A Câmara do Bombarral recebeu a visita do embaixador da Guiné Equatorial junto da CPLP, que esteve também no Agrupamento de Escolas Fernão do Pó. O pretexto foi o patrono daquele agrupamento, o navegador português que terá descoberto a ilha onde hoje se situa a capital da Guiné Equatorial. A Aministia Internacional diz que uma comunidade escolar é um dos sítios onde mais se pode fazer pelos direitos humanos, mas não houve no Bombarral qualquer iniciativa nesse sentido, tendo o município e a escola recebido em ambiente festivo o representante de Obiang.
Tito Mba Ada Nsue, embaixador da Guiné-Equatorial junto da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portugesa), esteve no passado dia 19 de Outubro no Bombarral para uma visita oficial ao Agrupamento de Escolas Fernão do Pó.
O pretexto desta visita foi o estudo do navegador português Fernão do Pó, patrono do agrupamento de escolas, que terá descoberto as ilha do Golfo da Guiné, entre as quais a ilha de Bioko onde se localiza a cidade de Malabo (capital da Guiné Equatorial).
De acordo com um comunicado do município do Bombarral, o presidente da Câmara, José Manuel Vieira, desejou ao embaixador daquele país que esta visita “signifique, não o início, mas mais uma etapa da construção do futuro das nossas relações, seja no âmbito da cultura, da educação, da promoção da língua portuguesa como também a nível das relações comerciais e económicas”. O autarca disse ainda que “ambos os países [Portugal e a Guiné Equatorial] devem partilhar das suas mais valias e permutar as suas riquezas”, acrescentando que “é esse o caminho que devemos traçar juntos em memória de todos os guineenses, de todos os portugueses e sobretudo daquele que descobriu o fantástico país que é a Guiné-Equatorial”.
Por seu turno, Emanuel Vilaça, director do agrupamento de escolas, referiu-se à figura de Fernão do Pó, de que se conhece muito pouco, e referiu que o principal motivo desta visita foi o lançamento, em 2015, pela Comissão Permanente da Guiné-Equatorial junto da CPLP, do prémio de investigação Fernão do Pó, o qual tem por objetivo incentivar a investigação sobre a vida daquele navegador.
Ainda segundo o comunicado da autarquia bombarralense, o embaixador Tito Mba Ada Nsue defendeu a realização de “uma missão, não só com empresários mas que integre também os professores para que possam visitar as nossas escolas e fiquem a conhecer melhor o nosso país”.
NOS ANTÍPODAS DOS DIREITOS HUMANOS
A Guiné Equatorial é um dos países com pior classificação ao nível dos direitos humanos sendo considerado como “o pior do pior” no ranking da organização não governamental Freedom House. O seu Presidente, Teodoro Obiang Nguema, é um dos ditadores há mais tempo no poder a nível mundial, mantendo-se desde 1979 à frente dos destinos do país.
A insuspeita revista católica Além Mar diz que Obiang “tem sido acusado de violações dos direitos humanos, de torturas e do assassínio de adversários, muitas vezes depois da passagem por cadeias que funcionam dentro dos próprios aquartelamentos, numa subordinação da Justiça ao poder militar”.
Segundo o Banco Mundial, a Guiné Equatorial é o 41º país do mundo com um PIB per capital mais elevado, mas isso deve-se ao facto de ter muito petróleo e da sua população não chegar aos 800 mil habitantes. Segundo a ONU, é o 183º país do mundo (num total de 194) com maior taxa de mortalidade infantil, o que revela sobre as condições de pobreza e de miséria da sua população.
A Guiné Equatorial faz parte da CPLP desde 2015 com o pretexto de que numa das suas ilhas se fala o crioulo-português, tendo levantado fortes reacções negativas por parte de Portugal por naquele país subsistir a pena de morte e por nele não serem respeitados os direitos humanos. Na cimeira agora realizada no Brasil, todos os restantes membros da CPLP insistiram que a Guiné Equatorial terá mesmo de abolir a pena de morte.
Dois anos depois de ter entrado na CPLP, o site oficial do governo do país não tem, também, qualquer referência à língua portuguesa.
A revista Além Mar diz que Obiang está obcecado com o lavar da sua imagem e tem pago elevadas quantias a personalidades de diferentes países para que consiga ser aceite em prestigiadas instituições internacionais. Uma das suas iniciativas tem sido o patrocínio de prémios da UNESCO e de outras entidades, bem como a criação de universidades no estrangeiro, quando na própria Guiné Equatorial não existem boas instituições de ensino.
Esta visita do embaixador da CPLP ao Bombarral insere-se, assim, na prioridade diplomática daquele país em tentar obter reconhecimento e notoriedade internacional.
Gazeta das Caldas perguntou à Câmara do Bombarral se durante a visita do embaixador foram feitas, por parte de representantes do município e/ou do agrupamento de escolas, quaisquer referências aos direitos humanos na Guiné Equatorial, tendo obtido a seguinte resposta:
“Nas várias intervenções efectuadas não houve qualquer referência ao tema em questão, tendo as mesmas realçado a figura histórica de Fernão do Pó, figura que liga ambos os países e que é o patrono do Agrupamento de Escolas do Bombarral”.
“Uma comunidade escolar é o sítio onde mais se pode fazer pelos direitos humanos” diz Amnistia Internacional
O director executivo da Amnistia Internacional em Portugal, Pedro Neto, diz que esta organização não se opõe a que se receba e se dialogue com os representantes de ditaduras. “Mas não devemos perder a oportunidade para tentar influenciar e falar com eles sobre os direitos humanos e, neste caso, a questão da Guiné Equatorial é flagrante”, disse aquele responsável à Gazeta das Caldas.
Pedro Neto diz que “uma comunidade escolar é o sítio onde mais se pode fazer pelos direitos humanos porque é uma comunidade de aprendizagem onde se ensinam e se semeiam os princípios que estão na base desses direitos”. Nesse sentido, refere, o facto da escola do Bombarral não ter feito nada sobre os direitos humanos a propósito da visita do embaixador da Guiné Equatorial “foi, de facto, uma oportunidade perdida”.
Na semana em que decorreu a cimeira da CPLP, o director da AI em Portugal recorda que uma das condições para a adesão da Guiné Equatorial a esta comunidade era a abolição da pena de morte. “Não temos registo de execuções nos últimos dois anos, mas a lei continua lá – a pena de morte mantém-se e as torturas e os desaparecimentos forçados continuam a existir”, disse, acrescentando que naquele país também não existe liberdade de expressão.
A AI tem denunciado casos de prisioneiros de consciência detidos da Guiné Equatorial e situações de maus tratos nas prisões.
O núcleo Oeste da AI tem periodicamente levado a cabo iniciativas de sensibilização para os direitos humanos e promovido nas escolas as “maratonas de cartas”, nas quais se enviam missivas apelando à libertação de prisioneiros de consciência no mundo inteiro. Algumas dessas cartas foram enviadas para a Guiné Equatorial. Segundo o site da AI, participaram nessas iniciativas escolas das Caldas da Rainha e de Torres Vedras.































