Caldas integra estudo internacional de combate ao desemprego e activação jovem

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TodosVisitaAssocBordeus copyAs cidades das Caldas da Rainha e Amadora foram as escolhidas, em Portugal, para integrar um projecto internacional, que envolve também Espanha, França e Eslováquia. Denominado YouthLab, inserido no programa Erasmus+, tem por objectivo realizar um estudo sobre os novos paradigmas da activação e emancipação dos jovens, dificultadas pelo desemprego a nível europeu.
Em Portugal, o projecto é dinamizado pela CAI – Conversas Associação Internacional, que em Abril de 2016 receberá os seus congéneres europeus e apresentar-lhes-á as associações que apoiam jovens na criação de projectos inovadores.
Gazeta das Caldas foi convidada para acompanhar a visita de estudo que decorreu em Bordéus (França) e o fórum internacional em Bratislava (Eslováquia), elementos que se juntarão às experiências dos outros países e que serão sintetizadas num documento final, cuja apresentação está prevista para Junho em Bayonne (França).

O desemprego juvenil e a consciência de que não haverá no futuro uma sociedade de trabalho como a actual foi o mote que norteou o projeto YouthLab, que procura recolher boas práticas ao nível da activação juvenil e depois avançar com propostas de solução para este problema, comum em todos os países.
Resultante de uma candidatura da Asociación Navarra Nuevo Futuro (Espanha) ao Eramus+, o projecto, financiado em cerca de 100 mil euros, junta nove associações daquele país e de França, Eslováquia e Portugal (Caldas da Rainha e Amadora). Iniciado em Fevereiro de 2015 terá uma duração de 18 meses, período durante o qual são estudados exemplos de boas práticas de integração de jovens no mercado de trabalho e em contextos de cidadania activa.
“Preocupa-nos o desemprego, mas também a dificuldade dos jovens em se emanciparem, em se tornarem adultos interventivos a nível social, uma passagem que se está a dilatar no tempo e a criar muitos problemas para as famílias e a sociedade”, disse Jon Etxeberría, coordenador do “YouthLab”.
Tentar perceber se as acções que fazem para os jovens são as certas e quais os resultados que obtêm são algumas das preocupações do responsável, que sublinha a importância da pessoa “se sentir socialmente útil, mesmo quando não tem trabalho”.
Pensar no voluntariado e no serviço à comunidade como mais-valias será outra forma alternativa de olhar para a realidade laboral. “Podemos imaginar uma realidade onde toda a gente trabalhe menos, que o ócio seja educativo e que possamos fazer coisas pelos outros”, exemplificou o responsável espanhol.
Jon Etxeberría participou, juntamente com representantes dos outros três países, num encontro de coordenação realizado em Bratislava, na Eslováquia, em inícios de Dezembro. Durante quatro dias de trabalho foram apresentadas as acções realizadas em cada país, assim como as boas práticas que se podem daí retirar.
Na Eslováquia os exemplos recaem em iniciativas viradas para a integração social e preparação escolar de crianças e jovens de etnia cigana e acompanhamento de grupos excluídos, como profissionais do sexo, aos quais é prestado acompanhamento social e jurídico.
Em França, nomeadamente em Pessac (Bordéus), as associações chegam aos jovens, muitos deles descendentes de imigrantes e a morar em bairros periféricos, através da prática do desporto, como o futebol e o boxe, para depois trabalharem a integração social.

Visita às Caldas em Abril

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Em Espanha o projecto envolve várias associações que trabalham com jovens, mas também universidades, como é o caso da Universidade de Mondragon, no País Basco. Este estabelecimento de ensino superior tem a particularidade de ter uma licenciatura que aplica a metodologia Team Academy, onde os alunos empreendem em equipa, com base em valores cooperativos. Têm apenas três meses de aulas e, durante o resto do ano, desenvolvem “projectos empresariais em vários pontos do mundo, com os quais geram dinheiro para os seguintes, em que adquirem experiência profissional e competências sociais pelas quais são avaliados”, explicou David Maetzu Santiago, um dos participantes no encontro.
A frequentar o terceiro ano do curso de Liderança, Empreendedorismo e Inovação, o jovem basco já realizou diversas acções, como vender garrafas de água, limpar vidros ou realizar concertos, para financiar projectos que querem desenvolver. A sua equipa já esteve em S. Francisco e em Fevereiro partirá para a India e depois para a China.
Pagam impostos pelos seus trabalhos como se de uma empresa se tratasse e, como refere David Maetzu Santiago, são o “mais real possível, embora estando sob o chapéu da universidade”.
Em Portugal, o projecto é dinamizado pela CAI – Conversas Associação Internacional, sediada em Lisboa e que tem como principais objectivos a intervenção social, cooperação e educação para o desenvolvimento nas áreas da prevenção, tratamento e inclusão social. Também se dedica à pesquisa, formação e desenvolvimento de actividades culturais, como é o caso do teatro Holofote.
Em Abril irá receber os parceiros europeus e mostrar os projectos e associações que, nas Caldas e Amadora, apoiam jovens. Estes e outros exemplos serão sintetizados num documento final que será “o ponto de partida para uma investigação de novos modelos de organização laboral e social que respondam ao problema dos jovens”, explica Jon Etxeberría. O responsável está satisfeito com o trabalho realizado e acredita mesmo que “conseguimos mais conhecimento do que pensamos”, e que depois querem difundir, de modo a chegar ao maior número de países da União Europeia.

A experiência de Bordéus
O que fazem, em Bordéus, dois eslovacos, três espanhóis e uma portuguesa que não se conheciam de parte nenhuma? Partilham experiências pessoais e profissionais e, acima de tudo, compreendem como as suas realidades, embora diferentes, têm pontos em comum que é necessário trabalhar e encontrar bons exemplos para adaptar nas suas terras.
Neste caso concreto a integração dos jovens foi o mote do encontro e, conduzidos pelos educadores que trabalham diariamente nas ruas dos bairros de Pessac, “entraram” nas associações e até tiveram oportunidade de experimentar algumas das suas práticas.
A primeira visita, a 3 de Novembro, foi a clube de boxe que, naquele caso, é muito mais do que um simples espaço desportivo. Na Union Sportive Saige Amis de Pessac  (USSAP) Boxing os mais novos aprendem a modalidade, mas sobretudo o sentido de pertença e de integração a nível social. “Trata-se de uma experiência para os jovens alargarem horizontes”, explicou o seu director, Moamed Jamai, destacando que na zona vivem cerca de seis mil pessoas de 42 nacionalidades, sobretudo do norte e oeste africano, América do Sul, Ásia, Roménia e Portugal.
Para além do boxe, existe um espaço aberto, diariamente, para toda a comunidade, disponível para a prática de vários desportos. Maomet Jamai também é um trabalhador social nas ruas, especializado em prevenção.
Maomed começou a praticar boxe com três ou quatro jovens, em inícios da década de 90, e agora o clube integra 100 rapazes e 20 raparigas. As idades variam entre os cinco e os 35 anos para competição, e estendem-se até aos 55, para praticantes ao nível da manutenção desta prática desportiva.
As paredes estão repletas de recortes de jornais e fotografias que mostram a história de sucesso da associação. Exemplos disso mesmo são a tournée do “Rei Mohaomed VI” em 2006, a participação no campeonato do mundo na China, em 2005, no Campeonato do mundo em Chicago, em 2007, e nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
Deste clube já saíram sete jogadores para a equipa nacional francesa, entre eles uma rapariga, o que faz dele o segundo mais famoso de França. Os jovens não pagam qualquer valor por ali treinar, apenas o seguro da federação, quando competem.
A associação também coopera com as escolas. Têm um ringue móvel que leva aos estabelecimentos de ensino para que os alunos possam ter contacto com a modalidade do boxe. A USSAP Boxing trabalha com outras associações de Pessac para resolver os casos problemáticos que surgem.
A uns metros desta associação, situa-se uma outra, denominada Union Sportif and Cultural of Pessac, criada em 2002 com o objectivo de favorecer a inserção dos jovens através das práticas desportivas, cívicas, solidárias e culturais. A autarquia cedeu-lhes um espaço, que funciona como sede, e que está aberto entre as 19h00 e as 2h00 da madrugada durante seis dias por semana. O local está equipado com wi-fi, jogos de consola e televisão, que permite aos jovens ver os jogos de futebol. Recebem uma média de 40 pessoas por dia, a sua maioria homens.
A associação começou com cinco jovens e agora possui 20, a sua grande maioria da zona. Na sede os jovens podem estar nos seus tempos livres, mas também trabalham com todas as estruturas sociais ali existentes e, sempre que necessário, contactam as outras associações que prestam trabalho em Pessac.

Apoio na inserção social

Em Pessac funciona também a BATI Action, uma corporação social que ajuda à inserção profissional. Os membros (90% homens e 10% mulheres) recebem formação para trabalhar essencialmente nas áreas dos espaços verdes e reformas e manutenção de apartamentos.
Os profissionais desta associação promovem um trabalho de integração junto das pessoas da localidade, que ali têm que cumprir dois contratos: um de trabalho, que corresponde a 26 horas por semana, e um outro moral, que consiste na procura activa de emprego. Os participantes recebem formação interna relacionada com os trabalhos que vão realizar, assim como fora desta instituição, que trabalha em rede com outras, como a Action Local ou Câmara local.
O segundo dia de visitas incluiu também o contacto com a “Mission Locale” criada em 1982 e em 2005 integrada no Serviço Publico de Emprego, sendo que em 2013 já existiam por todo o país 463 espaços daquele género. Trabalha com jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos, com o objectivo de os acolher, informar, orientar e ajudar a resolver os seus problemas de inserção social e profissional.
Nelly Peltier é a directora da Mission Locale des Graves, criada em 2004 e que actualmente tem 48 colaboradores. Só nesta região existem 5400 jovens, cujo acompanhamento é feito através da adesão voluntária. Este pode ser ao nível da saúde, alojamento e emprego. “O grande objectivo com os jovens é fazê-los conseguir ser autónomos e independentes. Se não conseguirmos que eles não consigam arranjar soluções não atingimos os nossos propósitos”, explicou Nelly Peltier durante o encontro com o grupo.
No caso concreto desta associação, onde é actualmente prestado apoio a cem pessoas, a sua maioria mulheres com crianças, recebendo ajuda para a sua subsistência, mobilidade, alimentação ou formação. O apoio pode estender-se à obtenção da carta de condução, férias, formação para os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, mediante várias condições.
Têm também apoios dos empregadores para trabalhos assistidos e formação em contexto de trabalho. A responsável reconheceu, contudo, que apesar de teoricamente existirem várias soluções para os jovens, a burocracia e a crise económica, levam a que na prática seja bastante difícil arranjar emprego. Na França o desemprego jovem anda na ordem dos 25%.

“Temos por princípio que a educação é um direito”

Contribuir para o desenvolvimento moral, educativo, social, económico e cultural do povo da África Central e dos emigrantes desses países a viver em França foi o objectivo que norteou a criação da Mamboko Association, em 2005. O nome da associação significa “mão na mão” e o desafio foi fazer com que reconhecessem todos os cidadãos franceses.
Num rés-do-chão de um bairro residencial, onde está sediada, decorrem cursos de informática para pessoas que depois ensinam nas escolas locais. Nesta associação os jovens com mais formação ajudam os mais novos nos estudos e, uma vez por semana, decorrem aulas de francês para estrangeiros. Existe uma sala multimédia, com internet, e apoiam os jovens na sua inserção, na procura activa de emprego e também têm uma geminação com Burgos (Espanha) para onde enviam jovens em intercâmbio.
Em 2008 e 2010 a associação desenvolveu projectos de três semanas em Bangui, na África Central, com um grupo de rapazes e outro de raparigas, respectivamente.
Noutro bairro existe, há 30 anos, a CSGTP, uma associação que pertence à federação desportiva e gímnica dos trabalhadores de Pessac. Trata-se de um movimento histórico de trabalhadores desta região, que se ocupa da educação desportiva dos seus filhos, permitindo que os mais novos pratiquem, gratuitamente, os desportos que mais gostam.
“O primeiro objectivo da federação era tornar o desporto popular e promover o bem-estar da pessoa”, contou o coordenador da associação, e formador, Raphael Lina.
Yvon Sombodey foi um dos jovens que se formou nesta associação. Foi para lá pequeno e depois foi monitor dos mais novos. A associação ajudou-o, inclusive, a prosseguir os estudos ao nível da animação de jovens. No historial desta comunidade há cerca de uma centena de jovens que fizeram um percurso idêntico ao de Yvon, tendo prosseguido os estudos.
Os jovens estão todos na associação a título voluntário e ajudam no que podem. Anualmente passam pelas actividades da CSGTP cerca de 300 jovens com idades compreendidas entre os 3 e os 18 anos. “Temos por princípio que a educação é um direito, não tem que se pagar por ela”, defendeu Raphael Lina.
As actividades, essencialmente desportivas, são praticadas no ginásio e nos espaços municipais.
O quarto dia terminou com uma visita à associação de Futsal Chatagneraie, onde foi possível ver vários níveis etários de crianças a treinar. Criada há quatro anos por uma equipa de amigos para jogar futebol, depressa começou a dar nas vistas com as vitórias que teve e a levou a chegar à segunda divisão nacional de Futsal. O grupo aproveitou então esse entusiasmo e identidade com a equipa para ajudar os jovens do bairro, não só a nível desportivo como também social.
A associação foi criada por três amigos e tem actualmente 150 membros sendo o segundo clube de futsal em França com maior número de adeptos. É financiada pela autarquia local, sendo que a maior parte do apoio se destina à componente social que exercem. Criaram cinco empregados, cujo vencimento é pago na sua maioria (85%) pelo governo central.
O Futsal Chatagneraie está situado num bairro onde não existem muitas outras associações a trabalhar com os jovens ao nível do desporto. Já este ano criaram uma equipa de futebol com os mais pequenos. Pretendem chegar o mais longe que puderem, se possível à primeira divisão, mas não descuram a responsabilidade que têm ao nível da promoção da autonomia dos mais jovens e do encontro de soluções no campo social.
“Ter uma nacionalidade diferente é difícil aqui”, referiu Rabir, um dos responsáveis do Futsal Chatagneraie, acrescentando que a associação permitiu-lhes também ganhar novas competências sociais, pois tiveram que aprender a falar com responsáveis locais e outras instituições.

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