António Carneiro acredita que o Turismo do Oeste não vai ficar na região Centro

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O homem que há 30 anos preside aos destinos do turismo na região Oeste vai-se reformar na próxima semana. No dia 21 de Agosto António Carneiro deixa as funções de responsável pela Turismo do Oeste, mas não conta ficar parado.
Uma semana antes de se despedir deste cargo institucional, este torriense deu uma entrevista à Gazeta das Caldas onde faz um balanço do seu percurso e tece considerações sobre o estado actual e futuro do turismo na região.

GAZETA DAS CALDAS – Esteve 30 anos à frente dos destinos do turismo da região Oeste. Olhando para trás, o que é que teria feito de diferente?
ANTÓNIO CARNEIRO – É uma pergunta difícil de responder… Teria tentado um maior envolvimento por parte das autarquias, que talvez tivesse permitido a criação de uma estrutura de base regional onde também estivessem as empresas do sector turístico.

GC – Isso é uma auto-crítica? Se pudesse voltar atrás teria trabalhado mais com autarquias e empresas?
AC – Sim. Mas sem ser uma desculpa, aconteceu que as autarquias pensavam “o António Carneiro é o homem do turismo, porque é que eu me hei-de estar a chatear?”. Ainda há poucos dias um presidente de Câmara me falou nisso.
Algumas autarquias não viam este sector com a dimensão real que ele deveria ter. Pensavam o turismo como um departamento que organizava umas festas e não como a construção de um produto e a sua promoção e o seu planeamento. Havia municípios onde o pelouro do turismo era simplesmente entregue pelo presidente a um vereador, que tratava aquilo como uma coisa secundária.

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GC – E o turismo da região não deve ser só pensado ao nível concelhio…
AC – Claro. É necessário reforçar as competências das comunidades inter-municipais nessa área. A nova geração de autarcas – que eu espero que tenha uma outra visão para além das estradas e dos esgotos porque esses já estão feitos – deve ter a capacidade de perceber que devemos ter um modelo de governança na região. No caso do turismo, espero que após as autárquicas a CIMOeste tenha uma aproximação às comunidades do Médio Tejo e da Lezíria, já que, por força do PROT [Plano Regional de Ordenamento do Território], têm de dialogar entre si.

GC – Essa secundarização do sector que constatou ao nível das autarquias, também acontecia ao nível dos governos?
AC – Sim, claro. Eu já atravessei muitos governos e o turismo foi sempre um sector politicamente dos menos fortes.

“O Oeste deve ser uma marca autónoma dentro do Centro”

GC – O que acha que vai acontecer à Turismo do Oeste, agora com a sua passagem a mera Delegação do Turismo do Centro?
AC – Em termos jurídicos e políticos é evidente que isto é extremamente perigoso. Deixa demasiadas coisas importantes nas mãos de pessoas, em que tudo depende do perfil dessas pessoas. Eu sou muito amigo do Pedro Machado, da Região de Turismo do Centro e que tudo indica será o presidente da região que vai apanhar aqui o Oeste. E ainda há poucos dias jantei com ele e com o presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela, e dá-se aqui a coincidência de sermos todos amigos e não haver desconfianças e de sabermos que as coisas serão feitas com lealdade. Portanto, eu já estive mais pessimista, embora não esteja optimista.
Penso que estão a ser construídas bases que permitirão ao Oeste prosseguir como uma marca autónoma dentro do Centro, até porque eles têm consciência das nossas particularidades do Oeste e da nossa dimensão.
Dando um exemplo: o Centro tem um campo de golfe e nós temos sete. Por isso, felizmente para o Centro, as regiões que foram absorvidas são, em termos de produto, suficientemente diferentes por forma a tornar mais fácil criar matrizes distintivas, e que todas contribuam para o produto central. Eu diria que a Turismo do Centro vai ser mais uma entidade gestora dessas diferentes regiões.

GC – Mas ainda acha que isto é reversível e que o Oeste volte a ser região de turismo autónoma?
AC – Não tenho dúvidas nenhumas que vai ser reversível. Mas para Turismo do Oeste, não. Eu defendo uma Região de Turismo do Oeste e Vale do Tejo. Aliás, o próprio presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo também entende que deverá haver uma alteração nesse sentido.

GC – Como é que se pode fazer turismo regional quando a maioria das autarquias é insensível às novas tendências do turismo no mundo?
AC – Repare que há o turismo interno e o externo. O interno depende sobretudo de duas coisas: de eventos (vide Óbidos) e da ida para o Algarve de Verão. Porque o Algarve é o único destino de sol e praia que o país tem e toda a gente vai para lá, quer seja do Minho ou aqui das Caldas da Rainha. Portugal é um país muito pequeno e as pessoas vão a eventos ligados à gastronomia, por exemplo, às feiras, etc., mas voltam a casa no próprio dia. Por isso, não há muitas dormidas do mercado interno. Basta ver o exemplo de Óbidos: só 1% dos visitantes é que lá dormem. E por isso é que a Câmara de Óbidos organiza aqueles eventos. É porque sabe da riqueza que eles geram. Aliás, o IPL estudou a geração de riqueza do surf em Peniche e do Carnaval de Torres Vedras e concluiu que são milhões de euros que são gerados com esses eventos. Portanto, os eventos são muito importantes, mas, como disse, o país é muito pequeno, e com a rede de estradas que tem, as pessoas vão e voltam no mesmo dia.

GC – Sobra o mercado externo.
AC – Pois. Já ao nível do mercado externo as autarquias têm um papel menor porque não actuam sobre ele. Podem fazer um bom acolhimento e até podem fazer eventos, mas nesse caso numa lógica de valorização da estadia.

“Os pastéis de Belém têm um valor promocional maior do que o Mosteiro dos Jerónimos”

GC – Mas acha que as autarquias são sensíveis às novas tendência do turismo?
AC – Acho que não são insensíveis nem sensíveis. Na generalidade não sabem dessas tendências. Há coisas que estão a mudar no turismo. Os turistas são mais individualistas porque o grupo é algo que está quase a desaparecer. Os grupos que se vêem a passear em Óbidos são tudo o somatório de turistas individuais. São pessoas que num hotel em Lisboa compraram uma excursão. Não há grupos. O voo charter quase desapareceu. As low cost são até uma reacção a isso.
Portanto, hoje o turista auto-organiza as suas férias. Compra cada vez mais pela Internet e faz mais do que uma viagem por ano. Por outro lado, os produtos ligados à Natureza e ao ambiente estão com um valor crescente.
Temos também os produtos culturais. No futuro, ver um guia explicar a uns estrangeiros que aquela igreja é gótica pode ser ridículo porque hoje em dia as pessoas já sabem isso (ou vêem no iPad naquele local). O importante é que o guia lhes conte uma ou várias histórias sobre aquele monumento, ou sobre a gastronomia da região, por exemplo. Porque as experiências e as histórias, as pessoas guardam-nas e transmitem-nas quando regressam ao seu país. Um francês não vai para França dizer que viu um monumento gótico fantástico, mas vai contar as histórias e as experiências que aqui viveu.
Se calhar os pastéis de Belém têm um valor promocional maior do que o Mosteiro dos Jerónimos.

GC – Mas é necessário haver produtos âncora? No caso do Oeste quais seriam as atracções âncora, sobretudo nos concelhos que estão a ficar de fora das rotas turísticas?
AC – Eu diria o golfe e o turismo náutico. E também o turismo residencial. São tudo coisas altamente internacionalizáveis.

GC – E um parque temático?
AC – Como sabe, não há nenhum parte temático em Portugal. O Zoomarine e o que está previsto para a Lourinhã sobre os dinossauros não são parques temáticos, mas sim pequenos parques de lazer.

GC – E os que estão previstos para o Bombarral e para a Alenquer?
AC – Para o Bombarral é um falso parque temático. É um parque de diversões. Repare que a expressão “parque temático” ainda não está legislada, mas quem conhece o mundo sabe o que é um parque temático.

GC – Seja, então, um parque de diversões. Mas isso já não é turismo?
AC – É sempre turismo, mas não acredito que alguém venha do estrangeiro para ir ao suposto parque temático do Bombarral. Você vai a Paris para ir à Disneylandia, mas ninguém virá a Portugal para visitar um parque temático.
Há dias vi em Lisboa publicidade a anunciar os escorregas de água de Badajoz. Mas alguém de Lisboa se mete no carro para ir a Badajoz a um parque aquático?!
Portanto, esses parques aqui no Oeste podem ser interessantes como complementos para a valorização turística da região, mas nunca como um projecto âncora que traga as pessoas cá. Mais importantes são as centenas de pequenas e micro empresas que ao longo destes anos construíram a região enquanto destino turístico – foram as empresas de animação turística, as turístico-marítimas, os restaurantes com qualidade, etc.

“O aeroporto de Monte Real viabilizava a linha do Oeste”

GC – A linha do Oeste e a reabertura do aeroporto de Monte Real ao tráfego civil são imprescindíveis para o turismo da região?
AC – São importantíssimas. O aeroporto de Monte Real não se pode pensar sem estar associado à linha do Oeste, que passa ali ao lado. Facilitava muito a reabertura ao tráfego civil daquele aeroporto para viabilizar a linha do Oeste. Um governo – seja ele qual for – quando pensar nisto, tem de pensar nas duas coisas ao mesmo tempo.
É evidente que Monte Real nos iria permitir uma coisa muito importante que era construir a operação só para nós. Nós estaremos sempre muito dependentes das sobras de Lisboa, mas se tivéssemos um aeroporto regional, que servisse a região Centro – e agora falo do Centro deliberadamente – haveria aqui novos investimentos.
Por exemplo, há um projecto de golfe ali para a parte norte de Alcobaça que eu até já desaconselhei o empresário porque aquilo fica demasiado longe do aeroporto de Lisboa para atrair clientes. Aliás, o presidente da Câmara da Figueira da Foz já tem dito “temos tanto direito a ter campos de golfe como o Oeste, mas se não tivermos aeroporto nunca os teremos”.
GC – Como é que vê o modelo de desenvolvimento turístico na margem sul da lagoa de Óbidos? Aqueles resorts devem ser replicados para toda a região Oeste?
AC – Não, não. De modo nenhum. Aliás, e devido à crise, eu acho que esse problema está resolvido. Não acredito que, por muitos anos, esses resorts apareçam noutros locais. Óbidos, agora com a Falésia d’El Rey, já fica com quatro resorts. Isso já é, a nível internacional, um excelente team.

“A vocação da região não é só o golfe”

GC – É a dimensão óptima?
AC – Sim. Mais do que isso não se deve fazer. Nós, a região, tem sete campos de golfe, incluindo o de Rio Maior. Mas nos 12 municípios que constituem a região, se houvesse 10 a 12 campos de golfe não teria problema nenhum. O turista estrangeiro de golfe compra nunca menos de uma semana e em média joga quatro vezes durante essa semana. Mas atenção: joga 1,5 vezes em cada campo. O jogador de golfe gosta de diversificar e conhecer outros campos para além daquele onde está alojado. Ora se nós tivermos campos diferentes, com ambientes e vivências diferentes, isso complementaria a oferta.
Mas, repito, a vocação da região não é só o golfe. Eu diria que nessa área, mesmo que não se faça mais nada, já estamos bem.

GC – De todos os autarcas com quem trabalhou nestes 30 anos, quais os que achou mais sensíveis ao sector do turismo?
AC – Que pergunta difícil!… Mas eu poria em primeiro lugar o próprio Pereira Júnior, que era um autarca com algumas limitações, centrado, tal como os autarcas daquele tempo, no alcatrão. A primeira geração de autarcas que conheci eram os do “alcatrão, estradas e cemitérios”.
Repare que para um autarca os turistas não são eleitores. E mandaram-me várias vezes essa à cara: “um turista não é um eleitor”.  Na Câmara de Óbidos o presidente Telmo Faria apanha já o Praia d’El Rey em desenvolvimento, que foi o projecto que teve o grande mérito de colocar esta zona no mapa internacional e fazer alguns investidores olharem para um fenómeno que é a chegada a uma região de “saloios” de um hotel de cinco estrelas. E é a partir daí que depois aparecem os outros.

GC – Mas voltando à pergunta, quais os autarcas que destacaria nestes 30 anos?
AC – Destaco o Dr. Telmo Faria, que teve a percepção da importância desse fenómeno, mas aí dentro de uma lógica “oportunística” ao perceber a riqueza que o turismo poderia trazer para o seu município.

GC –Mais algum autarca que queira destacar?
AC – O Carlos Miguel em Torres Vedras, pelo trabalho de regeneração urbana em Sta. Cruz e em Torres Vedras. Mas eu diria que neste anos sempre tive muito entusiasmo pelos vereadores com o pelouro do turismo.

GC – Faço a mesma pergunta em relação aos secretários de Estado do Turismo. Já agora, quantos conheceu?
AC – Essa é mais fácil. Conheci mais de vinte. O Dr. Licínio Cunha, que foi o primeiro com quem trabalhei, devido ao seu profundo conhecimento do sector. O mais “revolucionário” de todos, o melhor de todos, foi, sem dúvida, o Dr. Alexandre Relvas. Foi secretário de Estado nos anos 90 sendo então ministro Faria de Oliveira. E o Dr. Vítor Neto também foi um excelente secretário de Estado.

“Cecília Meireles era arrogante, distante e incompetente”

GC – E os que não deixaram saudades?
AC – A única que não deixou saudades foi a Cecília Meireles. Era arrogante, distante, incompetente, e mal intencionada desde a primeira hora. E a prova é que foi o governo que acabou por a substituir.

GC – O que vai fazer após a reforma?
AC – Tenho um convite para dar uma disciplina na delegação da Universidade Lusófona em Torres Vedras, mas são só três horas por semana, à noite. Vivo numa pequena quinta que precisa neste momento que eu ligue o corta-mato ao meu tractor e me entretenha umas boas horas a cortar mato, silvas e feno… Posso entreter-me ali, mas é óbvio que posso vir a ter algum trabalho na actividade privada como consultor sénior na área do turismo.

GC – Foi autarca pelo PS durante um curto período de tempo e é militante desse partido…
AC – Sou o militante número 66 do Partido Socialista.

GC  – Pensa também dedicar-se à politica?
AC – Não. De forma alguma. E mesmo que tivesse menos dez anos, e apesar de achar que poderia ser útil no grupo parlamentar do PS na área do turismo, confesso que não tenho pachorra para os jogos partidários. Nesses jogos é preciso estar-se sempre a dizer mal dos outros e achar que o chefe é o maior. E isso não faz o meu feitio.

GC – Viajou pelo mundo. Que destinos recomendaria a um amigo?
AC – Recomendaria uma deslocação à Bretanha e à Normandia, em França. Ir ao Monte St. Michel penso que é algo que se tem de fazer antes de morrer. Talvez, há muitos anos, numa noite de Inverno, no silêncio da catedral tenha sentido que Deus existe. Depois seguir ao longo da costa em homenagem aos bravos que em defesa da liberdade, contra a tirania, tombaram nas praias da Normandia e olhar para os seus túmulos, tão simples e belos, no cemitério de Omaha Beach.
Também acho que ir a Auschwitz é obrigatório, como é obrigatório transmitir aos nossos filhos e netos o que foi a barbárie do holocausto.
Ah! e todo o norte de Itália! Ir a Veneza e desejar, um dia, morrer ali, sentado na Praça de S.Marcos…

GC – E em Portugal, despindo a camisola do Oeste, para onde vão as suas preferências?
AC – Gosto muito de ir, de vez em quando, uns dias a Castelo de Vide.

GC – Que livro está a ler?
AC – Uma biografia de Mandela. Um livro escrito pelo seu guarda na prisão sobre a relação de amizade que construíram em 30 anos. Mandela é um homem superior. O guarda esteve em lugar especial na sua tomada de posse. É um livro lindíssimo.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

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