onde pôde apanhar um autocarro até à cidade do Cabo.

A paixão pela cidade do Cabo

Loïc Pedras confessa que se apaixonou pelo Cabo, que tem “museus e galerias de fazer inveja às principais cidades ocidentais”, mas também um parque natural, colónias de pinguins, baleias ao largo da costa e “praias de cortar a respiração”. Aqui também passou pela experiência de mergulhar dentro de uma jaula e ficar rodeado de tubarões.
Seria perto dos tubarões que conheceria um espanhol com quem viajou num percurso costeiro pela África do Sul, com passagem pela Garden Route e pela “meca do surf”, Jefrey’s Bay.
Já em Bloemfontein dormiu na estação de autocarros, seguindo depois para Lesoto.
Depois de experimentar o que de melhor há naquele pequeno país, voltou para Bloomfontein de onde apanhou uma boleia e depois um  autocarro até à Suazilândia.
“Os meus planos eram simples, fazer rafting no rio Usutu, um dos melhores locais para se fazer esse desporto”, mas quando lá chegou não havia o número de pessoas suficiente para o poder fazer.
A frustração que sentiu terminou quando descobriu que perto do albergue onde se tinha hospedado estava a acontecer o maior festival da Suazilândia com a presença do monarca, Mswati III, “que naquele dia escolhia a sua 13ª mulher de entre as presentes”. Loïc Pedras ficou impressionado com o espectáculo cheio de cor e danças.
No dia seguinte rumou de novo a Maputo que considerou ser a cidade mais interessante que visitou nessa viagem, depois da cidade do Cabo. O português gostou de ver a forma como a cidade está bem organizada e tem vários pontos de interesse. Outro aspecto que lhe agradou foi a tolerância religiosa num país em que 30% população é muçulmana.
Voltou para Portugal com uma certeza: “a melhor maneira de se visitar África é à boleia”. Para o próximo ano talvez vá para a América Central.

 

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