Conselho de Administração garante que Serviço de Urgência continua em funcionamento, mas há médicos que admitem vir a deixar o hospital
Os chefes de equipa do serviço de urgência e banco do Hospital das Caldas tornaram pública, na semana passada, a intenção de demissão e o pedido de encerramento do serviço. Na passada segunda-feira, reuniram com o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste (CHO), mas do encontro não saíram dados concretos, o que pode deixar aquela unidade de saúde à beira do colapso.
No manifesto, assinado por 23 internos e internistas, os médicos garantem que o Serviço de Urgência (SU) “está em rutura completa” e que “não estão asseguradas as condições mínimas de qualidade assistencial, nem de segurança, nem para os profissionais de saúde, nem para os doentes”. “O excesso de doentes que recorrem e permanecem indevidamente no SU, as escalas persistentemente incompletas – sem cumprirem os mínimos aceitáveis – o desvio frequente de doentes fora de área (nomeadamente da área de Torres Vedras) e a proibição de transferir doentes para os seus hospitais de origem, são alguns dos inúmeros problemas identificados”, frisam os internistas.
O grupo de médicos considera que a “falta de condições de atratividade, a falta de respeito e a falta de dignidade com que a Medicina Interna tem sido considerada nesta instituição está a levar ao êxodo de muitos médicos… e muitos mais seguirão”, sublinhando que têm “sucessivamente alertado que os critérios mínimos de segurança não estão a ser cumpridos” e “múltiplos pedidos de escusa de responsabilidade” foram encaminhados para a Ordem dos Médicos. “Encontramo-nos no limite das nossas capacidades físicas e mentais, exaustos, desanimados, desgastados, desmotivados, mas sobretudo em sofrimento ético e em risco profissional. E na nossa profissão o erro mata!”, afirmam os médicos naquele documento.
Na reação ao manifesto, o Conselho de Administração do CHO esclareceu que “as demissões respeitam apenas ao cargo de gestão de chefia de urgência e não ao exercício das funções clínicas”, garantindo que a equipa “continua a assegurar o normal funcionamento do Serviço de Urgência, mantendo-se em funções e providenciando todos os cuidados inerentes ao funcionamento”.
A administração, liderada por Elsa Baião, reitera que “tem abertura para resolver as questões de organização interna e distribuição de serviço”, assegurando que tudo fará para continuar a manter o normal funcionamento da urgência e o reforço das suas equipas, visando chegar a um consenso entre os intervenientes” e reconheceu “o trabalho difícil, mas empenhado, dos seus profissionais”.
Por estes dias, Joana Louro tem sido a porta-voz dos médicos. Na ressaca à reunião com o Conselho de Administração, não escondeu a desilusão. “Abriu-se um caminho de diálogo, mas não há respostas concretas”, observa e especialista em Medicina Interna e Diabetes, para quem “enquanto não houver uma profunda reforma do SNS, não se podem esperar previsões de melhoria”.
Os clínicos apresentaram “várias propostas de trabalho”, nomeadamente com a comunidade, para “explicar muito bem o que é recorrer a um serviço de Urgência”, mas também com o Instituto da Segurança Social e a Câmara “para trabalhar os imensos casos sociais” e evitar que sejam enviados “todos os casos para o hospital sem critério”.
“O que estamos a falar é de uma profunda lacuna de recursos humanos e o Hospital das Caldas só funciona com capital humano”, adverte Joana Louro, notando que a escala “está mais ou menos composta até ao final do mês”, mas em maio, “se nada for feito vão sair mais pessoas”.
Desde janeiro já dois médicos deixaram o Hospital e “vão continuar a sair”, até não restar pedra sobre pedra, até o SNS estar destruído”, lamenta a clínica, notando que Caldas tem um hospital “envelhecido e os doentes acumulam-se na Urgência”, mesmo com “prestadores de serviço pagos a um valor exorbitante à hora”. “Não conseguimos fixar médicos, as condições não são aliciantes e somos destruídos por uma carga de trabalho assustadora”, sublinha a porta-voz, que está a chegar ao limite. “Acreditava no SNS com todas as minhas forças, vivo nesta cidade e sinto-me uma caldense, mas não consigo continuar a trabalhar assim”, frisa a especialista, esclarecendo que esta luta “não é dos médicos”: “Temos alternativas de trabalho. Estamos a fazer isto pela cidade, pelos doentes e pelo SNS”.
Partidos questionam Governo
O pedido de demissão dos 23 médicos internistas levou os partidos a questionar o Governo sobre o futuro imediato daquela unidade de saúde.
O PSD foi o primeiro a pronunciar-se, criticando o “caos que se vive no hospital”. Os deputados social-democratas mostram-se preocupados com o a situação “absolutamente dramática, desesperante e totalmente inaceitável” que se vive no hospital.
Horas depois, os deputados do PS anunciaram ter pedido ao Conselho de Administração uma reunião de trabalho “com vista a abordar diferentes matérias relacionadas com a prestação dos cuidados de saúde na região”.
Também Gabriel Mithá Ribeiro (Chega) lamentou “a degradação dos cuidados de saúde” e recordou as obras de ampliação das Urgências, “que se prolongaram por intermináveis três anos”, com um investimento de cerca de 2 milhões de euros, para defender que “a causa desta falta de condições não será pelo espaço ou aspetos técnicos, mas sim por falta de profissionais”.
Por seu turno, a Comissão de Utentes do CHO considera que “chegou a altura de urgentemente serem demonstradas por parte de todos os utentes, a indignação pela forma desprezível, cada vez mais, como têm sido considerados a nível da saúde no Oeste, pelos sucessivos Governos”. ■
Câmara das Caldas pretende acionar Comissão de Saúde para pressionar tutela
O presidente da Câmara das Caldas da Rainha revelou, na reunião do executivo da passada segunda-feira, que vai propor na próxima Assembleia Municipal o retomar do funcionamento da Comissão de Saúde. Vítor Marques considera que aquele pode ser um instrumento “para ver o que se passa com os serviços e onde se pode ir bater à porta”. “Era importante também ter um relato dos profissionais, ouvi-los em sede de comissão”, salientou o chefe do executivo.
Em resposta ao vereador Hugo Oliveira (PSD), Vítor Marques considerou que se está perante “um problema do CHO, das Caldas, mas também de Torres Vedras e também de Peniche, tendo em conta que o serviço de Psiquiatria está atrasado”.
“Torres Vedras e Caldas têm tido, com muita regularidade, paragens no seu funcionamento. É um processo que se tem vindo a agudizar”, lamentou o autarca, que revelou que a Comunidade Intermunicipal do Oeste já “abordou” a questão do CHO e pretende tomar uma posição, tendo solicitado uma reunião com urgência à tutela. ■
Hospital das Caldas registou mais de metade das queixas do CHO em 2021
Unidade também recebeu mais elogios que hospitais de Torres Vedras e Peniche no mesmo período
O Hospital das Caldas da Rainha concentrou, no ano passado, mais de metade do total de reclamações apresentadas por utentes nas três unidades que compõem o CHO, mas também mereceu mais elogios que as unidades de Torres Vedras e Peniche.
Segundo o relatório do Gabinete do Cidadão 2021, o Hospital das Caldas recebeu 323 reclamações, enquanto Torres Vedras se ficou pelas 252 e Peniche registou 42 notas negativas de utentes.
Porém, segundo o mesmo documento, a unidade das Caldas obteve 48 elogios de utentes, superando os números de Torres Vedras (35) e Peniche (12).
Em termos globais, 2019 foi o ano em que se registaram mais queixas no CHO (845), número que baixou significativamente em 2020 (493), primeiro ano em que a pandemia começou a surtir efeitos na prestação de cuidados de saúde. Em 2021, registaram-se 617 reclamações, ainda assim abaixo dos números de há três anos.
O grupo profissional mais visado pela crítica é o dos médicos (447 queixas em 2020). Seguem-se os assistentes técnicos (56) e dirigentes (56), à frente dos enfermeiros (45).
Em 2021, na análise dos assuntos a merecer reclamação, o tempo de espera concentrou o maior número de incidentes (123), ligeiramente acima da qualidade técnica dos cuidados de saúde/procedimentos (110). A delicadeza do pessoal clínico (48), a qualidade da informação de saúde disponibilizada (45) e o direito de acesso ao processo clínico (39) foram as restantes causas de crítica.
Neste período de três anos, os elogios baixaram consideravelmente neste mesmo período no CHO: em 2019 foram 149 os cidadãos que quiseram demonstrar agrado por escrito, em 2020 esse número baixou para 112 em 2020 e quedou-se pelos 95. Os médicos (79) foram o grupo profissional mais visado pela crítica positiva, à frente dos enfermeiros (66) e dos assistentes operacionais (43). ■
Exposição dos utentes do CHO em 2021
































