Caldas da Rainha num documentário sobre os refugiados da II Guerra

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Gazeta das Caldas

2015-10-03-11.21O caldense Joaquim Nazaré é um dos entrevistados para o documentário “Debaixo do Céu” que está a ser realizado pela produtora Ukbar sobre os refugiados da II Grande Guerra em Portugal.
Uma equipa de reportagem esteve há duas semanas na cidade para recolher imagens dos locais frequentados pelos estrangeiros que, entre 1940 e 1945, fugiam ao holocausto nazi.
A estação da CP, a Praça da Fruta, o Hospital Termal, o Parque e o antigo Hotel Lisbonense foram alguns desse locais, bem como a fábrica Bordalo Pinheiro e o Museu do Ciclismo (onde funcionava a delegação da PVDE, mais tarde PIDE, que controlava os refugiados).

Entrevistado no Parque D. Carlos I, no local onde na época afluíam os milhares de refugiados que passaram pelas Caldas da Rainha, Joaquim Nazaré deu o seu testemunho sobre a admiração dos caldenses perante o contacto com pessoas vindas de uma Europa já na altura bem mais moderna do que Portugal.
As mulheres, de saias curtas, a jogar ténis no parque, que fumavam e frequentavam cafés, escandalizavam e divertiam a sociedade caldense. A verdade é que a cidade termal acabaria por se emancipar ao nível dos costumes graças à influência dos estrangeiros. No ano passado, durante um colóquio no CCC sobre o 16 de Março e o 25 de Abril, alguns militares que serviram no RI5 nos anos sessenta diziam que as Caldas era naquela época bastante mais liberal do que as outras cidades de província, em parte graças a essa “herança” deixada pelo cosmopolitismo dos refugiados.
O carismático Papa Urso, que mobilizou a juventude a caldense da época para a prática da ginástica, foi também uma das figuras recordadas na entrevista.
O documentário é assinado por Nicolas Oulman, um português de origem judaica que quis seguir o rasto dos estrangeiros que nessa altura passaram por Portugal. Além das Caldas, a equipa tem trabalhado também em Lisboa e no Estoril.
Onde estão hoje os sobreviventes? Quais são as suas memórias de fuga? Como viam os portugueses que os acolheram? Como partilham hoje esse legado? Estas as perguntas para as quais esta longa metragem procura dar resposta.
O trabalho aposta nos testemunhos contados na primeira pessoa e faz uso de inúmeros documentos escritos, fotografias e imagens de arquivo dos anos quarenta do século passado.
Nos depoimentos recolhidos na Argentina e nos Estados Unidos, os refugiados de então recordam o bom acolhimento dos portugueses, apesar de acharem que Lisboa parecia uma aldeia ou que o país parecia parado no tempo. No entanto, dizem também que Portugal era um paraíso para quem vinha fugido da guerra. Havia luz eléctrica, pessoas nas ruas, comida e, sobretudo, paz.
Um dos testemunhos é da actriz Helga Liné que esteve em criança nas Caldas da Rainha, onde chegou a andar na escola com Joaquim Nazaré. A actriz, hoje octogenária, recorda a sua passagem pela cidade e conta como, depois das Caldas, foi para Lisboa e iniciou a sua carreira, primeiro no circo e depois nas revistas do parque Mayer e por fim no cinema português e internacional.
Tal como o testemunho recente, nas páginas da Gazeta das Caldas, da luxemburguesa Renée Ermann que falava em recordações muito agradáveis e felizes da sua passagem pelas Caldas da Rainha, também Helga Liné se refere com muito carinho aos caldenses e aos tempos vividos nesta cidade. Curiosamente, a actriz rejeita a sua nacionalidade alemã (diz-se berlinense porque nasceu em Berlim) devido aos horrores nazis, preferindo assumir-se como espanhola já que foi no país vizinho que viveu a maior parte da sua vida. Actualmente vive na Argentina.
Para os adultos, só a inquietação de obter vistos para rapidamente fugirem para ainda mais longe (a esmagadora maioria cruzou o Atlântico) os impedia de desfrutar do clima e do acolhimento português. Mas para as crianças Portugal era simplesmente um paraíso, um local de onde alguns partiram contrariados.
“Debaixo do Céu” deverá estar concluído no primeiro trimestre de 2016 e, após a obrigatória passagem pelos festivais internacionais de cinema, deverá chegar às salas de cinema.

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