
80 ANOS
CASADO, 2 FILHOS, 4 NETAS E 1 BISNETA
Fui um dos primeiros empregados da Rol e quando entrei para a empresa comecei por não fazer nada porque não havia nada para fazer. Só depois de construída a fábrica é que meti mãos à obra. Depois foram 32 anos da minha vida a trabalhar aqui. A Rol mudou de nome duas vezes, mas as máquinas ainda mudaram mais vezes, sempre mais modernas, sempre para melhor.
Aqui passei momentos bons e maus. Chatices, problemas, picos de trabalho, confusões para resolver. Mas passei também bons momentos. Respeitei e fui respeitado. Subi na hierarquia, realizei-me profissionalmente. Quando me reformei ainda andei umas semanas a bater mal com a ausência da fábrica, até que me habituei à nova rotina e me dei conta que isto fazia parte do passado e que a Rol nada me deve e eu nada lhe devo.
Nasci em Sintra em 16 de Abril de 1936 e nada faria prever que 25 anos depois viria trabalhar para as Caldas. Feita a escola primária, ainda fui estudar para a Escola Industrial Machado de Castro, em Lisboa. Naquela altura, de Sintra para o Rossio os comboios eram a vapor e demorava-se um hora e tal quando tudo corria bem porque muitas vezes tardava-se duas horas, com a locomotiva a fumegar até chegar ao destino.
Não acabei o curso industrial. Andava sempre com um amigo com quem só fazia disparates. Por isso, aos 18 anos fui trabalhar para a C. Santos que tinha em Sete Rios uma grande oficina da Mercedes. Foi ali que começou o meu interesse por mecânica, motores e máquinas.
Estive ali dois anos e meio porque em 1957 fui chamado para a tropa. Tinha 21 anos e podia ter tido o azar de ter de assentar praça nalgum quartel longínquo, mas tive sorte e fiquei em Queluz. A minha carreira militar só foi de soldado raso a 1º cabo mecânico, mas foi proveitosa porque fiz vários cursos de mecânica geral e electromecânica.
Saí da tropa em 1959 numa altura em que começava a guerra colonial. Tive sorte mais uma vez. Escapei por uma unha de ir para o Ultramar.
E arranjei emprego logo a seguir. Não é que naquele tempo isso fosse fácil. Mas tive a sorte de ter por vizinho em Sintra o engenheiro Ernesto Borges, que tinha uma quinta perto da casa dos meus pais. Ele já morreu, mas ainda hoje sou amigo da mulher dele, a actriz Eunice Muñoz, que deve ter só uns anitos mais do que eu.
Foi graças a este vizinho ilustre que na altura fui trabalhar para a Messa, uma fábrica de máquinas de escrever. Comecei pelas oficinas de mecânica e depois fui para a montagem. Só nesta secção trabalhavam 600 pessoas! Hoje já não há fábricas destas. Milhares de máquinas de escrever, as HCESAR para o mercado nacional e as AZERT para a exportação.
Estive na Messa entre 1959 e 1961 porque desta vez o engenheiro Ernesto Borges levou-me para um projecto novo que consistia em montar de raiz uma fábrica de rolamentos nas Caldas da Rainha. A Rol começou por ser um escritório em Lisboa onde eu andava por lá sem muito que fazer.
Só comecei a trabalhar a sério quando foi inaugurada a primeira fase que era uma fábrica de moldes de injecção plástica. Depois é que foi inaugurada a parte dos rolamentos.
Durante sete anos andei a ir de Sintra para as Caldas todos os dias. De carro. Muita gente pensa que era cansativo, mas eu era um rapaz com vinte e tal anos e aquilo não custava nada. Vinha pelo Cercal, Ota, Carregado e apanhava a auto-estrada em Vila Franca de Xira porque ela só chegava até ali. Demorava 50 minutos das Caldas a Lisboa porque naquele tempo não havia trânsito praticamente nenhum.
Casei-me em 1963 e continuei a viver em Sintra, mas quatro anos depois, o senhor Loy, o novo director da fábrica (tinha havido accionistas alemães a entrar no capital da empresa) disse-me que era altura de eu vir viver para as Caldas porque as viagens diárias não eram compatíveis com o estar na fábrica todos os dias às oito da manhã.
Vim viver para a Quinta dos Canários que na altura era um arrabalde das Caldas. Até pertencia à freguesia da Tornada. Uns anos depois mudei-me para a Praça do Peixe, perdão, para a Praça 5 de Outubro onde ainda hoje vivo.
Acompanhei a modernização da fábrica
Pertenço à primeira geração de trabalhadores da Rol. Comecei por ajudar a montar as primeiras máquinas e vim tomar conta de uma secção com oito pessoas. Depois fui subindo e continuei a chefiar mais secções. Quando me reformei tinha a meu cargo várias áreas da produção, mas as mais importantes eram a secção de rectificações e a secção de tratamentos térmicos.
A Rol passou para GMN e depois para Schaeffler. Mudou de patrão várias vezes, mas isso não me preocupou desde que houvesse trabalho e salário no fim do mês.
Graças à internacionalização da fábrica, fui à Alemanha várias vezes, acompanhado do senhor Loy e do engenheiro Manuel Gouveia, para ver máquinas e comprar equipamento. E também à Itália, à Suíça e até uma vez à América.
Acompanhei a modernização da fábrica. E como isto mudou! Um rolamento não é um produto fácil. É uma peça muito complexa de se fazer e, ainda por cima, com qualidade.
Ao princípio eram máquinas com alavancas, botões, um quadro eléctrico. Havia dois operadores por cada máquina. Mas quando me reformei eram equipamentos com micro-processadores, sistemas informáticos, secções robotizadas… linhas de montagem com sete e oito máquinas com um único operador.
Por isso é que em 1961 uma máquina fazia 3000 rolamentos por dia (e a malta já achava que aquilo era muito moderno) e hoje uma máquina moderna faz 12 a 15 mil rolamentos por dia.
Nos fornos do tratamento térmico os anéis eram pendurados numas varetas e mergulhados em sais. Era tudo feito manualmente. Agora há fornos com temperatura e humidade controladas em que não há praticamente intervenção humana.
O meu percurso foi sempre a subir. Mais responsabilidades, mas também melhor salário. Fiz uma grande amizade com o director-geral. O senhor Loy (que já faleceu) era como um irmão. Mas era um homem muito exigente e que não me desculpava nada.
Caldas É uma rica terra
Reformei-me em 1993 com 57 anos. Mais cedo do que o previsto porque diagnosticaram-me um problema auditivo de origem neurológica. O meu último dia de trabalho, numa sexta-feira, foi um dia normal. Ao fim do dia vim para casa e pronto. O que não foi normal foi a segunda-feira seguinte. Acordei e fiquei a olhar para o tecto a pensar na fábrica. Aquela hora eu já estaria rodeado de gente a resolver coisas… As primeiras semanas foram duras. Eu sentia falta da fábrica e não era capaz de estar sem fazer nada. Comecei logo a procurar qualquer coisa e estava tão desesperado que quase estava disposto a pagar para ter um sítio onde ir trabalhar todos os dias.
Acabei por ir para uma firma de administração de condomínios e com negócios no imobiliário, onde andei entretido uns anos.
Agora ando por aí nas Caldas. Estou em casa, vejo televisão, vou ao café, converso um bocado, ando pela cidade e encontro sempre alguém conhecido. É disto que eu gosto nas Caldas. Esta é a minha terra. Eu sinto-me caldense, embora de vez em quando vá a Sintra, onde ainda tenho a casa dos meus pais, para passar uns dias e ver a malta da minha idade.
Mas é aqui que eu conheço a maioria das pessoas. Sinto-me em casa nas Caldas. Esta é a minha terra e esta é uma rica terra.






























