Avelino Carvalho trabalhou quase 40 anos numa fábrica de automóveis em França

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Avelino Carvalho vive hoje em Salir de Matos e mantém uma vida muito activa

Avelino Carvalho saiu de Salir de Matos com oito anos e foi para França, onde trabalhou numa fábrica de automóveis em Poissy durante quase 40 anos. O corte com as suas raízes não foi fácil, mas como era ainda uma criança rapidamente se adaptou à mentalidade francesa. No ano passado regressou à terra onde nasceu, mas continua a ir com frequência a terras gaulesas, onde estão as filhas e os netos. Por cá o tempo é passado entre passeios, actividades culturais e as explicações de português que dá à comunidade francófona que vive na região.

Uma fábrica com 27 mil pessoas

No início da década de 60 na vindima com o seu tio, Mário Carvalho

Avelino Carvalho nasceu em 1957 em Salir de Matos, ao lado do Centro Recreativo e Cultural. Ainda frequentou a 2ª classe na escola da sua aldeia, mas em 1966, com oito anos, foi para França com os pais. “Eu era bom aluno, a minha mãe ajudava-me muito em casa”, recorda.
Sair assim da escola para mudar de país “foi uma separação difícil porque já tinha muitos amigos e afinidades”. A mudança criou alguma ansiedade, mas também alguma expectativa, até porque naquela altura, França era vista como o paraíso devido às oportunidades que oferecia a muitos portugueses que lá se radicavam.
O pai já tinha ido dois anos antes, em 1964, e Avelino e a mãe emigraram de forma legal. “Naquela altura muita gente ia a salto, mas nós já fomos com tudo tratado”. Saíram de Lisboa de comboio com o tio do jovem caldense, que tinha então 18 anos e que já ia com um contrato de trabalho. “Um de nós não tinha lugar no comboio, então foi sentado no corredor em cima da mala”, recorda Avelino entre risos.
Ainda muito jovem, o caldense lembra-se perfeitamente de trocar de comboio em Hendaya (na fronteira entre Espanha e França), porque a distância entre os carris (bitola) na Península Ibérica é diferente da francesa, o que não permite que os comboios sejam os mesmos.
Chegado a terras gaulesas foi viver para a região de Poissy, onde fez a escola. Dos primeiros tempos recorda as guloseimas francesas, até porque em Portugal não tinha acesso a doces.
Os primeiros seis anos em França foram complicados. Viviam num sótão onde, para irem à casa de banho, tinham de descer as escadas e passar por dentro da casa de uma senhora que morava por baixo. Depois veio uma grande vaga de construção de prédios e a família conseguiu encontrar um apartamento com uma renda dentro das suas possibilidades.
Avelino rapidamente se adaptou e fez amigos. Com 13 anos foi para o colégio que era a 15 quilómetros de casa e os colegas criaram o hábito de ir ao café ao meio-dia. “Eu nunca podia pagar porque não tinha dinheiro e os meus pais não me davam, então um senhor que vendia frutas e legumes no mercado disse-me para ir trabalhar com ele e comecei a vender aos fins-de-semana para ganhar o meu dinheiro”.

Avelino nos anos 60 com as suas duas primas Lurdes e Teresa

Entretanto frequentou um curso técnico de electricista e aos 18 anos começou a trabalhar numa fábrica de automóveis da Chrysler-Sinka, onde viria a fazer toda a sua carreira. Corria o ano de 1976 quando entrou como electricista de automóveis naquela que é “uma autêntica cidade industrial com todos os ofícios e que empregava 27 mil pessoas”.
“Com 17 e 18 anos ia sair à noite, por exemplo, para a discoteca e uma vez com um colega de Salir de Matos chegámos às cinco da manhã e mudámos de roupa para ir trabalhar. Quando chegou ao meio-dia, com o sol a bater, os olhos queriam fechar”, lembra.
Aos 19 anos comprou um carro, um Sinka Horizon, com desconto por ser trabalhador da fábrica. “Ia com a educação de não gastar e fui sempre poupando o dinheiro que ganhava a trabalhar”, explica.
Em 1979 o caldense casou-se com Fátima Carvalho (de Mortágua), que havia conhecido num bailarico de portugueses. Trabalhava então na fábrica e no mercado, mas ainda encontrava tempo para cuidar de jardins. “Uma vez ia arrancar as ervas de um jardim e quando terminei é que me disseram que tinha arrancado os morangueiros todos”, conta.
Em 1982 comprou casa e descobriu o desporto. Estava com 26 anos e começou a fazer corridas. “A partir daí estive sempre ligado ao desporto, corri a Maratona de Paris, a famosa corrida Paris-Versalhes e participei no campeonato nacional de França”, recorda com orgulho.
Esse foi também o ano em que nasceu a primeira filha do casal, Virgínia. Seis anos mais tarde veio a segunda, Ana Sofia. “Adaptei-me muito bem a França, mas nunca esqueci Portugal e todos os anos vinha cá de férias porque sentia falta de vir cá”. Nos primeiros anos, “quando as meninas eram bebés, as despedidas dos avós eram terríveis, porque era dizer adeus por um ano, era muito complicado, com muito choro”. O mundo não era tecnológico como o que conhecemos hoje. As viagens não eram rápidas e frequentes e as chamadas telefónicas eram difíceis e caras.
Quando a filha mais velha, já com quatro anos, veio a Portugal passar as férias de Verão com os avós, “só uma pessoa é que tinha telefone na aldeia, que era a taberna do João Brás, então combinávamos o dia e a hora para ela estar lá à espera do telefonema”. Um mês mais tarde, quando Avelino e Fátima chegaram a terras lusas para passar férias a filha já só falava português. “Estou muito grato aos meus pais por elas falarem português, porque eu e a minha mulher em casa falamos francês”, conta.O mundo não era tecnológico como o que conhecemos hoje. As viagens não eram rápidas e frequentes e as chamadas telefónicas eram difíceis e caras. Quando a filha mais velha, já com quatro anos, veio a Portugal passar as férias de Verão com os avós, “só uma pessoa é que tinha telefone na aldeia, que era a taberna do João Brás, então combinávamos o dia e a hora para ela estar lá à espera do telefonema”. Um mês mais tarde, quando Avelino e Fátima chegaram a terras lusas para passar férias a filha já só falava português. “Estou muito grato aos meus pais por elas falarem português, porque eu e a minha mulher em casa falamos francês”, conta.

A primeira linha de montagem com robótica

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Mas regressemos à vida profissional de Avelino e, portanto, à fábrica de automóveis em Poissy. Ao fim de cinco anos como electricista de automóveis, decidiu tirar uma formação em electricidade industrial e mudou de posto para o departamento do sistema de fabricação com máquinas industriais . “A fábrica foi sempre a mesma, mas foi mudando de nome e passou para Peugeot”.
Três anos mais tarde aparece a primeira linha de montagem automatizada e com robótica para produzir o Peugeot 309 e Avelino Carvalho integrou a equipa. Mas em 1992 propuseram-lhe o posto de técnico de qualidade, a analisar as peças que chegavam à fábrica. “Eu não me sentia muito bem nesse posto e três anos depois voltei para técnico de fiabilidade de sistemas robóticos e automotização”. Aí tinha de fazer a manutenção de máquinas para que avariassem o menos possível. Até porque “quando acontece uma avaria num sistema, pára tudo, pára a fábrica de 27 mil pessoas”.
Durante dez anos fez esse serviço, mas como a fábrica era um mundo onde, com vontade e sorte, se conseguia ir mudando de posto, já em 2005 passou a tratar da negociação de preços com os fornecedores. “Quando as fábricas fazem o carro, não olham a preços, mas com o passar dos anos vão tentando reduzir os custos de fabricação”, explica. Nesse altura tinha ainda como incumbência estar atento às novidades do mercado em termos de máquinas e robots que pudessem ser úteis na fábrica.
Ao longo do tempo foi vendo as máquinas ganharem terreno ao homem neste sector. “Quanto mais automatismos existiam, menos pessoas eram necessárias”.
Há seis anos e já conhecedor de toda a parte técnica, foi convidado para ser responsável por um sector completo da fábrica, tendo à sua responsabilidade 40 pessoas. “Foi muito bom, mas muito desafiante e desgastante porque a mentalidade mudou e estava a chegar malta jovem e revolucionária ao sector, que punham muitas baixas e não apareciam para trabalhar. Quando cheguei à fábrica o chefe perguntava quem queria trabalhar no sábado e todos punham o dedo no ar, fazíamos escalas e tudo, mas nesta altura já não conseguia encontrar ninguém para trabalhar ao sábado”.
Nessa altura o que lhe valeu foi o facto de ter sido, durante largos anos, técnico daquela fábrica e, portanto, ter criado amizade com muitos daqueles que eram agora os seus trabalhadores.
Quando Avelino tinha 57 anos a fábrica da Peugeot voltou a fazer cortes de pessoal. “Ofereceram-me condições para sair que eram quase irrecusáveis porque fiquei a ganhar quase o que ganhava até aos 60 anos da idade da reforma”.

Reformado… mas muito activo!

Aos 26 anos descobriu que corria bem. Aqui na Maratona de Paris em 1996

Reformou-se e decidiu regressar para Portugal. “É difícil deixar de trabalhar e passar para a reforma”, afirma. Actualmente vive em Salir de Matos, na aldeia onde nasceu e onde construiu uma moradia. As filhas vivem em França, onde Avelino já tem três netos e um quarto a caminho. “Nos aniversários e no Natal vamos lá, onde temos muitos amigos, e vamos sempre que sentimos saudades, porque hoje em dia pode-se fazer isso, os bilhetes de avião são baratos”.
Já reformado, Avelino “queria aproveitar para viver a vida”. Então os dias são preenchidos com actividades: à segunda-feira dança no Bowling, à terça-feira joga Pickelball no Vau e faz pilates, à quarta à noite corre nas Caldas, à quinta joga petanca na Praça de Santa Maria (Óbidos) e dá explicações de português para a comunidade francófona na região (às quintas e às sextas-feiras no associação de Salir de Matos, da qual faz parte da direcção). Mas muitas outras diversões vão surgindo, como passeios com amigos e festas.

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