A herança que nos chegou desde Bordalo Pinheiro

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A cerâmica confunde-se com a história da cidade. E nada foi igual desde que Rafael assumiu a direção artística da Fábrica de Faianças, impulsionando a atividade e atingindo relevo internacional

Rafael Bordalo Pinheiro: nome incontornável na história da cerâmica

Rafael Bordalo Pinheiro escolheu as Caldas para fundar a Fábrica de Faianças (1884) e não o fez, propriamente, por acaso. Além dos recursos abundantes, como o barro ou a argila, a presença de ilustres ceramistas, que se inspiravam no estilo de Bernard Palissy, permitiram ao artista elevar o nível da faiança decorativa caldense e obter prestígio a nível internacional. A título de exemplo, recorde-se os prémios que almejou em exposições internacionais em cidades como Madrid, Antuérpia, Paris ou St. Louis.
Porém, as origens da atividade cerâmica nas Caldas, numa vertente mais industrial, remontam à década de 1850, com vários autores a nomearem Manuel Cipriano Gomes, conhecido como o “Mafra”, como o responsável pela introdução da técnica Palissy, com peças recheadas de cor e que faziam as delícias dos europeus mais abastados. E até do próprio D. Luís, que faz uma encomenda à fábrica de Manuel Gomes que ficaria para a história, dada a ousadia das propostas apresentadas.

Obra de Manuel Mafra,
ceramista que terá
inspirado Bordalo Pinheiro

A sátira ainda hoje marca presença na cerâmica das Caldas e o trabalho daquele ceramista caldense foi premiado na Exposição de Paris de 1867. Manuel Mafra, tal como recorda a investigadora Cristina Ramos Horta, recebeu, de resto, o título de Fornecedor da Casa Real.
Porém, há relatos que dão conta de que a própria Rainha D. Leonor, em pleno século XV, terá escolhido oleiros locais para adquirir louça para o Hospital Termal, o que indica que esta atividade tem raízes ainda mais profundas.
No final do século XIX, com a chegada do caminho de ferro, Caldas torna-se um centro apetecível para o comércio de cerâmica utilitária e decorativa, através da produção de diversas fábricas que tiram partido dos recursos naturais da região e da criatividade dos artesãos para marcar uma era.

Cerâmica tem ajudado a moldar o futuro das Caldas, há vários séculos

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A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, onde “Raphael”, enquanto diretor artístico, criou figuras míticas como o Zé Povinho e a Maria Paciência, foi uma parceria do jornalista e caricaturista com familiares e o amigo Ramalho Ortigão, mas fecha as portas em 1907. No ano seguinte, o filho de Rafael, Manuel Gustavo, funda a San Rafael, fábrica que consegue obter moldes e peças que tinham pertencido ao pai.
Avelino Belo, considerado um dos discípulos de Bordalo Pinheiro, havia fundado a Fábrica Belo, que, juntamente, com a San Rafael, imprimem grande dinâmica à cerâmica caldense no início do século XX, apostando, entre outros, em elementos da flora e da fauna aplicados em relevo. A Fábrica Belo encerrou na década de 1980, enquanto a San Rafael se mantém aberta até hoje sob a designação Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro.

Secla inova
Segundo a historiadora Isabel Xavier, “outro dos momentos áureos da cerâmica das Caldas” foi protagonizado pela fábrica Secla, fundada por Alberto Pinto Ribeiro em 1947, que começa a exportar para os Estados Unidos da América.
A Secla foi, de resto, uma fábrica muito inovadora para a época, dado que aliou “tradição e modernidade, sem cedências quanto à qualidade estética da sua produção mais característica”. A conceção e desenho das peças e a decoração ganham preponderância, num período em que se começa a assistir à substituição dos fornos a lenha por fornos elétricos e, depois, a gás.
Seguiram-se duas décadas em que a empresa conhece um dinamismo criativo, com mestres do gabarito de Hansi Stael e Ferreira da Silva e artistas renomados como Júlio Pomar ou o alcobacense José Aurélio. A fábrica viria a cessar a laboração em 2008, mas foi ali, naquele centro criativo, que se começou a transmitir uma certa contemporaneidade à cerâmica caldense.

Formação
Nas últimas décadas, o setor tem sabido reinventar-se, para o que muito contribuiu a criação da Escola Superior de Artes e Design (1990), mas também estruturas como o Cencal (1981), que ajudaram a formar muitos ceramistas e abriram caminho a novos projetos e empresas.
Em 1983, foi instalado o Museu da Cerâmica, no antigo Palacete do Visconde de Sacavém, no Avenal, consolidando o trabalho de investigação sobre esta atividade económica e artística de relevância para Caldas da Rainha, cuja história se confunde com o setor, mas também permite desenhar o futuro. Foi esse o desígnio que o investigador João Bonifácio Serra, comissário do Projeto Caldas Cidade Cerâmica, ambicionou: criar “um corredor criativo da cidade”. ■

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