
Caldense é aficionada do cinema latino-americano e adepta de causas sociais. Do “despertar” para o cinema da Amazónia resultou o seu primeiro livro
A caldense Anabela Roque, de 55 anos, tem um longo percurso, grande parte realizado além-fronteiras, na área do jornalismo, da música e do cinema, e recentemente lançou-se como escritora e investigadora.
“Virá que eu vi”, a sua obra editada pela Tigre de Papel, foi publicada em setembro e lançada no Fólio a 12 de outubro. Preocupada com as ameaças aos povos indígenas, “guardiões” desse que é não só o “pulmão”, como o “coração” do mundo, a jornalista que se havia formado em cinema no Brasil, uma vez regressada a Portugal, decidiu enveredar pela investigação em torno do cinema acerca da Amazónia.
Mas não aquele que resulta de “duas semanas de filmagens”, o “cinema extrativista”. Antes o que dedica tempo a criar relações de confiança com os protagonistas, e que os envolve no processo de realização e de montagem do filme.
Na apresentação do livro no Fólio, Anabela Roque citou o momento do parto de uma indígena que os realizadores João Salaviza e Renée Nader Messora “captaram”. “Tinham combinado filmar o parto, mas não deu pois aconteceu mais cedo. Mas a mulher quis explicar à Renée tudo o que se passou, e até chamou as mulheres da aldeia que a ajudaram”, conta, para mostrar que os realizadores não a coagiram a reproduzir o parto. “Houve uma inversão de papéis: a Renée gravou como a mulher que tinha acabado de ter o bebé queria, e depois, quando estava a fazer a montagem do filme, voltou a chamá-la. Este é um exemplo da colaboração que permite transmitir nos filmes uma Amazónia muito mais real”, disse.
Nem se trata de um cinema de “voyeurismo”. Continuando a recorrer àqueles realizadores, Anabela contou que “vivem na comunidade dos krahô em grande parte do tempo”. Em outubro, abriram “a primeira sala de cinema em território indígena”, e também ensinam a sua arte. “Estão ao lado do povo nas lutas do dia-a-dia”, como quando têm de se “defender das ameaças da ocupação do território por parte dos latifundiários que o cercam e dos caçadores furtivos”, sublinha.
“Sinto-me uma mensageira”, afirma. “Não estou na ‘trincheira’, mas o que pretendo com este livro é ampliar as vozes dos ‘guardiões’ da Amazónia, que não são ouvidos”, nem mesmo durante a COP30, que esteve a decorrer em Belém do Pará, território da Amazónia brasileira. “Se perdermos esta floresta, intensificar-se-ão os grandes desastres climáticos”, já que é um dos “grandes reguladores do clima”.
A jornalista começou o seu percurso na Gazeta das Caldas, no Jornal das Caldas e na Rádio Caldas, no final dos anos 80, fazendo jornalismo cultural. “Foi na Gazeta que comecei a ter a consciência de que me interessava pelo jornalismo e que queria fazer disso a minha atividade profissional”, recorda.
Andou na Raul Proença e estudou Jornalismo no CENJOR, no princípio dos anos 90, e em 1992 entrou para a Renascença e para a RFM, onde apresentava noticiários e era repórter. Porém, ao fim de cerca de três anos, optou por abandonar o jornalismo radiofónico por ser ingrato para as reportagens de âmbito cultural. “Ou ficavam para o final do noticiário ou nem chegavam a entrar”, conta. Mas decidiu continuar na “área cultural”.
Colaborou na primeira edição da revista de teatro lusófono da então Secretaria de Estado da Cultura, a Sete Palcos. Pouco depois, passou para a produção de concertos na Ritmos&Blues, tendo organizado os de Tina Turner (1996), Brian Adams e U2 (1997) ou Ringo Star (1998), etc. Foi diretora de palcos na Expo98 e, em 1999, mudou-se para Madrid, a convite do “primeiro canal de música português”, Sol Música, lá produzido, que Anabela lançou. Daí, integrou o grupo da Fox, também detentor do National Geographic, para onde produziu conteúdos. Em 2004, inaugurou a Fox Life em Portugal. Esteve dez anos na empresa sediada em Madrid, sobretudo a fazer a programação televisiva. “Mas era um conteúdo pelo qual não sentia afinidade.”
Em Madrid, passou a frequentar a Casa da América e fez parte do comité de seleção de curtas-metragens para o Festival Internacional La Boca del Lobo. “Foi encontrar aquilo de que realmente gostava”: o cinema da América Latina. Assim, quando decidiu sair da Fox, onde já era supervisora de programação, a caldense mudou-se para o Brasil com a ideia de estudar cinema.
Em lá chegando, fez consultoria com produtores de cinema, mas sentia-se “ainda muito próxima do universo dos canais de televisão”. Em 2016, ingressou na Academia Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Ao fim de seis meses de curso, realizou a primeira curta, “Piano Forte”, sobre a “área mais pobre do Rio”, a Baixada Fluminense. O projeto foi selecionado para festivais do Arizona (EUA), Coreia do Sul ou Itália, a par do Brasil. No final do curso, produziu outra curta, “Sempre Verei Cores no Seu Cinza” (2018), que esteve entre as dez selecionadas para o Festival de Cinema Brasileiro de Brasília.
Em 2019, regressa a Portugal por motivos “pessoais e familiares”. “Aqui não é fácil encontrar trabalho no cinema, especialmente depois de estar quase 20 anos ausente e não ter uma rede de contactos.” Decidiu, pois, abordá-lo enquanto escritora. “Despertou” para o cinema sobre a Amazónia com “A Febre” de Maya Da-Rin, que viu num festival, porque “são filmes que não entram no circuito comercial”, e “a maior parte nem chega a Portugal”. Começou a investigar em 2021 e tem escrito para a Buala, projeto de promoção da Cultura Contemporânea Africana, desde então.






























