Em Agosto de 1918 foi fundada nas Caldas a empresa Duarte & Xavier Lda., um armazém de revenda de têxtil lar, miudezas e tecidos. Passaram cem anos e a firma mantém-se no mesmo ramo, tendo-se adaptado aos novos tempos e às novas exigências de mercado. Dantes vendiam pano a metro para os enxovais e lonas para os moinhos, hoje vendem soutiens, biquínis, edredons e jogos de lençóis, prontos a usar.

Em 1918 a firma designava-se José Caldeira & Companhia Lda. e tinha a sua sede na Rua Capitão Filipe de Sousa nº 18, ao lado da actual Praça do Peixe, próximo do Thomaz dos Santos. Os sócios fundadores desta sociedade comercial por quotas foram José Caldeira, Augusto Dias, José Duarte, José Xavier e João Dias. A empresa dedicava-se ao comércio de fazendas, de seda, lã, algodão e quinquilharia. A partir dos anos 30, ficaram apenas José Simões Duarte, José da Costa Xavier e José Rosário Duarte e como tal, a firma passa a designar-se Duarte & Xavier, Lda.
Um dos fundadores, José da Costa Xavier faleceu muito novo e o seu filho, Cipriano Xavier( também falecido), teve que interromper os estudos para substituir o seu pai. Era o mais velho de oito irmãos e deixou de frequentar o Colégio Moderno em Lisboa para se dedicar ao comércio nas Caldas da Rainha.
Cipriano Xavier tinha então um sócio, Arsénio Moreira e dedicavam-se a vender para lojas riscados, cotim e caqui, pano cru, pano para fazer cuecas, lençóis e roupas, fazendas para calças e ainda lonas para fazer velas para os moinhos.
Era no tempo em que uma noiva levava pelo menos uma peça de pano de lençol, que tinha 36 metros, para o seu enxoval. As mães faziam-no desde que as filhas eram crianças, adquirindo muita quantidade de tecido que daria origem aos jogos de lençóis, de toalhas e de panos, necessários para o governo da casa. Esta prática durou até pelo menos ao final da década de 70 do século passado.
E como não havia lojas de pronto a vestir, os tecidos vendiam-se a metro para posteriormente as costureiras fazerem calças, blusas, vestidos e camisas de trabalho.
Loja varrida com serradura


Quando Joaquim Gomes, hoje com 82 anos e sócio-gerente reformado desta empresa, ingressou na mesma em 1948, já a firma tinha a designação actual: Duarte & Xavier, Lda. Joaquim Gomes entrou como marçano e hoje é um dos actuais sócios. Lembra-se de ter começado a varrer a casa muitas vezes só com serradura pois estamos muito longe dos tempos das esfregonas, dos detergentes e dos aspiradores. “O Joaquim já não sai daqui. O Joaquim tem que ser caixeiro!”, diziam os sócios da época e assim lá se desvaneceram os sonhos do rapaz de 12 anos, que antes queria seguir mecânica.
Daqueles primeiros anos, não vai esquecer como era árdua a tarefa de carregar os pesados fardos de tecidos para o primeiro andar daquele armazém.
“Saí daqui e assentei praça em 1957. Fui para Lisboa para Artilharia 1”, disse Joaquim Gomes à Gazeta das Caldas, acrescentando que passados dois anos regressa à firma, mas naquela altura a empresa já não o podia integrar. “Fui conhecer mundo”, contou o caldense que rapidamente trocou a caderneta militar pela cédula marítima e andou embarcado, tendo conhecido Macau, Austrália, Índia, Hong Kong e vários países do Norte da Europa.
Passados oito anos regressava a casa e à Duarte & Xavier numa altura em que Cipriano Xavier sai do armazém para gerir a Unical.
Joaquim Gomes tem agora novas funções: passa a ser o caixeiro-viajante da firma. Há várias voltas a dar. Desde a Nazaré até à Ericeira, sem esquecer as zonas de Aveiras de Cima, Cartaxo, Rio Maior, Porto de Mós, Peniche, Torres Vedras e Alenquer. Diz que os clientes acabavam por se tornar seus amigos e que a ida a casamentos, baptizados e outras festas era uma constante.
Joaquim Gomes levava sempre consigo 12 malas de amostras. E se nos primeiros vendia tecidos, fazendas, culotes e ceroulas nos últimos anos que esteve ao serviço, o caixeiro já levava biquínis, soutiens e jogos de lençóis prontos a usar.
“Eu sabia vender. Só precisava que me deixassem colocar a mala em cima do balcão… O resto era comigo!”, disse o ex-caixeiro, que tem mil histórias para contar. Desde aqueles que não o deixavam regressar às Caldas “em branco”, ou seja sem lhe adquirir nada, até àqueles que se zangavam pois os concorrentes tinham vindo às Caldas abastecer directamente ao armazém, sem que o viajante soubesse, há todo um universo que daria para compilar um manual de atendimento. E também não faltam alguns truques como deixar cair a mala das amostras ao chão e enquanto se recolhia o conteúdo, sempre havia algo que agradava ao cliente.
“As melhores praças que tive foram as de Torres Vedras e de Alenquer”, disse Joaquim Gomes, sem esquecer que tinha clientes que vinham ao armazém e abasteciam de mercadoria as suas furgonetas “até mais não caber!”. E nos bons tempos, havia clientes que passados poucos dias já estavam a pedir mais mercadoria ao armazém Duarte & Xavier.
Uma dupla que assumiu a gerência


Em 1968 entrou uma nova funcionária na empresa: Maria Rita Almeida que tinha até então trabalhado sete anos nos Armazéns do Chiado (na Praça da Fruta). Era uma funcionária experiente que atendia clientes e viajantes. Fazia durante o dia o trabalho de escritório e, à noite, ajudava a separar a mercadoria, além de fazer as necessárias facturas.
Joaquim Gomes andava na volta (assim se designava as viagens até às lojas dos clientes) e Maria Rita Almeida geria o trabalho na loja de revenda, situação que se manteve até aos anos 70. A sociedade ainda era só de Cipriano Xavier e de Arsénio Moreira. Este último era o sócio mais difícil. Dizia que enquanto estivesse na firma não se venderiam ali nem soutiens nem cintas! Não percebia as mudanças do sector e que eram exactamente essas as solicitações do mercado. “Ele queria trabalhar como antigamente, continuando a vender a lona para os moleiros, o pano-cru às senhoras para fazer lençóis! Tínhamos que comprar as peças já confeccionadas sem ele perceber”, contaram Joaquim Gomes e Maria Rita Almeida, hoje sócios da empresa.
Depois começaram a aparecer os jogos de cama, já feitos, com uma barra estampada. Quando Joaquim Gomes, experiente caixeiro-viajante, viu aquele jogos, percebeu que os produtos já prontos a usar eram a grande aposta a fazer. “Vi que aquele era o caminho”, referiu Joaquim Gomes.
Cipriano Xavier, que regressava ao armazém após falência da Unical, reconheceu a boa dupla de trabalho que fazia Maria Rita e Joaquim Gomes e passou-lhes a gerência, concedendo-lhes em 1975 uma quota da firma, igual para cada um, de 18.750$00 (93,50 euros). Quando Arsénio Moreira faleceu “nós pagámos a sua quota aos herdeiros”, disseram Maria Rita Almeida e Joaquim Gomes que hoje detêm 55% da empresa. Os restantes 45% são dos actuais sócios-gerentes, que também entraram na empresa como marçanos.
Em 1985 chegou a hora de mudar para um armazém de 300 metros quadrados da Rua Coronel Soeiro de Brito, 18 deixando para trás a sede na Capitão Filipe de Sousa nº 18.
O trespasse para o novo espaço custou-lhes 4000 contos (20 mil euros), mas o anterior armazém, com o primeiro andar esconso, não deixou saudades a ninguém.
Quando se mudaram, abriram uma nova área de negócio: as peças em malha que durante anos se venderam muito bem. Apesar de já terem pronto-a-vestir para revenda, em 1985 ainda mandavam fazer alguns vestidos e blusas a costureiras de Torres Vedras.
Também no novo espaço, e na década de 80 chegaram os computadores, tendo sido altura para informatizar tudo e arrumar os ficheiros em papel. Cipriano Xavier acabou por deixar a firma em 2005, tendo falecido dois anos depois, com 86 anos. Em 2007 Joaquim Gomes e Maria Rita Almeida deixam de ter uma presença tão constante na loja, tendo nesse ano passado a gerência aos três funcionários que são hoje os sócios gerentes: José Sábio, João Silva e Pedro Narciso. “Fizemos tal como fizeram connosco”, remataram os ex-sócios-gerentes, responsáveis por facturações acima de um milhão de euros, entre os anos 80 e 90, antes da crise económica.
De marçanos a sócios-gerentes
José Sábio entrou para a Duarte & Xavier em 1969. É natural do Guisado e, como é tradição nesta firma, entrou como marçano. Recorda-se de ir com um pequeno carro buscar muitas encomendas à estação de caminhos de ferro.
Só tinha 13 anos e não esquece o esforço de subir os 13 degraus de madeira que conduziam ao primeiro andar do anterior armazém. Era preciso levar às costas os fardos de pano de lençol, de agrins e de riscados que se vendiam bem na época. Em 1977 José Sábio foi para a tropa, assentou praça na Figueira da Foz, onde tirou a carta de condução e se tornou motorista. Regressou à empresa e acabou por substituir Joaquim Gomes na volta e, por isso, só está no armazém às segundas e aos sábados.
À terça vai para a zona de Alcobaça e corre os clientes que têm entre Alfeizerão até Marinha Grande. Às quartas, entre A-dos-Francos e Aveiras de Baixo, enquanto que às quintas-feiras faz a volta de Alenquer. À sexta-feira vai até Torres Vedras, começando pelos clientes que possuem no Bombarral. “Hoje a volta é um pouco diferente de antigamente”, disse o caixeiro, recordando que a firma tinha clientes onde era preciso ficar uma manhã inteira, mas que adquiriam 50 contos (250 euros) de mercadora. “Hoje vemo-nos aflitos para vender os mesmos 250 euros… é muito mais difícil”, afirmou, explicando que antes os clientes compravam para ter em stock e hoje não é essa a prática. “Hoje visito o mesmo cliente todas as semanas”, explicou. Dantes avisava-se que o caixeiro iria visitar a loja por correio e com uma semana de antecedência. E também se despachava mercadoria pelo caminho-de-ferro e pela Rodoviária enquanto que, na actualidade é tudo entregue nas próprias lojas.
João Silva entrou já para o novo armazém em 1985. Também tinha que conferir a mercadoria e ainda “apanhou” alguns fardos de tecido a metro que ia buscar à CP. Conta que o negócio da revenda teve nos anos 80 e 90 os seus melhores anos, isto é, antes de terem aberto as grandes superfícies e as lojas de chineses. “Tentamos ir acompanhando o sector, tendo para venda novos produtos”, disse o funcionário, referindo-se a edredons, jogos de cama polares e roupa para casa e para criança.
Em 1987 entrava Pedro Narciso, também marçano. Uma das suas primeiras funções era acender e apagar as luzes, uma a uma. Isto além de ter que arrumar a mercadoria e de a ir buscar mercadoria à CP e à Rodoviária. Recorda que quando entrou, a empresa tinha clientes por toda a cidade desde o Avenal ao Bairro dos Arneiros (onde ainda há uma cliente), além das lojas na Praça da Fruta e do Peixe.
Muitos tiveram que fechar portas por causa da feroz concorrência das grandes superfícies.
Desde 2007 que os três funcionários se tornaram sócios gerentes. Estão longe as facturações anuais de um milhão de euros, mas dizem que actualmente a empresa factura metade desse valor.
“Hoje trabalha-se mais e ganha-se menos”, contam, explicando que têm saudades dos clientes que chegavam ao balcão e faziam compras de 800 contos (4000 euros), enquanto que hoje passam a maioria das facturas com valores de 20 e 30 euros.
Lembram com saudades os clientes que gostavam de camisas da marca e que as compravam às dúzias, quase sem as desencaixotar. “Quero três de cada, por tamanho e cor”, repetem hoje com saudade os pedidos que eram então feitos pelos bons clientes.
Os três sócios também contam que aumentaram muito as despesas e os encargos com o Estado. E que antigamente as pessoas tinham mais palavra pois pagavam a tempo e horas.
“Temos que apostar é na área do têxtil lar para casa e para a hotelaria”, contam os sócios-gerentes, explicando que cada loja que fecha não é substituída por novos clientes. “Não são as pessoas novas que compram na loja da aldeia… Preferem os centros comerciais ou a internet”. E também já não há quem faça enxoval e como tal deixaram de se vender os milhares de metros de pano que era o produto-chave do início da empresa.
Apesar de tudo, o armazém mantém-se fiel aos seus fornecedores, a maioria nacional, e por causa das preocupações com a qualidade ainda há muita peça têxtil que vem das fábricas de Guimarães, Braga, Trofa, Vila das Aves e Porto.
Entre os actuais clientes da empresa Duarte & Xavier estão, por exemplo, as lojas de Óbidos e apesar de muitos estabelecimentos, sobretudo nas aldeias terem fechado portas, esta empresa caldense mantêm mil clientes por toda a região.
Cronologia
1918 – Criação da empresa na Rua Capitão Filipe de Sousa nº 18 por José Caldeira, Augusto Dias, José Duarte, José Xavier e João Dias. Designava-se José Caldeira & Companhia
1934- A firma passa a chamar-se Duarte & Xavier, Lda. e tem como sócios José Simões Duarte, José da Costa Xavier e José Rosário Duarte
1969 – Regresso de Joaquim Gomes que com Maria Rita Almeida abrem “nova fase” da casa
1975 – Sucessão na gerência – Joaquim Gomes e Maria Rita Almeida são novos e únicos sócios-gerentes
1985 – Mudança da empresa para a Rua Coronel Soeiro de Brito, 18
2007 – Sucessão na gerência – novos sócios-gerentes: José Sábio, João Silva e Pedro Narciso que possuem 45% da empresa. Maria Rita Almeida e Joaquim Gomes detêm os restantes 55%.































