Aos 100 anos Judite Gil contagia pela alegria de viver

0
933
Judite de Sousa Gil
Judite Sousa Gil vive com a sua única filha, Gabriela. |Beatriz Raposo

Judite de Sousa Gil soprou cem velas de aniversário no dia 16 de Maio. Nasceu no Brasil, passou a sua infância na aldeia de Alpedriz e há mais de quatro décadas que vive nas Caldas. A mais nova de 15 irmãos chega aos 100 anos com um sorriso no rosto, muitas histórias para contar e uma enorme alegria de viver.

Encontramo-la em casa da sua única filha, Gabriela Oliveira. Está sentada em frente à janela e assim que se dá conta da presença de visitas, vem sozinha ao centro da sala para nos cumprimentar com simpatia. Judite Gil senta-se confortável num dos sofás e rapidamente mostra ser uma mulher conversadora. Fala perfeitamente e tem a memória fresca. Às vezes só é preciso repetir-lhe as perguntas porque a idade trouxe-lhe problemas de audição.
Conta que nasceu em Belém do Pará, mas que não tem grandes recordações do Brasil porque logo aos quatros anos o pai quis regressar a Portugal. “Viemos para Alpedriz, a aldeia do meu pai, e mais tarde ele estabeleceu-se em Pataias. Morávamos mesmo em frente à estação dos comboios”, lembra Judite de Sousa Gil, recordando que a família vivia sem grandes dificuldades graças ao negócio do pai, que abriu um estabelecimento que era simultaneamente uma mercearia e uma taberna.
A mais nova de 15 irmãos ajudava a mãe nas tarefas domésticas. Lembra-se perfeitamente dos alguidares pesados que carregou com roupa suja até ao rio de água gelada. “Trabalhei muito, mas também brinquei muito”, afirma, revelando que os irmãos sabiam tocar bandolim e que o ambiente familiar era de festa.
“A minha mãe pedia-me que fizesse filhoses e café para essas ocasiões, mas no fundo essa era também uma forma de manter as três filhas debaixo de olho”, acrescenta. Fora de casa, Judite Gil ia com o seu grupo de amigos a todas as festas das aldeias mais próximas.
No percurso que fazia para a escola, percorria três quilómetros a pé. “Embora levássemos farnel, eu não gostava, então em 45 minutos fazia seis quilómetros só para ir comer a casa”, conta, realçando que as sardinhas do farnel ao final do dia já estavam frias e às vezes até cheiravam mal.
Judite Gil estudou até à 4ª classe, orgulha-se de ter sido boa aluna e só tem pena de não ter continuado os estudos em Leiria. “Passei o exame da 4ª classe com um diploma de distinção e a minha professora disse ao meu pai que eu devia continuar na escola, mas como nenhum dos meus irmãos tinha estudado, acharam que não era justo que eu fosse excepção”, diz.
Aos 15 anos, Judite Gil começou a namorar com José Santos. Sete anos mais tarde seria com o mesmo jovem que se casaria. “Ele era daqueles que punha as escadas às costas à beira da minha janela para que eu descesse, mas numa das vezes o meu pai apanhou-o!”, recorda a centenária, que esteve casada 64 anos, até ao falecimento do marido.
Foi sempre doméstica, chegou a fazer um curso de custura e ajudava a mãe a fazer comida para fora. Nas Caldas, chegou também a trabalhar num celeiro de farinhas, na Rua do Jardim. Veio para a cidade das termas em 1975, mas desde pequena que frequentava as ruas caldenses, precisamente porque acompanhava a mãe nas idas aos Hospital Termal.
Judite Gil estebeleceu-se com o marido na Rua Ramalho Ortigão e lembra-se bem de semear batatas no terreno junto do externato. “Também me entretinha muito na horta do meu quintal e a criar coelhos e frangos”, afirma, realçando que ia todos os dias à Praça da Fruta e à Praça do Peixe e tinha por hábito passear no Parque com o marido. Ia para todo o lado de bicicleta.
Até aos 94 anos, Judite Gil foi completamente independente. Tratava da sua casa, higiene e papelada do banco sem precisar de ajuda. Hoje está ao cuidado da filha Gabriela Oliveira.
Quando sai à rua, Judite Gil deixa o andarilho em casa e apenas leva a bengala. Até as cataratas lhe afectarem a visão, passava a maior do tempo a ler, fazer renda e a ver televisão – acompanhava todas as novelas e chegava a deitar-se às três da manhã para ficar a ver um filme. Tem ainda um neto e dois bisnetos.

- publicidade -