Imagens da cidade, de caldenses e de refugiados integram o espólio do “Vilar Formoso Fronteira da Paz – Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes” inaugurado no dia 26 de Agosto pelo Presidente da República. Documentos da época – incluindo edições da Gazeta das Caldas – testemunham a importância da cidade no acolhimento dos refugiados, a par de outros destinos como Ericeira, Estoril e Figueira da Foz.
O museu custou 1,2 milhões de euros e é o primeiro em Portugal dedicado a esta temática. A sua visita obedece a um percurso que conta o ascender do nazismo, a perseguição aos seus opositores e aos judeus, a fuga dos refugiados, a sua estada em Portugal e a partida. Tecnicamente bem concebido, este projecto merece bem uma visita.
O museu inaugurado pelo Presidente da República na estação ferroviária de Vilar Formoso pretende prestar homenagem aos refugiados que passaram por Portugal durante a II Grande Guerra e aos portugueses que, de forma solidária, os acolheram. Isso mesmo foi dito pela coordenadora do museu, Luísa Pacheco Marques, que desde há cinco anos trabalha neste projecto, o qual resulta de parcerias entre a Câmara Municipal de Almeida, o Ministério da Cultura, o Turismo do Centro e a Rede de Judiarias de Portugal.
Marcelo Rebelo de Sousa não lhe poupou elogios. “É um museu que é uma chamada de atenção constante para que não nos esqueçamos, não nos resignemos, não nos demitamos da nossa luta por valores fundamentais da pessoa humana”, disse o Presidente da República, que agradeceu ao povo de Vilar Formoso o acolhimento dado aos refugiados na porta de entrada de Portugal durante os anos duros da guerra.
Recordando o cônsul Aristides de Sousa Mendes – que contrariando ordens de Salazar passou mais de 30 mil vistos de entrada em Portugal, salvando assim milhares de vidas – o Presidente da República disse que “ele fez o que era difícil quando era muito difícil fazê-lo. Ele agiu com aquilo de melhor têm os portugueses. Ele foi um retrato de Portugal”.
Mas alertou que “esta é uma história que não passou” e que, por isso, “não devemos perder a tempo a discutir quem é português e quem é estrangeiro”. Recordou os atentados terroristas recentes e chamou a atenção de que “há o risco de considerarmos isso habitual, de considerarmos normal o desrespeito da dignidade das pessoas, de banalizarmos esse horror”.
Marcelo Rebelo de Sousa fez a sua intervenção quase uma hora depois de ter chegado a Vilar Formoso, sob o aplauso das muitas centenas de pessoas que o aguardavam no largo da estação. É que, como é habitual, o Presidente aceitou pacientemente os cumprimentos de dezenas de pessoas que se lhe dirigiram para lhe falar e tirar fotografias. Sempre com um sorriso e uma indisfarçável boa disposição.
A IMPORTÂNCIA DAS CALDAS DA RAINHA
Vale a pena visitar este museu que presta tributo aos refugiados e ao cônsul Aristides de Sousa Mendes e no qual Caldas da Rainha está bem representada por ter sido uma das localidades onde os estrangeiros que conseguiram fugir do terror nazi ficaram em regime de residência fixa.
O núcleo das Caldas mostra como era a cidade naquele tempo e estabelece um roteiro com os locais mais frequentados pelos refugiados. Um vídeo mostra o filme “Portugal-Europe’s Crossroad”, que a Gazeta das Caldas divulgou em primeira mão há três anos (ver “Um filme inesperado sobre as Caldas da Rainha dos anos 40”, de 6/06/2014) e que é entrecortado com um testemunho dado nos Estados Unidos em 1995 por Cecile Tenenbaum Metrick (nascida em 1927). “Fomos enviados para uma vila muito bonita, chamada Caldas da Rainha. Era onde estavam refugiados de todo o mundo e vivemos lá durante dois anos. Era uma cidade muito agradável”, dizia.
No mesmo espaço podem ver-se fotografias publicadas também em primeira mão pela Gazeta das Caldas sobre o casal Isaac e Lilly Weissman na casa que alugaram a Joaquim e Maria Augusta Ferreira nas Caldas da Rainha e que aparecem também nesse filme (ver “Uma história de refugiados”, de 22/08/2017).
O núcleo caldense alude também a Rennée Lieberman Costa e Silva, a única refugiada que ficou a viver nas Caldas tendo casado com o médico Costa e Silva e que morreu em 2005 (ver “Desapareceu uma memória da saga dos refugiados da II Guerra Mundial” de 21/10/2005). E há também imagens de Helga Linné (que viria a ser uma famosa actriz de cinema e que vive hoje na Argentina), aos aviadores britânicos que ficavam detidos nas Caldas até serem repatriados, bem como imagens de alguns caldenses na companhia de refugiados.
A maior parte do espaço, porém, está dedicado às famílias Rosenthal (proveniente da Alemanha), Rubin (Bélgica) e Galler (Luxemburgo), com a história das suas fugas para Portugal e para as Caldas e respectivos testemunhos.
Blanchette Fluer, que no ano passado esteve nas Caldas (ver “Refugiada belga da II Grande Guerra visita Caldas da Rainha 71 anos depois”, de 24/06/2016), pertence à família Rubin, veio de Londres e ficou emocionada ao “reencontrar-se” nas imagens da cidade que a acolheu e na qual diz que viveu dias muito felizes. Uma emoção partilhada também pelos irmãos Michele Regine (78 anos) e Henry Galler (90 anos) que vieram de propósito dos Estados Unidos para esta inauguração. Estes dois irmãos fizeram parte do “comboio maldito”, que vindo do Luxemburgo, esteve dez dias parado em Vilar Formoso e foi recambiado, tendo parte dos seus passageiros (quase todos judeus) sido deportados. Michele e Henry conseguiram escapar ao campo de concentração e acabariam por conseguir refúgio em Portugal, nas Caldas da Rainha.
Da família Rosenthal, que também esteve nas Caldas já não há refugiados sobreviventes, mas Anita Ayash, filha de Siegmund Rosenthal, lá esteve junto ao painel dedicado à família. Os Rosenthal e os Cassutto, ambas famílias alemãs, vieram para Portugal antes da guerra porque souberam antecipar o futuro. Mas, apesar de não terem estatuto de refugiados, os Rosenthal acabaram por ser obrigados a residir nas Caldas da Rainha.
A Foz do Arelho também está presente em várias imagens dado que muitos refugiados aproveitavam para ali fazer praia durante o Verão. E naturalmente também a Gazeta das Caldas faz agora parte do espólio de “Vilar Formoso Fronteira da Paz”, estando reproduzidas imagens do jornal com notícias sobre os refugiados.
A par das Caldas da Rainha, também Figueira da Foz, Ericeira, Lousa de Cima, Coimbra, Lisboa, Estoril e Cascais estão representados no museu.

Do início do pesadelo à partida para a América
Eram “gente como nós” as pessoas que nos finais dos anos 30 viviam na Alemanha e nos países que viriam a ser ocupados durante a guerra. Mas com o ascenso do nazismo dá-se o “início ao pesadelo” que no museu é representado por um túnel com forma hexagonal, tal como a estrela de David que tem seis pontas e representa, em linguagem esotérica, o medo. Segue-se uma espécie de labirinto, onde predomina a cruz suástica e uma obscuridade que significa “a viagem” dos fugitivos que não sabiam se lograriam escapar ao horror nazi. Depois começa a ver-se alguma luz que significa a ajuda e a solidariedade dos homens, como foi o caso de Aristides de Sousa Mendes. Vilar Formoso aparece pela primeira vez – a estação foi a primeira imagem de Portugal que muitos estrangeiros tiveram. E a seguir temos o núcleo “por terras de Portugal”, onde Caldas da Rainha, Ericeira, Figueira da Foz e Lisboa ocupam lugares de destaque. Segue-se “a partida” e o alívio por conseguirem o visto para os Estados Unidos.
A historiada Margarida Magalhães Ramalho é a comissária científica deste projecto, que foi coordenado por Luísa Pacheco Marques.
O museu custou 1,2 milhões de euros e teve como principais financiadores (por esta ordem) a Câmara de Almeida, um fundo no qual participa o governo da Noruega, a União Europeia e o governo português.
Curiosamente, a empresa pública IP – Infraestruturas de Portugal, que detém os armazéns da estação de Vilar Formoso que já não tinham utilidade há várias décadas, cobra 750 euros por mês à Câmara de Almeida pela sua utilização para o museu.
O museu está tecnicamente bem feito, recorre a novas tecnologias e não deixa ninguém indiferente. Uma visita a não perder.






























