De monarcas a mulheres do povo, passando por artistas e empresárias, diversas personagens femininas têm deixado a sua marca, contribuindo para a evolução da sociedade e mudança de mentalidades
Rainha D. Leonor (1458-1525), a “rainha perfeitíssima” a quem se deve a fundação das Caldas da Rainha. Mandou erigir o Hospital Termal para, através das propriedades curativas das águas que ali brotavam, dar assistência aos mais pobres mas também servir reis. Leonor de Lencastre reinou no apogeu da fortuna da expansão portuguesa e foi, também, a fundadora das Misericórdias, a maior rede de assistência social do país. Culta e devota, a rainha deixou um legado pelas obras que patrocinou, tanto ao nível do edificado como da impressão de livros e a encomenda de obras de arte.
Casada com D. João II, teve um único filho, D. Afonso, que morreu jovem, devido a um acidente nos campos da Ribeira de Santarém, onde foi recolhido por um pescador de cuja casa a rainha trouxe a rede de camaroeiro que acrescentou ao brasão das suas vilas, entre elas Caldas da Rainha. A cada 15 de maio a cidade presta-lhe homenagem, junto da estátua situada no Largo Conde Fontalva e da autoria de Francisco Franco.
Amor eternizado em Alcobaça
É uma das mais arrebatadoras e trágicas histórias de amor portuguesa. O romance do príncipe português D. Pedro e da amante galega D. Inês, mandada executar pelo rei D. Afonso IV e que foi coroada rainha depois de morta. A eternizar este romance estão os túmulos dos dois amantes, no Mosteiro de Alcobaça, voltados um para o outro para que, no dia do juízo final, os dois fiquem face a face. No mármore está escrito “Até o fim do mundo …”
D. Inês chegou a Portugal em 1340, como aia de D. Constança Manuel, recém-casada com D. Pedro, herdeiro do trono português. Depressa o monarca se apaixona pela bela galega, descrita como loura, de cabeleira abundante, extremamente elegante, de tronco roliço e torneado que lhe valeu o apelido de “Colo de Garça”. O romance revelava-se um problema, com implicações políticas e o rei manda expulsá-la da corte, em 1344, e força-a a sair do país. Refugia-se, então, no Castelo de Albuquerque perto da fronteira portuguesa e os amantes continuam a encontrar-se secretamente até que, com a morte de D. Constança, durante o parto do seu terceiro filho D. Pedro, pôde mandar regressar D. Inês. Instala-a numa quinta em Moledo (Lourinhã), nas proximidades da Serra d´el Rei, terra que deve o nome a D. Pedro, que costumava caçar nessas bandas. Em Moledo, Inês foi mãe de três filhos (D. Afonso, D. João e D. Dinis). Porém, o povo reprovava aquela relação, assim como o rei D. Afonso IV, que acabou por mandar assassinar Inês de Castro. Cheio de raiva, D. Pedro liderou uma revolta contra o seu pai e, quando assumiu a coroa em 1357, mandou prender e matar os assassinos de Inês, arrancando-lhes o coração, o que lhe valeu o cognome de o Cruel.
A história e a beleza de Inês encantaram poetas e dramaturgos, desde logo Luís de Camões, que lhe dedicou um episódio n’Os Lusíadas.
Símbolo da bravura do povo
Ao contrário de Inês de Castro, Brites de Almeida, mais conhecida por padeira de Aljubarrota, não encaixava nos típicos padrões de beleza feminina. Mulher forte e grande, de cabelos crespos, nariz adunco, boca rasgada e seis dedos em cada mão, também ela viria a ter o seu lugar na História, como símbolo máximo da bravura do povo.
Nascida em Faro em 1350, de pais pobres, donos de uma pequena taberna, Brites de Almeida ficou órfã aos vinte e poucos anos, vendeu os poucos bens que herdou e optou por levar uma vida errante, negociando de feira em feira. As aventuras que lhe são atribuídas são muitas, desde a morte de um pretendente após uma briga à prisão e fuga de um harém muçulmano.
Certo é que Brites de Almeida foi parar a Aljubarrota, onde se ajustou como criada duma padeira e casou-se com um lavrador. Reza a lenda que aquando da Batalha de Aljubarrota, travada a 14 de agosto de 1385, e após a derrota dos castelhanos, quando estes se punham em fuga, Brites de Almeida juntou-se ao povo que os perseguia, tomando o comando de um dos grupos de homens. Mais tarde, voltando a casa, matou, com a sua pá, sete castelhanos que encontrou escondidos dentro do seu forno.
A pintora emancipada
Ao nível das artes, Josefa de Ayala e Cabrera (1630-1684), ou Josefa d’Óbidos, como assina as suas obras, é uma das marcas identitárias de Óbidos e uma referência ao nível da emancipação das mulheres numa área predominantemente masculina.
Uma das poucas mulheres pintoras do século XVII, notabilizou-se por ser um dos expoentes do Barroco português. Filha do reputado pintor Baltazar Gomes Figueira, Josefa nasce em Espanha, mas vem em criança para Óbidos, terra de onde o pai era natural. Iniciou-se cedo na pintura e gravura e, aos 16 anos, já trabalha em contínuo, recebendo encomendas importantes. É sobretudo conhecida pelos temas religiosos, naturezas mortas e gravura em metal.
Aos 30 anos já era emancipada, o que lhe permitiu viver uma vida autónoma, acompanhada de criados e de duas sobrinhas, em Óbidos e na sua Quinta na Capeleira, onde tinha o atelier e geria os seus negócios. Inclusivamente, no testamento, deixa os bens às sobrinhas e refere que estes deveriam continuar sempre por linhagem feminina. ■
Duas referências na cerâmica caldense
Maria dos Cacos, a primeira mulher que se dedicou à cerâmica das Caldas, recebeu, por batismo, o nome de Maria Póstuma, pelo facto de o pai já ter falecido quando nasceu. Filha e neta de oleiros terá nascido em finais de 1700, mas não se terá dedicado à profissão do pai e avô, que esta era masculina. A famosa Maria dos Cacos firmou-se como empresária e dedicou-se à venda de cerâmica caldense por todo o país. Abriu uma oficina que laborou por mais de 30 anos, entre 1820 e 1853, e seria a impulsionadora do centro de cerâmica das Caldas. O ceramista Manuel Mafra foi empregado de Maria dos Cacos e adquiriu-lhe a estrutura comercial por volta de 1853.
Mais tarde, já em meados do século XX, outra mulher haveria de deixar marca na cerâmica caldense. Combinando a tradição com a modernidade, os seus trabalhos contribuíram ativamente para a renovação estética da produção de cerâmica. Ilona Hanna Emilie Lenard, também conhecida por Hansi Staël, nasceu em Budapeste em 28 de março de 1913 e, em 1946, muda-se com a família para Portugal. Especializou-se em cerâmica e, em 1950, começou a trabalhar na Secla onde, pouco tempo depois, passou a diretora artística, tendo inovado na produção da fábrica e introduzindo novos desenhos. Conhecida como Madame Staël, veio para as Caldas a convite de Ponte e Sousa, sócio maioritário da empresa caldense, com quem travou conhecimento em Lisboa no Atelier de João Fragoso.
As novas pinturas que fazia nas coleções da Secla, tiveram grande aceitação para clientes de países como EUA, Inglaterra, Alemanha, Suécia, África do Sul. Durante este período, trabalhava duas semanas por mês na fábrica de cerâmica caldense e as outras duas semanas em Lisboa, onde pintava e fazia experiências com outros materiais.
Em 1959 saiu definitivamente da Secla, mas muitos dos seus desenhos para a produção corrente continuaram a ser executados, pelo menos até finais da década de 80. Até à sua morte em 1961, produziu uma vasta obra artística que passou pela pintura e cerâmica e também pela litografia e gravura.■































