Foram 14 países e 39 estações de comboio, 20552 quilómetros entre o Oeste de Portugal e Singapura, num trajecto que levou 21 dias e que levou o alcobacense Renato Jácome a percorrer a maior viagem ferroviária do mundo.
A primeira etapa da maior viagem de comboio do mundo foi a ligação de São Martinho do Porto, onde reside, às Caldas da Rainha. Saiu às 7h11 do dia 2 de julho. Da cidade termal seguiu para Mira-Sintra e depois Agualva e Lisboa Oriente, de onde apanhou novo comboio para o Entroncamento, de onde partiu na ligação para Badajoz. Madrid, Zaragoza e Figueres Vilafant foram as paragens seguintes em solo espanhol, antes de atravessar a fronteira para Paris.
Da capital francesa seguiu para a capital alemã, passando por Mannheim. De Berlim foi para Varsóvia, capital polaca, e daí para Vilnius (Letónia) e depois Minsk, já na Bielorrúsia. Moscovo foi a paragem seguinte, antes de Ulan e Ulaanbaatar, na Rússia. Entrou na Mongólia, em Ulanqab, passou pela China, em Pequim, Chengdu, Puer e Vientiane, antes de Bangkok, Hat Yay, Padang Besar e Taiping. Kuala Lumpur e Gemas JB Sentral foram as últimas paragens, antes de chegar ao destino, em Woodlands, Singapura, onde chegou no dia 22 de julho, às 10h03.
Este foi “o concretizar de um sonho de criança”, dado que Renato começou a trabalhar com nove anos, a vender maçãs no Mercado da Ribeira, junto ao Tejo, de onde via os barcos partirem e chegarem com gente de todo o mundo. “Sempre tive muita vontade de conhecer o mundo”, recorda. Mais tarde, queria fazer um interrail, mas não tinha possibilidades económicas. Atualmente, com 56 anos, o CEO da AMC Group, que emprega 300 pessoas, viaja por todo o mundo e tem vindo a concretizar esses sonhos. Quando soube que a maior viagem de comboio do mundo começava (ou terminava) em Portugal, decidiu que iria fazê-la.
Durante um ano amadureceu a ideia e depois foram precisos quase três meses para tratar do planeamento, até porque, com a guerra na Ucrânia, seria impossível atravessar as fronteiras entre os dois países e era necessário adaptar a rota.
Até à Lituânia, conta, “correu tudo dentro do esperado”. O primeiro choque foi à chegada à Bielorrúsia, em que “parecia que tinha recuado 50 anos no tempo” e onde demorou três horas no processo de entrada. Aqui, devido à guerra, foi preciso fazer um percurso de cerca de 100 quilómetros de autocarro. À entrada na Rússia, que o “surpreendeu pela positiva”, houve novamente “problemas”, com uma discussão acerca da necessidade ou não de visto prévio (sendo que, ainda assim, tinha tudo tratado com a Embaixada da Rússia) e que terminou com a ajuda de uma senhora russa que explicou a situação. De Moscovo partiu num comboio que faria uma viagem de seis dias pela Sibéria, com paragem em 75 estações e ao longo de mais de 9 mil quilómetros.
No caso de Renato Jácome, o planeamento foi fundamental e frisa que só com essa estruturação e o apoio de back office é que conseguiu fazer esta aventura em 21 dias, até porque há sempre imprevistos. Achou a China “um país encantador”, apesar de ter tido contratempos devido à semelhança dos nomes das cidades. Na Tailândia recorda um episódio, quando no controlo transfronteiriço um cão ladrou para a mala de um viajante e ficou um clima nervoso no ar, com os guardas a empunharem as armas. “Trouxeram a mala para cima da mesa, abriram-na e… era uma espécie de um paio”, conta, revelando que rapidamente os nervos deram lugar a uma risada geral. Recorda ainda os búfalos e os campos de arroz em Laos. Em dois dias teve que andar durante 21 horas, para conseguir cumprir o plano dos 21 dias, sendo que, num deles, atravessou três alfândegas. Noutro caso, esperou três horas e quarenta minutos para entrar num comboio que entrava em Singapura, numa viagem de… cinco minutos.
Pelo caminho foi encontrando várias pessoas que se questionavam acerca do seu propósito e que lhe davam força e o ajudavam como podiam, ora com uma boleia, ora com um “serviço” de tradução.
Após chegar a Singapura, apanhou um avião para o Dubai e daí para Portugal.
Depois de viajar em comboios de última geração e noutros que estavam completamente obsoletos, diz que em Portugal, de São Martinho do Porto até Caldas e depois à Gare do Oriente e ao Entroncamento, os comboios eram aceitáveis, apesar de estarem graffitados. No entanto, “daí para Badajoz é uma vergonha, comparo-os a alguns da Tailândia”, com “uma automotora de 1942, que não anda a mais de 100km/h e não têm ar condicionado”. O empresário lamenta que, por exemplo, a CP não se tenha associado a esta iniciativa que pretende registar no Livro de Recordes do Guiness. “Sou o primeiro português e talvez o primeiro do mundo” a fazer esta viagem, refere, esclarecendo que é possível fazê-la gastando cerca de 2000 euros, mas é preciso alguma capacidade psicológica e de sacríficio. “Não tive nenhum problema em termos de segurança, nem em termos de saúde”, frisa, mostrando-se satisfeito e orgulhoso com o seu feito. Após esta viagem, sente que os 22 quilos de material que levava na mala foram peso a mais e, se voltasse a fazer, dispensaria grande parte dele. A próxima grande viagem será ao Tibete, aterrando no aeroporto mais perigoso do mundo, mas aponta à Oceânia e também à América do Sul, bem como ao continente africano.
































