Carlos Querido
Conhecemo-nos, vai para quarenta anos, no Centro de Estudos Judiciários, onde ele, diretor, praticava o encantamento pela palavra, deslumbrando gerações de futuros magistrados nas sessões de Ciência Judiciária.
Havia um piano no bar, ao qual se sentava nos intervalos, tocando invariavelmente Für Elise de Beethoven, e um torneio de futebol na Cerca Moura, onde jogava connosco, sempre à baliza, sempre equipado de sportinguista dos pés à cabeça.
Ardente defensor da cidadania ativa, definia a magistratura como um profundo compromisso com a justiça, com a ética, com os direitos humanos, deixando no CEJ um rasto luminoso que resistiu ao tempo, como uma lenda.
Recordo-o desse tempo e de sempre, com uma grata memória de suaves contornos: um infindável sorriso, uma permanente afabilidade, uma disponibilidade sem reservas, uma generosidade sem limite.
Nunca nos perdemos de vista.
Mais tarde, no cargo de Ministro da Justiça, inaugurou o Tribunal de Peniche quando eu exercia funções naquela comarca.
Prefaciou e apresentou o livro Praça da Fruta e aceitou apresentar mais três livros, tendo sido o último no Fólio em 2023.
Não sabia recusar um convite dum amigo.
Para além das apresentações de livros, por duas vezes veio às Caldas a meu pedido, para uma conferência de angariação de fundos para o Banco Alimentar e para uma palestra sobre flexibilidade curricular no Agrupamento Bordalo Pinheiro.
Em Lisboa encontrámo-nos algumas vezes numa tasca junto ao Camões, Mimosa de seu nome, sempre à quarta-feira, dia de cozido à portuguesa.
Em julho deste ano almoçámos na casa de um amigo comum. Encantador, como sempre, a contar pequenas histórias, algumas hilariantes, sem que denotasse vestígios de qualquer doença.
Em setembro telefonei-lhe a pedir a sua colaboração com a edição do Centenário da Gazeta das Caldas. Tenho estado doente, diz-me, pedindo desculpa por não se sentir em condições de responder ao meu convite.
De súbito, a notícia de uma perda irreparável.
Todos devemos ao Mundo um Mundo melhor.
Há quem parta depois de uma vida a cumprir essa missão.
Curvo-me perante a memória gratificante de Laborinho Lúcio, grato pela sua amizade, desolado pela sua partida e pelo vazio que deixou.































