A Volta a Portugal a Cavalo contada num livro com cem anos

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As netas do jornalista Oldemiro César, Aida e Irene Lima, cederam este “tesouro” para a exposição

Oldemiro César reuniu as crónicas num livro que estará na exposição “Não Navega, Cavalga”

Após o primeiro e único Circuito Hípico, conhecido como Volta a Portugal a Cavalo, realizado em 1925, o jornalista Oldemiro César reuniu, num livro escrito à mão, as suas crónicas para o Diário de Notícias. Um século mais tarde, após Pedro Bernardo, bisneto do vencedor do “raid” José Tanganho, recriar a Volta, as netas do jornalista, Aida e Irene Lima, cederam este tesouro para a exposição “Não Navega, Cavalga”, apresentada a 15 de novembro, no CCC. A obra apresenta, por um lado, um relato muito pormenorizado dos 23 dias, mas por outro, também notas de humor e boa disposição, de uma fina ironia por parte do autor, bem como apontamentos históricos e fotografias de Anselmo Franco.

A primeira referência a Tanganho diz que é “com o seu camarada Germano Domingos, um concorrente de temer”. A certa altura são-nos apresentadas as diferentes estratégias, havendo vários grupos e “Tanganho and C.º, como chama os oficiais à sociedade dos homens das Lezírias”. Nestas páginas conta-nos que Tanganho se encontrava “pela estrebaria, onde costuma dormir ao lado do seu cavalo” e ainda que o cavaleiro das Caldas “é de ferro, não se cança e o montado tampouco”. Após ter passado em Beja, quando o capitão Frazão tirou o chocalho, Tanganho pediu para não lançarem um foguete à sua passagem e acabou a ultrapassar o primeiro, “pela sua esperteza de bom natural das Caldas da Rainha, o lindo rincão que o nome de Rafael Bordalo para sempre imortalizou”, lê-se. “Admirava eu a rijeza d’este discipulo de Vitorino Froes, cavalgando com garbo e elegancia, quasi como o cavaleiro andante do poeta”, descreve. Antes de Elvas, dissolveu-se “a firma social Tanganho and C.º, de responsabilidade limitada, que por tantos quilómetros de percurso o ligou a Germano Domingos, seu patrício das Caldas”. E como, “os provérbios são a sabedoria das nações. Devagar se vai ao longe… Assim o compreendem e muito a tempo, os Scientificos, e Tanganho, na sua boa companhia, e viajam agora juntos com método e calma – dez minutos a trote, dez minutos a pé, dando a este circuito hipico-automobilistico novo aspeto desportivo de pedestrianismo”. Pela Volta, o caldense seguia “firme na sela do seu cavalo, Favorito, o centauro mitológico, engolfando-se a trote no negrime de uma noite ameaçadora e sinistra” e é descrito como uma “figura altiva e rija do homem do povo, d’esses d’antes quebrar que torcer, na frase justa do poeta, toda a sua competência e o seu altissimo valor de cavaleiro, passando todas essas rápidas manhãs de descanço à porta do meu hotel, trabalhando o seu cavalo Favorito, alguns quilómetros de passeio matutino para lhe abrir o apetite”. Depois passaram por ele “apeado, ferrando por suas mãos o seu belo cavalo, Favorito”, mas após Espinho já estava novamente em primeiro, “passou como um fantasma, como se cavalgasse o Pégaso alado da lenda”. Tanganho era “alto, sêco, magro, olhos de crença em que se adivinha facilmente com simpatia todo um fundo de extrema bondade e um caracter de absoluta lealdade”. Na chegada à sua terra “ninguém dormiu naquela noite” e a receção “foi qualquer coisa de apoteótico, desde o arco do triunfo erguido à entrada da vila às colchas que pendiam de todas as janelas e varandas repletas de senhoras, aos hurrahs entusiásticos da multidão em delírio”. Aqui há um episódio curioso, é que o carro chega às Caldas e volta atrás para ir ao encontro do cavaleiro, dando boleia ao seu filho, que estava com a mãe na multidão.

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Quando o viu “comovido, com lágrimas nos olhos”, Tanganho “apeia-se do cavalo e sobe de monta por uns instantes o seu filho, que acaricia o Favorito com uma tocante expressão de amor infantil. E a entrada triunfal nas Caldas faz-se entre o ribombar dos morteiros, as palmas e os vivas”, mas também “sob uma chuva de flores cahindo das varandas apinhadas, n’uma verdadeira loucura de entusiasmo e alegria”.

A recriação da Volta integrou as comemorações do centenário da Gazeta, que contam ainda com uma exposição e conferência no Âmbito Cultural do El Corte Inglès.

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