
Amélia Videira, Isabel Lopes e Tânia Leonardo. Em comum têm o facto de serem actrizes e dedicarem a sua vida também
à educação e cultura, nas Caldas. Na tarde de sábado, véspera do Dia Internacional da Mulher, estiveram na biblioteca municipal das Caldas da Rainha a dar o seu testemunho e partilhar as alegrias e dificuldades de uma escolha de vida ligada às artes
Na década de 60 do século passado, o meio sócio-cultural em que a então jovem Amélia Videira vivia não era aberto ao teatro, pelo que quando disse à mãe que queria ser actriz levou uma bofetada e a resposta peremptória: “não queremos disso na família”. E assim foi, Amélia continuou os estudos e tirou um curso de analista química na escola profissional, casou e teve filhos. Um dia, já após o 25 de Abril de 1974, estava na praia com a família e viu no jornal a notícia da morte da actriz Carmen Gonzalez, que na altura actuava na União Soviética, que lhe reavivou o desejo de seguir o sonho de ser actriz. Disse ao marido, que lhe deu apoio e disse que “aguentava a casa”.
E assim, aos 32 anos, Amélia Videira foi para o Conservatório e, um ano depois, começou a trabalhar. “Fiz a escola de dia e trabalhei à noite”, contou, lembrando que ainda tinha uma casa, marido e filhos para cuidar. “Muito se avançou e abriu o espaço dedicado às mulheres e às artes”, considera a actriz, acrescentando que hoje são as mães que vêm ter com ela e pedem para arranjar um papel numa novela para as filhas. A resposta é sempre a mesma: “dê-lhes tempo, porque é um ambiente demasiado difícil, duro e com privações, para se meter nele uma criança”.
Isabel Lopes não teve a recriminação dos pais mas estava a meio de um curso de Filosofia e os progenitores não acharam graça a esta alteração de planos. O pai achava que deveria ter seguido Direito e a mãe entendia que a irmã tinha mais jeito para o Teatro do que ela, mas Isabel decidiu avançar, incentivada pelas leituras de Beckett, seguindo para o Conservatório. Foi mais complicado arrancar, casada há um ano, para França com uma bolsa do governo francês. “Aí já eram duas famílias e a coisa caiu um bocado mal”, lembrou, fazendo notar que, se se tratasse de um homem, ninguém iria achar que ia deitar fora esta oportunidade.
O resto do percurso tem a dificuldade comum a todos os artistas em Portugal: “uma precariedade muito grande”, disse, acrescentando que, para se manterem, têm que abraçar outros projectos, no seu caso o ensino e o trabalho como dramaturgo.
Ainda assim, considera que é um “privilégio enorme estar em palco”, lembrando as interdições de que as mulheres foram alvo ao longo do tempo. Recuando à Grécia, Isabel Lopes lembrou que nenhuma grande figura do teatro foi escrita para ser representada por mulheres, apesar de “sob a forma de fantasmas estas terem assombrado sempre os palcos como personagens, com máscaras atrás das quais os homens se esconderam”. Na Inglaterra de Shakespeare nenhuma mulher podia pisar um palco e, em Portugal, durante o século XVIII , elas estavam proibidas de actuar e, durante o reinado de D. Maria II, chegaram mesmo a ser banidas também do auditório. Estas proibições duraram até 1800, altura em que elas puderam aceder de novo aos palcos.
Isabel Costa destaca 1836 como um ano decisivo para a dignificação da profissão de actriz, tendo em conta que nesse ano Almeida Garrett redigiu uma portaria, assinada pela Rainha D. Maria II, que cria o Conservatório. Dois anos depois já há regulamento para o Conservatório e para o primeiro teatro nacional, que se refere especificamente ao acesso às alunas, quantas houver. Nas suas aulas de Teatro, cerca de dois terços dos alunos são mulheres, chegando a ter turmas exclusivamente femininas. “Alguma coisa faz o seu caminho”, disse, parafraseando Beckett.
Começam a faltar homens no teatro
A caldense Tânia Leonardo apresentou um ponto de vista um pouco diferente. A mais nova das três oradoras, escolheu a profissão numa altura em que era comum ver mulheres no teatro. “Mas será que eram bem vistas?”, começou por questionar, acrescentando que era essa também a ideia do pai, de “achar que o teatro era um meio de perdição e que não me iria trazer estrutura nenhuma financeira. Acertou uma, que foi a estrutura financeira”, brincou. Apesar do dilema do progenitor, o facto de ter familiares ligados a esta arte ajudou a convencê-lo. Tânia Leonardo tem trabalhado essencialmente com encenadores da sua geração e diz nunca ter sentido a discriminação do género.
A actriz considera que a mulher ganhou o seu papel, não só no teatro mas também na sociedade e defende que a nova geração tem que avançar mais na escrita e na encenação, fazendo notar que também há muito poucas em cargos de direcção das companhias. Em relação à parte da pedagogia a procura é muito mais feminina e Tânia Leonardo equaciona mesmo se não se estará a criar um estigma em relação ao menino ir para o teatro. “Ainda há o preconceito, como antes havia em relação ao ballet”, disse, acrescentando que o sente nos encarregados de educação das turmas infantis.
Um preconceito que tem de ser quebrado porque a expressão dramática é, na sua opinião, das ferramentas mais fortes para desenvolvimento da pessoa.
Também presente no encontro, a vereadora Maria da Conceição Pereira, defendeu que as Caldas tem uma tradição nas artes e na cultura e que faz falta um teatro. Não entende, por isso, como há “caldenses que não compreendem que a autarquia esteja a apoiar o Teatro da Rainha na construção da sua sede”.
A iniciativa foi pautada por momentos musicais pelo duo de guitarristas Estela Pujadas e Jacques Genet.






























