Não foram cinco mil, mas apenas pouco mais de mil pessoas que assistiram a concertos do Caldas Nice Jazz, que terminou no passado domingo.
Apesar de o número de espectadores ter ficado aquém do estabelecido, o mentor do festival, Carlos Mota, diz que “foi muito maior o impacto que o resultado”. O director do CCC diz que o sucesso ou fracasso do festival não se mede apenas pelos números e que este evento foi criado para perdurar, sendo necessário insistir até se tornar numa referência nacional. Para já, Carlos Mota diz que “as Caldas já pode dizer que tem um festival de jazz de qualidade”.
Os dois momentos altos coincidiram com os dois sábados em que actuaram Tigran Hamasyan, e Cláudia Franco e Alexander Stewart, registando casas acima das 200 pessoas.
O director do CCC estimou a assistência total (concertos no CCC e nos estabelecimentos comerciais e escolares) em cerca de 1300 pessoas. Quanto às receitas, com patrocínios incluídos, estas cobriram metade do investimento.
Para o futuro ficam vários projectos, como a criação de uma Big Band Jazz na cidade, a inclusão de workshops no festival. Os que estavam previstos acabaram por não se realizar porque estavam englobados nos packs de fim-de-semana e não tiveram a adesão desejada sendo, portanto, cancelados.
O Caldas Nice Jazz extravasou, pela primeira vez, as fronteiras espaciais e saiu à rua, espalhou-se pela cidade e envolveu neste festival vários parceiros.
Paulo Feliciano, proprietário do espaço do Pachá, salientava o facto de o CCC, a cidade e os estabelecimentos comerciais terem trabalhado em conjunto. “Devia acontecer mais vezes” referiu, demonstrando depois a sua abertura a iniciativas deste género. “É de aproveitar estas sinergias” afirmou.
Por outro lado, o facto de o concerto não ter acontecido na rua não deixa de merecer o reparo do proprietário da Casa Antero/Pachá.
Nádia Schilling, vocalista dos Raging Jazz (banda caldense que actuou na ESAD na quinta-feira), referiu-se a este evento como “uma noite maravilhosa”. A artista confessou ser uma surpresa o facto de o auditório da escola estar tão cheio.
Para uma banda caldense é muito importante ter um espaço nas Caldas para mostrar o que fazem. E ter actuado na escola onde três elementos da banda estudam é ainda melhor. “Sentimo-nos muito bem acolhidos aqui e é bom para dar a conhecer aos nossos colegas” disse Catarina Branco, baterista da banda e estudante daquela escola, que a brindou com uma assistência de cerca de 220 pessoas.
Eneida Tavares, estudante da ESAD que veio assistir ao concerto, lembrou o quão importante é o facto de o Caldas Nice Jazz vir até esta escola. “Faz todo o sentido que assim seja porque temos um espaço com condições que devia ser mais dinamizado”.
Na opinião de Rodrigo Silva, director da ESAD, este evento “demonstra a ligação à cidade, uma disponibilidade para acolher o que acontece nas Caldas”. Uma realidade que já não se verifica no sentido inverso pois este responsável lamenta que a “cidade não venha mais vezes à escola ver o que de bom aqui se faz”.
Já João Barradas, acordeonista que tocou na sexta-feira no grande auditório do CCC (onde gravou, dois anos antes, o seu CD) salientava, tanto enquanto músico como enquanto espectador, o desejo de que o festival dure durante muitos anos, realçando a qualidade do cartaz e das condições que o CCC oferece para se desfrutar desta música. “O director Carlos Mota, o CCC e as Caldas da Rainha podem dizer que estão de parabéns pois não é todos os dias que se pode dizer que se viu concertos desta importância, e a estes preços ainda menos”, disse o artista.
Isaque Vicente
Ivicente@gazetadascaldas.pt
COMENTÁRIO
Um festival com vontade de crescer
De 24 de Outubro a 2 de Novembro decorreu a segunda edição do Caldas Nice Jazz, um festival que se quer afirmar para o futuro. Desde logo, a linha de programação releva personalidade própria, ao combinar jovens talentos emergentes com propostas que vão de encontro ao gosto popular. As presenças de Tigran Hamasyan e do quarteto de João Barradas e João Paulo Esteves da Silva são representativos do critério atento da programação.
Tivemos oportunidade de assistir aos concertos dos dias 1 de 2 de Novembro: Cláudia Franco e Alexander Stewart na noite de sábado; o quarteto austríaco Donauwellenreiter na tarde de domingo. No auditório do Centro Cultural e de Congressos a jovem cantora portuguesa Cláudia Franco afirmou-se como uma boa revelação para o cenário do jazz português, com uma voz bonita, sedutora. Aliada a uma boa presença e figura cativante, a cantora revelou uma interpretação eficaz, bem acompanhada por um sólido apoio instrumental – Rui Caetano no piano, João Custódio no contrabaixo e Pedro Felgar na bateria. Um dos destaques do grupo foi a guitarra de Bruno Santos, sempre suave e certeira. O trompetista Tomás Pimentel surgiu como convidado, acrescentando lirismo em alguns temas. Com um alinhamento equilibrado, o concerto arrancou com o standard “The boy next door”, passou pela alegre “The Trolley Song”, incluiu covers (“By your side” de Sade resultou bem; “Heart of Glass” dos Blondie foi uma aposta curiosa, mas com o arranjo demasiado lento perdeu o impacto original). Esta apresentação ao vivo de Cláudia Franco fechou com uma canção de Tom Jobim, a belíssima “É preciso dizer adeus”. Apesar da breve duração da actuação, a cantora deixou boas indicações para o futuro.
A estrela da noite de sábado seria o cantor Alexander Stewart e o inglês tratou de confirmar as credenciais bem cedo. Mais do que um simples cantor, e apesar de bastante jovem, Stewart mostrou-se um óptimo “entertainer”, um animador completo. A voz seguríssima faz lembrar Jamie Cullum e a performance tem a firmeza de um músico experiente. Mais do que jazz, o alinhamento passou sobretudo por temas oriundos do imaginário pop/rock, por versões de canções popularizadas por Dione Warwick, Stevie Wonder, Mariah Carey, John Lennon e Paul Simon (a inevitável “50 ways to leave your lover”). Também houve clássicos do jazz, ainda que em menor escala: “I thought about you”, “One for the road”, “Witchcraft” (de Sinatra, apropriada para a época de Halloween). O concerto contou ainda com a participação de Cláudia Franco, em dueto com Alexander Stewart em duas canções – nervosa no primeiro tema, mais confiante no segundo. Com George Moore no piano, Robert Anstey no contrabaixo e Andrew Chapman na bateria, o acompanhamento instrumental mostrou-se competentíssimo, mas limitado a um papel secundário, sempre na sombra. Individualmente digno de nota terá sido apenas um solo do contrabaixo e um ou outro apontamento pontual do piano. O problema de Stewart é que, com toda a qualidade vocal, por vezes puxa demasiado o brilho às composições, mesmo quando a canção não o pede, quando seria preferível mais contenção. Não foi um concerto típico de jazz, foi um espectáculo pleno de brilhantina, que não destoaria no palco de um casino luxuoso.
O festival fechou com a actuação do grupo Donauwellenreiter, ao final da tarde de domingo. O grupo, oriundo de Viena, combina piano e bateria (instrumentos típicos do jazz) com dois cordofones: violino e violoncelo. Pela natureza da instrumentação há uma clara aproximação à música de câmara, mas o quarteto explora uma estética “crossover”. No auditório do CCC, desta vez com muitos lugares vazios, ouviu-se uma combinação de world music, clássica, jazz popular e até laivos de música cigana. Esta é uma música fluida, os ambientes sonoros deixam-se entrelaçar com naturalidade, os temas assentam em padrões melódicos que se repetem e cativam facilmente a plateia. Peculiar na forma, esta formação revelou quatro óptimos instrumentistas: Maria Craffonara (violino, voz e kalimba), Thomas Castaneda (piano), Lukas Lauermann (violoncelo) e Jörg Mikula (bateria). A actuação do quarteto austríaco confirmou-se como um sucesso junto do público, ainda que francamente afastado da matriz jazz que define o festival.
Nuno Catarino
Crítico de música






























