Por diversas vezes foi este jornal o ponto de ignição para lutas que viriam a beneficiar toda a região.
Na sua primeira edição, a 1 de outubro de 1925, Gazeta das Caldas já mostrava ao que vinha: para além de informar, o jornal que agora nascia queria ser também a voz da região e ter um papel activo no seu desenvolvimento e defesa de causas. Na página 3 dessa edição, Fernando Correia assina um artigo onde clama por uma homenagem à rainha D. Leonor, quando passa o quarto centenário da sua morte, destacando o papel da monarca fundadora das Caldas.
Também é nesse momento que avança com um apelo aos seus leitores, para a criação de um lactário – creche – em benefício dos operários caldenses.
A defesa dos ceramistas caldenses e da criação de um Museu da Cerâmica, que inicialmente se veio a concretizar no Museu Malhoa e só após 1974 num museu próprio sediado no Palacete Visconde Sacavém, têm sido causas de luta deste semanário ao longo deste século.
Em 1926 pugnava-se por um monumento ao ceramista Rafael Bordalo Pinheiro e a Gazeta oferecia aos discípulos do mestre as suas páginas e o seu apoio incondicional. Já nessa altura o semanário lutava pela linha férrea entre Peniche/A-da-Gorda/ Caldas /Seitil, que nunca se viria a concretizar, e também pela ligação entre Tomar e a Nazaré.
Em Junho de 1926, na sequência do golpe militar de 28 de Maio, é instituído um regime de censura prévia. Gazeta das Caldas, na sua edição de 27 de Junho, apresenta, pela primeira vez a informação obrigatória “Este número foi visado pela comissão de censura”. Dois anos depois, na edição de 29 de Julho, a primeira página do jornal mostra um desenho do Zé Povinho com a mão na cabeça e a informação de que “Este número foi visado pela Comissão de Censura, em formato exagerado. Provavelmente, o texto de opinião que cabia naquele espaço tinha sido censurado.
Também nessa edição, Gazeta publica um artigo onde dá conta do mal estar que as suas apreciações causam em Leiria, através da “União Nacional”. Assinado por António Montez, a notícia fala do que falta fazer no distrito, nomeadamente ao nível da assistência, reparação das estradas e protecção às industrias.
Também nessa época a Gazeta das Caldas está envolvida na criação de um monumento a erigir à fundadora, Rainha D. Leonor. É também este jornal o responsável por uma homenagem ao pintor José Malhoa, através de um desafio lançado pelo jornalista caldense Luiz Teixeira, que entretanto exercia funções profissionais na imprensa lisboeta.
Em 1929, após a atribuição do estatuto de cidade à então vila das Caldas, a Gazeta apoia a pretensão caldense de ver esta então vila integrada no distrito de Lisboa. Uma pretensão que era comum a outros concelhos do sul do distrito, como Peniche, Óbidos e Bombarral, mas que não viria a colher frutos.
No número 351, de Outubro de 1932, o jornal dava conta da desejada criação de um liceu caldense, mas que só viria a concretizar-se em finais da década de 1960.
Foi também o jornalista Luiz Teixeira que, a 20 de Setembro de 1938, publicou um artigo na Gazeta das Caldas propondo a criação de uma Biblioteca Pública nas Caldas. A partir de então não se pouparam esforços e, em 1946, com o apoio do então presidente da Câmara, Augusto Saudade e Silva, constituiu-se uma comissão organizadora para concretizar a ideia.


A QUESTÃO DA PRAÇA DA FRUTA NAS PÁGINAS DA GAZETA
Na década de 1950, Luiz Teixeira manifesta-se frontalmente contra o mercado fechado e colhe os apoios das individualidades locais, empresas e muitas figuras nacionais.
Mas já no primeiro número, em 1925, Gazeta das Caldas, apresentava um texto titulado “O Mercado fechado será um facto?”, onde referia que “na montra dos Grandes Armazéns do Chiado tivemos hoje o prazer de admirar o grandioso projecto do novo mercado municipal que a Câmara desta vila projecta construir no centro da chamada Quinta dos Loureiros.” E acrescentava: “Estamos tão habituados a ver projectos como este não passarem… de projectos, que chegamos a recear que este não passe também do papel. Temos, porém, fé no espírito de iniciativa da gente moça que compõe a actual vereação municipal e por isso esperamos que o seu amor às Caldas os leve a não desanimar do seu intento.” O assunto é retomado duas semanas mais tarde, numa entrevista ao Coronel de Artilharia J. A. Ferreira Madail, que referia que o “mercado aos domingos não deve desaparecer do local onde atualmente se realiza”. E acrescentava: “Este mercado é qualquer coisa de importante, ocupando duas grandes praças, não me parecendo que se possa realizar dentro do âmbito de quatro paredes, por amplo que fosse”. O jornal voltaria ao assunto, por diversas vezes, até que em inícios da década de 1930, o arquiteto Paulino Montez, em entrevista à Gazeta, justificava terem tirado o projeto do mercado fechado dos terrenos junto ao Chafariz das 5 Bicas para o Borlão, onde estava a ser concebido um novo centro para a cidade. Acrescentava que este mercado não poderia ficar “reduzido a um recinto coberto rodeado de barracões para unicamente se lhe aproveitar o rendimento do terrado.” E elencava uma afirmação curiosa: “O mercado das Caldas tem um valor pitoresco e turístico que não deve desaparecer numa terra essencialmente de turismo”. O projeto que propunha para o Borlão previa a abertura de “grandes páteos interiores, onde o Sol entre a jorros e superfícies cobertas onde o movimento do mercado se mostra quanto possível no seu máximo de pitoresco e beleza de cor.”
Até à década de 1950 foram recebidas algumas cartas, que foram publicadas, com opiniões favoráveis ao mercado fechado, mas essa tendência foi-se desvanecendo. Em 1954, a Gazeta das Caldas lançou um inquérito público em que vários leitores apresentaram as suas opiniões, maioritariamente viradas para o mercado fechado. A reviravolta deu-se em inícios de 1955, quando na edição de 25 de janeiro, se antecipa que “no próximo número: O Mercado Fechado ‘melhoramento’ desnecessário – Artigo de Luiz Teixeira”. O jornalista, que colaborava com Gazeta das Caldas defendia desassombradamente: repetindo-o como um “melhoramento” desnecessário”, questão que se mantém atual até hoje, 65 anos depois. Argumentava, depois, que se perguntassem a qualquer visitante as razões que o trazia às Caldas, responderia, talvez como ainda hoje: “As águas, o clima, as árvores e o mercado”. O autor do artigo avalia negativamente as especificidades do mercado fechado, conta o que se passou em várias localidades do país em relação à construção de mercados fechados e, por outro lado, explica o que se faz no estrangeiro. O texto termina com uma pergunta provocatória: “Então não é verdade que a terra precisa de tanta coisa? Responderei apenas: Sim. Precisa de muita coisa. Precisa, por exemplo, de não fazer o mercado fechado…”
A discussão está longe de estar terminada. Ainda recentemente, fruto da situação pandémica, a praça foi transferida provisoriamente para o Pavilhão da Expoeste, e as opiniões voltaram a dividir-se. Por um lado, há quem defenda o conforto possibilitado por uma estrutura física, enquanto que outras vozes defendem a continuidade da Praça no centro da cidade, destacando tratar-se de um dos raros mercados de ar livre em Portugal e um centro nevrálgico do comércio caldense.
Nas décadas de 1960 e parte de 1970, a publicação era bissemanal, tendo inclusive tido sido, nesta última fase, o único bissemanário a ser publicado no distrito. Mas a maior causa em que a Gazeta se envolveu foi a da luta contra a instalação de uma central nuclear em Ferrel, apoiando a população na resistência a essa ideia.
Em Dezembro de 1975 as suas páginas já alertavam para os perigos destas centrais. Nos anos seguintes as referências ao assunto foram uma constante.
O assunto era de tal modo importante que o jornal organizou, inclusivamente, em março de 1977, um debate na Casa da Cultura sobre a Central Nuclear de Ferrel, e nas suas páginas apelava à união contra a ameaça nuclear. Na Gazeta publicou-se um dossier sobre centrais nucleares e o jornal esteve envolvido na organização do Festival Pela Vida e Contra a Nuclear, que viria a decorrer em janeiro de 1978 e que juntou alguns milhares de pessoas nas Caldas e em Ferrel.


OS ENCONTROS INTERNACIONAIS DE ARTE
Ainda em agosto de 1977, Gazeta das Caldas envolveu-se ativamente nos IV Encontros Internacionais de Arte, fazendo uma ampla cobertura do evento que foi um marco cultural na cidade.
Caldas preparava-se para comemorar os seus 50 anos, quando uma centena de artistas, nacionais e estrangeiros, se reuniram para a realização dos IV Encontros Internacionais de Arte, por toda a cidade. Algumas das manifestações, mais de vanguarda, chocaram a população local, que ainda vivia os alvores da democracia. Gazeta das Caldas, num momento em que se debatia com problemas de falta de papel e em que as tecnologias ainda não permitiam revelações de fotografias instantâneas ou mesmo a publicação de muitas imagens, apresenta um suplemento de arte, inteiramente dedicado a este evento. Foi coordenado por Egídio Álvaro, que agradecia à Gazeta a possibilidade de “apresentar à população caldense um panorama daquilo que durante doze dias vai acontecer das propostas nacionais e internacionais que modificarão radicalmente o panorama artístico português”.
A maior causa em que a Gazeta das Caldas se terá envolvido diretamente foi a luta contra a instalação de uma central nuclear em Ferrel, apoiando a população na resistência a essa ideia avançada pelo poder central da época
Também por essa altura, começou a ganhar forma a homenagem a Raul Proença, caldense que foi o “primeiro a atacar, num panfleto célebre, a ditadura instalada em 28 de Maio”, refere o jornal da altura. E acrescenta: “se quiserem prestar-lhe a homenagem que merece, deem-lhe o nome a uma biblioteca, a uma escola, a um liceu”.
A atribuição do nome do escritor e jornalista a uma escola viria a acontecer anos mais tarde, já na década de 1980 e quando da comemoração do centenário do seu nascimento.
Outro tema que na Gazeta das Caldas continua a surgir ao longo de todas estas décadas é a defesa das termas caldenses (incluindo o balneário das Águas Santas), e do hospital distrital, por vezes com campanhas “violentas” contra o poder central, mesmo durante o período da ditadura.
Também a defesa da Lagoa de Óbidos e a modernização da Linha do Oeste têm sido bandeiras deste semanário. Os constantes problemas de assoreamento do sistema lagunar e o estado de abandono a que chegou a linha ferroviária que serve o Oeste são recorrentemente tema nas páginas do jornal caldense.

































