A intensa relação com as Caldas da Rainha de Zica Capristano

A última vez que Zica Capristano (1946-2012) conversou com a Gazeta da Caldas foi em Fevereiro de 2010, na altura em que apresentou no CCC o seu livro “De África – From Africa – D´Afrique”. Um pretexto para contar algumas das memórias que guardava das Caldas da Rainha, onde viveu até aos 14 anos.
Ao longo de toda a sua vida, sempre que visitava a cidade, cumpria uma espécie de roteiro que incluía passagens obrigatórias pela Praça da Fruta, a Rua das Montras, a Zaira, o Parque, a Pastelaria Machado e o cemitério. Zica Capristano visitava os amigos de infância e locais, como a Foz do Arelho, onde ia muito em miúdo em passeio de bicicleta.
Recordou também as regatas no Lago do Parque, os campeonatos de ping-pong e as matinés passadas no Casino (posteriormente Casa da Cultura) “onde aprendi a dançar a valsa, o tango e o chá-chá-chá”, contou então. Outra das memórias que guardava com carinho foi a subida do Caldas à primeira divisão nos anos 50.
Tal como o seu avô, Artur Capristano, Zica tinha uma paixão pelos automóveis e participou em vários países em corridas e rallys.
Era uma paixão justificável. O seu avô era, em 1911, um dos poucos portugueses que sabia conduzir automóveis. Tinha a carta de condução nº 26, o que lhe permitiu iniciar um negócio que o seu filho Artur iria consolidar e transformar num império – a empresa rodoviária Capristanos (ver Gazeta das Caldas de 14/05/1999).
Zica fez parte da terceira geração desta família. Já nasceu em berço de oiro, no seio de uma família rica e fez parte da elite caldense durante os anos 50 e 60. Estudou nas Caldas no Externato Ramalho Ortigão, mas na sua infância teve uma perceptora suíça, de nome Doris Marguerite Ruth.O seu irmão, Artur, contava em 1999 à Gazeta das Caldas que a senhora passou “uns maus bocados connosco”, referindo-se a ele próprio e aos irmãos Zica e João.
Nessa época, nas suas deslocações, os jovens Capristanos tinham direito a motorista particular que os transportava a Lisboa quando necessário.
Este estatuto de privilegiado reflecte-se também na sua educação e formação futura. Concluído o Externato Ramalho Ortigão, Zica Capristano estuda no Liceu Francês em Lisboa, parte para a Suíça, onde está pouco tempo, e ingressa na Universidade de Heidelberg (Alemanha). Ali, de acordo com a praxe daquela famosa cidade universitária, é ferido num combate de esgrima cuja cicatriz guardará com orgulho.
Licenciado em Antropologia, Zica era membro da Royal Geographical Society e do Royal Antropological Institute, duas instituições inglesas de grande prestígio.

N.N. / C.C.

Faleceu um caldense de adopção e cidadão do mundo

Conhecemos Zica Capristano através de seu pai, Artur Capristano, na segunda metade dos anos 70, quando ele iniciou as suas aventuras da volta ao mundo para fotografar gentes e civilizações.
Seu pai, que foi notável industrial caldense do transporte rodoviário e autarca no período marcelista, renovando esta experiência autárquica no pós-25 de Abril, teria poucas razões para ter uma ligação de conhecimento e amizade connosco. Contudo, quis o destino que fosse o inverso que acontecesse e a sua última experiência autárquica nas Caldas da Rainha deu-nos o ensejo de o conhecer melhor e manter com ele uma relação de amizade bastante interessante.
Tal relação transmitiu-se ao filho, Zica Capristano, que a partir daí passou a partilhar com a Gazeta das Caldas as suas iniciativas, que foram muitas e variadas, desde as suas continuadas imersões nos vários continentes (visitou 156 países), às obras que ia publicando, como memorial das suas experiências.
Ainda agora se preparava para apresentar aos caldenses o resultado de uma exposição de fotografia que havia realizado com êxito em Lisboa -”Símbolos Fálicos no Mundo”. Soçobrou ingloriamente à doença. Contudo, nestas últimas semanas,l quando o seu estado se agravou, manteve sempre uma vontade enorme de vencer, bem como de vir à abertura da exposição. Já não será possível. Mas fica a sua lição de vida de ligar gentes, mundos e culturas e de as valorizar através da fotografia.
Sentidos pêsames à família enlutada.

JLAS